A relação entre o que uma mulher come na gravidez e o desenvolvimento do cérebro do bebê vem ganhando atenção crescente na ciência. Pesquisadores espanhóis publicaram um estudo no European Journal of Pediatrics que investigou como a quantidade e a qualidade dos carboidratos consumidos pelas gestantes influenciam as habilidades cognitivas e motoras de seus filhos nos primeiros anos de vida. O trabalho faz parte do projeto ECLIPSES, conduzido pela Universidade Rovira i Virgili, na Espanha.
O estudo acompanhou 420 pares de mães e filhos desde o início da gestação até os quatro anos de idade das crianças. As dietas das gestantes foram analisadas no primeiro e no terceiro trimestres, com especial atenção para o índice glicêmico (IG) — que mede a velocidade com que um alimento eleva a glicose no sangue — e a carga glicêmica (CG), que combina o IG com a quantidade total de carboidratos consumidos.
As crianças foram avaliadas aos 40 dias de vida, por meio das Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil, e novamente aos 4 anos, com testes de inteligência e coordenação (WPPSI-IV e NEPSY-II).
Resultados principais
As gestantes que consumiram mais carboidratos totais e alimentos de alto índice e carga glicêmica — como pães, massas, doces, sucos industrializados e outros produtos refinados — tiveram filhos com piores resultados nas áreas de linguagem, coordenação motora e inteligência global.
Nos bebês de 40 dias, observou-se que o aumento do consumo de carboidratos e da carga glicêmica estava ligado a pior desempenho na linguagem expressiva (capacidade de emitir sons e se comunicar) e, nos casos de carga glicêmica mais alta, também a menor desenvolvimento motor.
Aos 4 anos, as crianças cujas mães consumiram dietas com mais carboidratos e maior carga glicêmica apresentaram menor velocidade de processamento, habilidades não verbais reduzidas e quocientes de inteligência (QI) mais baixos. Em números, o grupo de maior CG durante a gravidez teve filhos com cerca de 5 pontos a menos no QI médio, além de menores índices de precisão visuomotora — ou seja, dificuldade maior em coordenar o olhar e o movimento das mãos.
Possíveis explicações biológicas
Durante a gravidez, o excesso de alimentos ricos em açúcar e amido pode levar a picos repetidos de glicose e insulina, mesmo em mulheres sem diabetes. Isso afeta o equilíbrio metabólico e pode alterar a forma como o cérebro do bebê se desenvolve, especialmente nas fases iniciais da gestação, quando estruturas fundamentais do sistema nervoso estão se formando.
Pesquisas anteriores já mostravam que a hiperglicemia gestacional — mesmo moderada — está associada a atrasos de linguagem e coordenação em crianças. Esse novo estudo reforça que não é apenas o excesso de açúcar no sangue, mas também o tipo de carboidrato ingerido que influencia o neurodesenvolvimento.
Carboidratos com baixo índice e carga glicêmica (como legumes, hortaliças e alguns grãos integrais) promovem respostas glicêmicas mais estáveis e podem reduzir esses riscos.
Implicações práticas
Os resultados indicam que a qualidade dos carboidratos na dieta da gestante deve ser considerada com o mesmo cuidado que outros nutrientes, como ferro, ácido fólico e ômega-3. O estudo sugere que recomendações alimentares durante a gravidez precisam ir além da contagem de calorias e devem incluir a orientação para evitar alimentos ultraprocessados e açucarados, privilegiando fontes naturais e menos refinadas.
Esses achados também chamam atenção para políticas públicas e orientações comunitárias sobre nutrição materna, com o objetivo de prevenir impactos cognitivos e motores em longo prazo.
Limitações e conclusão
Embora o estudo seja robusto, ele é observacional — o que significa que não prova causa e efeito. Ainda assim, os dados apontam para um padrão claro: quanto maior o consumo de carboidratos de alto índice e carga glicêmica na gravidez, piores os indicadores de desenvolvimento infantil.
Os autores destacam a importância de novas pesquisas e ensaios clínicos controlados para confirmar esses resultados e ajustar diretrizes oficiais, como as da Agência Espanhola de Segurança Alimentar e Nutrição.
Em resumo, a pesquisa reforça a ideia de que a alimentação materna molda o cérebro da próxima geração, e que o equilíbrio e a qualidade dos carboidratos consumidos durante a gestação são determinantes para o desenvolvimento neurológico saudável do bebê.
