O artigo publicado no International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism reuniu dez especialistas internacionais em nutrição esportiva durante a conferência anual do American College of Sports Medicine (ACSM). O tema central foi uma questão prática que interessa tanto a atletas quanto a praticantes de atividade física: até que ponto os alimentos comuns, especialmente os de origem animal, podem substituir suplementos ergogênicos e produtos esportivos comerciais?
A discussão seguiu o princípio conhecido como “comida em primeiro lugar” — ideia de que o alimento natural deve ser a base da nutrição esportiva, embora, em alguns casos, a suplementação possa ter um papel complementar. A sessão foi estruturada no formato “10 perguntas, 10 especialistas”, e cada tópico recebeu um veredito: confirmado, plausível ou mito derrubado.
1. Creatina: a carne e o peixe continuam insubstituíveis
A primeira questão analisou se as pessoas obtêm creatina suficiente apenas com a dieta. A creatina está presente quase exclusivamente em alimentos de origem animal, especialmente em carne vermelha e peixes. Um quilo de carne bovina ou de peixe contém cerca de 4 a 5 g de creatina, enquanto o frango possui apenas metade disso.
Um bife de 100 g fornece cerca de 0,5 g de creatina — o que significa que seriam necessárias duas porções diárias de carne ou peixe para atingir a média de 1 g de ingestão alimentar recomendada.
Entretanto, estudos com mais de 89 mil pessoas mostraram que a maioria consome menos de 1 g por dia, reflexo da redução no consumo de carne. Essa carência está associada a menor desempenho físico e cognitivo.
Veredito: mito derrubado. A alimentação moderna, cada vez mais baseada em vegetais e ultraprocessados, não fornece creatina suficiente. Alimentos animais seguem sendo a única fonte natural relevante, e a suplementação pode ser necessária para saúde e performance ideais.
2. Adoçantes sem açúcar e desempenho
Os chamados “adoçantes não calóricos” (aspartame, sucralose, estévia) têm sido usados como substitutos do açúcar. Em atletas, o efeito real ainda é incerto. Eles podem reduzir calorias quando substituem grandes quantidades de açúcar, mas também podem alterar o paladar e estimular fome compensatória. Além disso, bebidas adoçadas artificialmente não oferecem carboidratos que sustentam o desempenho físico.
Veredito: inconclusivo. Para quem treina intensamente, o açúcar natural presente em frutas ou bebidas com carboidratos pode ser mais útil do que tentar eliminá-lo completamente.
3. Leite e carne seca: fontes de leucina e BCAA naturais
Os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) — especialmente a leucina — ativam a síntese de proteínas musculares. Uma porção de carne seca (28 g) contém cerca de 0,6 g de leucina; um copo de leite com chocolate (240 ml) fornece entre 0,7 e 1 g.
Essas quantidades podem ser suficientes para mulheres jovens (0,6–1,5 g), mas não para homens, que precisam de cerca de 2–3 g para maximizar a síntese muscular. Ainda assim, alimentos animais completos (como carne, leite e ovos) fornecem todos os aminoácidos essenciais e são mais eficazes que suplementos isolados de BCAA.
Veredito: plausível. O consumo adequado de alimentos proteicos animais pode tornar desnecessário o uso de suplementos, desde que as quantidades totais de proteína e leucina sejam atingidas.
4. Alimentos naturais como fonte de energia
A substituição de géis e bebidas energéticas por alimentos como mel, purê de frutas, banana ou batata cozida mostrou-se eficaz. Esses alimentos fornecem carboidratos em proporções semelhantes às dos produtos esportivos, com a vantagem de serem mais baratos e menos processados.
Para atletas que preferem opções naturais, a combinação de frutas, mel e pequenas porções de alimentos ricos em amido pode garantir energia durante treinos longos.
Veredito: confirmado. Com planejamento, alimentos naturais podem oferecer a mesma energia que os produtos comerciais, mantendo desempenho e digestão adequados.
5. Bebidas esportivas: suco com sal pode substituir?
Uma bebida ideal para o exercício contém água, carboidrato e eletrólitos (principalmente sódio). Versões caseiras podem se aproximar das comerciais, desde que respeitem as proporções:
- 1 litro de água
- 60 g de açúcar ou mel
- ¼ de colher de chá de sal
- um pouco de suco natural
Essa combinação favorece a absorção intestinal de glicose e sódio, facilitando a hidratação.
Veredito: plausível. Quando bem preparada, uma bebida caseira pode ser tão eficaz quanto uma industrializada, mas deve ser consumida em condições seguras (sem contaminação e dentro do prazo).
6. Vegetarianos e suplementos de carnosina e carnitina
A carnosina e a carnitina, importantes para o metabolismo muscular, são encontradas em carne e peixe. Vegetarianos apresentam níveis menores, mas dentro de uma faixa normal para o funcionamento do corpo.
Não há evidência de deficiência clínica, mas atletas de elite, que buscam desempenho máximo, podem se beneficiar de suplementação direcionada.
Veredito: mito derrubado. Vegetarianos saudáveis não precisam suplementar, embora a vantagem ergogênica para esportistas competitivos ainda seja possível.
7. Ferro no grão teff: nem sempre o que parece
O cereal etíope teff ficou famoso por supostamente conter muito ferro. Porém, parte desse ferro vem da contaminação do solo durante a colheita tradicional. Quando analisado sem impurezas, o teor cai pela metade.
Em comparação, carnes vermelhas e vísceras permanecem as fontes mais biodisponíveis de ferro, pois contêm o tipo “heme”, de alta absorção (15%–35%), enquanto o ferro vegetal tem absorção inferior a 10%.
Veredito: plausível. O teff pode conter ferro, mas os alimentos animais continuam sendo as fontes mais eficientes e seguras.
8. Água de coco: uma opção natural, mas incompleta
A água de coco natural tem muito potássio, mas pouco sódio — mineral essencial na reposição após suar. Assim, sozinha, não substitui as bebidas esportivas. Se for enriquecida com sal, pode alcançar efeito semelhante.
Veredito: mito derrubado parcialmente. Boa alternativa natural, desde que complementada com sódio.
9. Vitaminas B e cor da urina
Suplementos de vitaminas B2 e B12, encontrados em carnes, ovos e laticínios, podem deixar a urina mais amarelada, mas isso não altera a avaliação da hidratação.
Veredito: inconclusivo. O efeito é visual, mas não interfere no estado hídrico real.
10. Cálcio alimentar antes do treino: leite e derivados funcionam
Estudos mostraram que consumir cerca de 1.000 mg de cálcio em alimentos — como três porções de leite, iogurte ou queijo — antes do exercício reduz a perda de cálcio dos ossos durante o treino.
O efeito é semelhante ao de um suplemento, com a vantagem de ser natural e oferecer proteínas e outros nutrientes.
Veredito: mito derrubado. O cálcio de alimentos de origem animal é suficiente e eficaz na proteção óssea.
Conclusões gerais
Os especialistas do grupo PINES reforçaram que muitos suplementos esportivos podem ser substituídos por alimentos naturais — especialmente os de origem animal, que oferecem densidade nutricional, biodisponibilidade e equilíbrio natural de aminoácidos, minerais e cofatores.
Entretanto, alguns nutrientes, como creatina e ferro, são difíceis de atingir em quantidades ideais em dietas com pouco consumo de carne. Nesses casos, a suplementação pode ser útil.
A mensagem final é clara: a base deve ser sempre o alimento natural, usando suplementos apenas como complemento estratégico, e não como substituto da nutrição real.
Fonte: https://doi.org/10.1123/ijsnem.2025-0161
