No final do século XVIII, em meio à expansão das fronteiras do Kentucky e Tennessee, os caçadores pioneiros como Hugh F. Bell, John Bell e Isaac Peterson viviam inteiramente do que a natureza oferecia. Sem agricultura estruturada, sem cereais e sem pães, sua nutrição dependia exclusivamente de alimentos de origem animal. A vida na mata era sustentada por carne, gordura e vísceras — fontes primárias de energia, proteínas e micronutrientes.
A caça como base alimentar
A subsistência diária vinha do abate de grandes mamíferos. Búfalos, ursos, veados, alces e perus compunham a dieta fundamental desses homens. Caçar não era apenas sobrevivência, mas também uma forma de garantir variedade nutricional. Cada animal tinha sua utilidade específica:
- O búfalo fornecia grandes volumes de carne magra, gordura densa, pele e ossos ricos em tutano.
- O urso, além da carne, era uma das principais fontes de óleo e gordura culinária, usada para cozinhar e conservar alimentos.
- O veado e o alce eram considerados carnes mais delicadas, de fácil digestão.
- O peru selvagem, quando disponível, oferecia carne magra e saborosa.
Nada era desperdiçado. A gordura, o tutano, os órgãos e as caudas eram aproveitados, compondo um cardápio de densidade nutricional superior ao das dietas baseadas em vegetais ou grãos.
Preparações e técnicas culinárias
A culinária dos caçadores era simples, mas requintada em técnica. A refeição mais comum era o ensopado de carnes mistas, preparado com o que estivesse disponível — pedaços de búfalo, veado, alce, urso e peru. O caldeirão fervia lentamente sobre o fogo, temperado apenas com sal, pimenta e sálvia, especiarias trazidas nas bolsas de couro. Esse preparo concentrava proteínas, colágeno e gordura, garantindo saciedade prolongada e energia constante para longos dias de caça.
Ensopados e substitutos do pão
O fígado de urso cozido ou o rim de urso assado eram consumidos como substitutos do pão — expressão que revela a ausência de qualquer produto vegetal na base alimentar. As vísceras forneciam ferro heme, vitaminas A e B12 e alta concentração de aminoácidos, tornando-se um alimento completo e de digestão eficiente.
Peru enriquecido com gordura animal
Quando caçavam peru, faziam pequenos cortes na carne e inseriam pedaços de gordura de urso temperados, o que transformava uma ave naturalmente magra em um prato rico em energia e sabor. Essa prática — adicionar gordura animal para enriquecer carnes magras — era essencial para evitar o que hoje se conhece como “fome do coelho”, uma condição resultante do consumo exclusivo de carne sem gordura.
Cauda de castor, língua de búfalo e tutano
As refeições mais valorizadas incluíam cauda de castor, língua de búfalo e tutano de osso, considerados verdadeiras iguarias.
- A cauda de castor, rica em gordura subcutânea, era envolta em folhas úmidas de carvalho e enterrada nas brasas durante a noite, cozinhando lentamente até se tornar gelatinosa e macia.
- A língua de búfalo era chamuscada para retirar a pele externa e depois assada lentamente em um espeto de spicebush (Lindera benzoin), planta aromática que conferia sabor sutil e natural ao preparo.
- O tutano, obtido ao abrir os ossos aquecidos nas brasas, era consumido puro, quente, e descrito como “rico e delicioso”. Representava a gordura mais valiosa da caça, um alimento que sustentava longas jornadas e não causava nenhum desconforto digestivo, mesmo em grandes quantidades.
A importância da gordura animal
Após cozinhar a carne de urso, era comum “virar a panela e despejar quase um litro de gordura”. Essa gordura — o óleo de urso — era usada como fonte de energia, condimento e até lubrificante para o corpo e equipamentos. Nenhum dos caçadores relatava efeitos adversos; ao contrário, era considerada um alimento vital. Em um ambiente de frio intenso e esforço físico diário, o metabolismo dependia da cetose fisiológica natural induzida pela ingestão de gordura como principal combustível.
A observação de que o consumo elevado de gordura animal não produzia “nenhum efeito nocivo” reflete uma compreensão empírica que, séculos mais tarde, seria corroborada por estudos modernos sobre saciedade, metabolismo lipídico e termorregulação em dietas de baixa ingestão de carboidratos.
Um modo de vida carnívoro
Os caçadores das florestas americanas do século XVIII praticavam, na prática, uma dieta carnívora ancestral. Viviam semanas sem qualquer fonte vegetal relevante, sustentados por carne fresca, gordura, tutano e vísceras. Esse padrão alimentar, longe de ser improvisado, revelava profundo conhecimento ecológico e fisiológico: sabiam identificar partes mais nutritivas, preservar energia e evitar deficiências com base exclusivamente em alimentos de origem animal.
A abundância de grandes herbívoros e carnívoros fornecia tudo o que era necessário — proteína completa, ácidos graxos essenciais, minerais biodisponíveis e vitaminas lipossolúveis. Essa autossuficiência explica por que as dietas baseadas em caça e gordura dominaram a sobrevivência humana em climas frios e ambientes hostis até a chegada da agricultura.
Conclusão
Os relatos de Hugh F. Bell e seus companheiros não são apenas histórias de coragem, mas também registros valiosos sobre a eficiência metabólica e nutricional das dietas centradas em animais. Em um mundo sem agricultura, sem processados e sem pães, a carne e a gordura forneciam energia, imunidade e vigor. Os caçadores das fronteiras americanas, sem o saber, reproduziam a dieta que sustentou a espécie humana por milênios — rica em nutrientes, fisiologicamente adequada e metabolicamente estável.
Fonte: https://www.americanjourneys.org/aj-151/index.asp
