Diabetes: sua história médica e cultural — esboços, textos, bibliografia (1989)


Durante séculos, antes mesmo da descoberta da insulina, a medicina tentou compreender o diabetes a partir de seus sintomas: sede intensa, urina em excesso e emagrecimento rápido. Sem saber que a doença estava ligada ao pâncreas e à insulina, os médicos perceberam algo importante — o que o paciente comia mudava tudo. E foi com alimentos de origem animal que surgiram as primeiras melhorias observáveis.

O livro Diabetes: sua história médica e cultural, de Dietrich V. Engelhardt (1989), mostra que as terapias dietéticas baseadas em carne e gordura animal foram as primeiras a oferecer esperança real a pessoas com diabetes, muito antes da ciência entender os mecanismos por trás disso.

As primeiras observações: o corpo responde à comida

Na Antiguidade, médicos gregos e árabes já descreviam pessoas com “urina doce” e sede insaciável. Eles não sabiam por quê, mas percebiam que restringir frutas, cereais e mel — fontes naturais de açúcar — trazia alívio.

Nessa época, a dieta consistia basicamente em carne, caldo e vinho leve. Mesmo sem explicação bioquímica, era evidente que os alimentos de origem animal não agravavam os sintomas, ao contrário dos vegetais ricos em açúcar. Essa constatação empírica foi o embrião da terapia dietética.

Thomas Willis e o “sabor doce”: início da restrição de carboidratos

No século XVII, o médico inglês Thomas Willis foi o primeiro a notar que a urina de pessoas com diabetes tinha gosto doce “como mel”. Ele associou a doença ao consumo exagerado de alimentos vegetais — especialmente grãos, frutas e doces.

Willis então orientava seus pacientes a reduzir ao máximo os vegetais ricos em amido e a priorizar carne e gordura animal. Era uma dieta intuitiva, mas eficaz, que já refletia a ideia de que o problema não estava na proteína ou na gordura, e sim no açúcar.

A revolução de John Rollo: o tratamento com carne

O grande marco veio em 1797, com o médico escocês John Rollo, que publicou um relato detalhado de dois pacientes tratados exclusivamente com carne, gordura e caldo animal.

Rollo observou que, ao eliminar completamente os vegetais e farinhas, o açúcar desaparecia da urina, a sede diminuía e a força física melhorava. O protocolo de Rollo era simples, mas rigoroso: carne de boi, cordeiro, aves, vísceras, ovos e caldos gordurosos.

O resultado foi tão impressionante para a época que o método se espalhou pela Europa, sendo adotado em hospitais e clínicas até o início do século XX. Era, essencialmente, uma dieta carnívora terapêutica.

O século XIX e o papel do pâncreas

Com os avanços da fisiologia, o médico francês Claude Bernard demonstrou que o fígado armazenava glicose e que esse açúcar poderia ser liberado na corrente sanguínea.

Mas a virada veio em 1869, quando Paul Langerhans descobriu pequenas estruturas no pâncreas — mais tarde chamadas de “ilhotas de Langerhans” —, que se revelariam fundamentais para o controle da glicose.

Mesmo antes da identificação da insulina, médicos notavam que dietas ricas em proteína e gordura animal estabilizavam os sintomas, enquanto dietas baseadas em vegetais e grãos agravavam o quadro.

As dietas de jejum e de carne no início do século XX

Antes da insulina, os médicos tentavam prolongar a vida com dietas que imitavam o efeito das dietas carnívoras de Rollo, agora combinadas com períodos de jejum.

O mais famoso desses métodos foi o do americano Frederick Allen, que aplicava dietas quase isentas de carboidratos, com caldos, carnes magras e gorduras animais. Apesar de extremamente restritivas, essas dietas conseguiam manter pacientes vivos por meses — algo raro antes da década de 1920.

Essas observações reforçaram uma ideia fundamental: sem carboidratos, o corpo podia funcionar bem com energia derivada da gordura e da proteína animal.

Karl Petrén e a consolidação das dietas à base de carne

No mesmo período, o médico sueco Karl Petrén (1868–1927) aperfeiçoou e sistematizou o uso de dietas animais no controle do diabetes. Trabalhando em uma época em que não existia insulina, Petrén desenvolveu o que chamou de “dieta de carne e gordura” (Kött- och fettkost), uma versão científica das observações de Rollo.

Seus pacientes eram alimentados quase exclusivamente com:

  • Carnes de boi, vitela e aves como principal fonte de energia e proteína.
  • Gordura animal abundante — manteiga, banha e creme de leite — para fornecer calorias.
  • Fígado e caldo de ossos para manter o aporte de vitaminas e minerais naturais.
  • Exclusão completa de grãos, frutas, batatas e açúcares.

Petrén observava quedas rápidas na glicose urinária e melhora do vigor físico. Ele foi um dos primeiros a quantificar com precisão os alimentos, pesando porções, medindo urina e monitorando sintomas — uma prática que antecipou o controle moderno de macronutrientes.

Seus resultados mostravam que quanto mais gordura e proteína animal, mais estável o metabolismo. A ausência de carboidratos não enfraquecia o paciente; pelo contrário, preservava sua energia e diminuía a sede.

Quando a insulina foi descoberta em 1921, Petrén reconheceu o avanço, mas deixou um alerta importante:

“A insulina não substitui a dieta; apenas a torna mais humana.”

Ele defendeu que o tratamento com insulina deveria caminhar junto com a base alimentar que havia salvado tantas vidas: carne, ovos, fígado e gordura animal. Suas tabelas e protocolos foram usados por décadas em hospitais europeus, especialmente para casos de diabetes tipo 2.

A descoberta da insulina e o novo papel da alimentação

Com a descoberta da insulina por Banting e Best em 1921, o diabetes deixou de ser uma sentença de morte. A insulina passou a controlar a glicose de forma direta, mas a dieta permaneceu indispensável.

Mesmo com o tratamento medicamentoso, os médicos continuaram a recomendar carnes, ovos, peixes e gorduras naturais como base da alimentação, reduzindo pães, cereais e frutas açucaradas.

Os alimentos de origem animal tornaram-se não apenas uma fonte de energia segura, mas também uma forma de fornecer aminoácidos e micronutrientes essenciais que os pacientes com diabetes muitas vezes perdiam com dietas pobres em proteína.

A redescoberta moderna

Ao revisar séculos de história, Engelhardt mostra que as primeiras melhorias no diabetes surgiram com dietas à base de carne e gordura animal, não com plantas. Isso não foi coincidência: os alimentos animais mantêm a glicose estável, reduzem a inflamação e oferecem densidade nutricional superior.

Enquanto a era moderna enfatizou calorias e fibras, as origens do tratamento do diabetes lembram algo mais simples e fundamental — o corpo humano prospera com o que sempre o sustentou: alimentos de origem animal.

Conclusão

Muito antes das injeções e sensores, o controle do diabetes nasceu da observação de um fato simples: o corpo humano adoece com excesso de açúcar e se recupera com alimentos animais.

De Thomas Willis a John Rollo, de Frederick Allen a Karl Petrén, a história médica é clara: as dietas baseadas em carne e gordura foram o primeiro tratamento realmente eficaz para o diabetes.

Essas estratégias salvaram vidas e prepararam o caminho para a era da insulina. Ainda hoje, continuam sendo o alicerce da alimentação metabólica equilibrada.
O “remédio” original permanece o mesmo — no prato, e não no frasco.

Fonte: https://amzn.to/3SCa82U

*Íntegra disponível na newsletter

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: