A cura pela carne: o tratamento do reumatismo no século XIX (1885)

No final do século XIX, os médicos ainda não sabiam que o reumatismo articular agudo — o que hoje chamamos de febre reumática — era causado por uma infecção bacteriana (estreptococo). Mesmo assim, as observações clínicas da época revelam algo importante: o estado geral de nutrição do paciente, especialmente o consumo de alimentos ricos em proteínas e gorduras animais, era considerado um dos fatores decisivos para a recuperação.

Naquela época, médicos como William Pepper e R. P. Howard descreviam o reumatismo como uma doença que atacava principalmente jovens e adultos magros, muitas vezes enfraquecidos, com pouca reserva corporal. A febre, a dor e a sudorese intensa faziam o corpo perder líquidos, sais minerais e massa muscular. Por isso, a dieta tinha papel essencial no tratamento.

A importância da alimentação na recuperação

Os médicos do século XIX sabiam, pela observação direta, que pacientes alimentados com carnes, caldos fortes e ovos se recuperavam mais rápido e resistiam melhor às complicações cardíacas e pulmonares, que eram as maiores causas de morte. Mesmo sem conhecer os mecanismos bioquímicos, eles notavam que a fraqueza extrema e a perda de apetite pioravam a evolução da doença.

As recomendações alimentares eram claras:

  • Caldo de carne e tutano eram usados para restaurar energia e manter a força.
  • Carnes cozidas e facilmente digeríveis (geralmente de vaca, frango ou cordeiro) eram oferecidas em pequenas porções frequentes.
  • Ovos e leite eram prescritos para aumentar a produção de proteínas e auxiliar na reconstrução dos tecidos.
  • Manteiga e gorduras animais eram valorizadas para compensar a perda calórica provocada pela febre e pelo suor intenso.

Essas práticas se baseavam em observação empírica: pacientes bem alimentados — especialmente com alimentos de origem animal — raramente evoluíam para estados de exaustão profunda, e o risco de complicações diminuía. Já os que não toleravam carne ou viviam à base de caldos vegetais, mingaus e pães, mostravam recuperação lenta e recaídas frequentes.

O contraste com as dietas pobres em proteína

Na mesma época, hospitais de caridade registravam muitos casos de reumatismo entre pessoas que viviam em condições precárias, com dieta baseada em farinha, batata e pão. Era comum o diagnóstico de “fraqueza constitucional” ou “sangue empobrecido”. Os médicos descreviam esses pacientes como “pálidos, flácidos e com pouca resistência”. Embora a causa bacteriana ainda não fosse conhecida, eles intuíram que o organismo desnutrido era um terreno fértil para doenças inflamatórias.

Enquanto isso, observações entre classes mais ricas — que consumiam carnes diariamente — mostravam quadros mais brandos e recuperação mais rápida. Essa diferença de evolução reforçou, já no século XIX, a ideia de que os alimentos animais sustentavam melhor o sistema imunológico e muscular durante infecções febris.

O papel dos caldos, vísceras e leite

Entre as receitas médicas da época, destacavam-se os caldos concentrados feitos com ossos e carne, usados não apenas por sua digestibilidade, mas também por serem considerados “reconstrutores do sangue”. As vísceras — especialmente fígado e coração — eram valorizadas por conterem ferro e “substâncias vitais” (na linguagem da época). O leite e o creme eram prescritos como fontes de “nutrição suave”, úteis para manter peso sem irritar o estômago.

Com o avanço da febre, quando o paciente ficava prostrado e incapaz de mastigar, os médicos recomendavam misturas de gema de ovo batida com caldo de carne quente — o equivalente às sopas fortificadas modernas — para evitar perda de massa muscular.

O que se entendia sobre o “sangue” e a recuperação

Na visão fisiológica do século XIX, o sangue era o centro da vitalidade. Quando o paciente estava enfraquecido ou febril, dizia-se que o sangue “empobrecia” e “perdia a sua qualidade fibrinosa”. As carnes e caldos eram vistas como alimentos que restauravam essa substância viva, devolvendo vigor e resistência. Hoje se sabe que, de fato, esses alimentos são ricos em aminoácidos essenciais, ferro heme e vitaminas do complexo B — todos fundamentais para a regeneração tecidual e a produção de hemoglobina.

Os registros de Howard mostram que, entre os doentes alimentados de modo mais robusto, a duração média da febre era menor e a recuperação mais completa, ainda que os médicos não tivessem dados laboratoriais para provar o motivo.

A dieta e a prevenção das complicações cardíacas

Um dos maiores temores do reumatismo era o comprometimento do coração. Howard observou que pacientes com nutrição precária apresentavam mais casos de endocardite e pericardite — inflamações das válvulas e das membranas cardíacas. Por isso, os médicos davam grande atenção à manutenção do peso e à oferta de proteínas. O raciocínio era simples: um coração enfraquecido não resistia à inflamação se o corpo estivesse em jejum ou carente de nutrientes.

Hoje se sabe que proteínas, ferro e certas vitaminas de origem animal (como B12 e B6) são essenciais para o funcionamento cardíaco e a reparação celular — um conhecimento que, de forma intuitiva, já orientava a prática médica de 140 anos atrás.

Conclusão

O tratamento do reumatismo articular agudo em 1885 refletia a compreensão limitada da medicina antes do advento da microbiologia, mas traz lições ainda atuais: a nutrição adequada, rica em alimentos de origem animal, era reconhecida como essencial para a recuperação e a prevenção de complicações graves. Carnes, ovos, leite, vísceras e caldos concentrados formavam a base da alimentação terapêutica, não apenas por fornecerem energia, mas por “reconstruírem o sangue” e sustentarem a vida durante a febre.

Mesmo sem o vocabulário moderno das proteínas e micronutrientes, aqueles médicos compreenderam um princípio fundamental: o corpo doente precisa de substância viva — e essa substância está na carne.

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