O estudo clínico randomizado e cruzado conduzido na San Diego State University investigou se a ingestão de duas xícaras diárias de frutas, conforme orientado pelo Dietary Guidelines for Americans, poderia trazer benefícios mensuráveis em parâmetros cardiovasculares, cognitivos e motores em adultos saudáveis que consumiam pouca fruta. Os resultados mostraram pontos negativos importantes que merecem atenção e questionam a suficiência das recomendações atuais.
Ausência de impacto nos desfechos principais
Ao longo de oito semanas, o consumo de frutas não produziu efeitos significativos em biomarcadores cardiovasculares, como glicose, triglicerídeos, colesterol total, LDL-C, proteína C-reativa, capacidade antioxidante ou atividade da enzima glutationa peroxidase. Do mesmo modo, pressão arterial, composição corporal e peso permaneceram inalterados. A função endotelial, avaliada pela dilatação fluxo-mediada, também não apresentou melhora.
No campo da cognição, não houve ganhos relevantes em memória episódica, memória de trabalho, atenção ou flexibilidade cognitiva. A melhora observada na velocidade de processamento ocorreu igualmente nos dois períodos e foi interpretada como efeito de aprendizado. Quanto ao equilíbrio e função motora, apenas um teste de destreza manual (9-Hole Pegboard, mão dominante) apresentou melhora discreta, mas sem superioridade em relação ao período de restrição.
Resultados desfavoráveis em perfil lipídico e insulina
Um dos achados mais relevantes foi a redução da insulina e da resistência à insulina (HOMA-IR) durante a fase de restrição de frutas, e não durante o período de consumo recomendado. Em contrapartida, a ingestão de duas xícaras diárias resultou em níveis mais baixos de HDL-C quando comparados à restrição, o que pode ser interpretado como um efeito negativo, já que esse marcador é classicamente associado à proteção cardiovascular. Esses resultados levantam dúvidas sobre possíveis efeitos metabólicos adversos do aumento de carboidratos provenientes das frutas em curto prazo.
Impacto metabólico questionável
Embora a ingestão de fibras, vitaminas e flavonoides tenha aumentado no grupo de maior consumo de frutas, o estudo mostrou que a carga glicêmica da dieta subiu significativamente, refletindo maior ingestão absoluta de carboidratos. Assim, ainda que o índice glicêmico fosse menor, o efeito prático foi uma sobrecarga glicêmica potencialmente desfavorável para indivíduos suscetíveis.
Limitações metodológicas
O estudo também apresenta fragilidades metodológicas que reforçam a necessidade de cautela:
- Controle dietético restrito apenas à variável “fruta”, sem monitoramento detalhado de substituições alimentares em outras partes da dieta.
- Duração curta de oito semanas e dose fixa única de duas xícaras por dia, possivelmente insuficientes para observar efeitos clínicos relevantes.
- Amostra homogênea composta por adultos saudáveis de meia-idade, limitando a generalização para populações em maior risco metabólico ou cognitivo.
- Efeito de aprendizado nos testes cognitivos, confundindo os resultados.
- Diferenças basais em alguns testes, como memória de trabalho, dificultaram comparações precisas.
Conclusão
Em resumo, o ensaio não encontrou benefícios mensuráveis do consumo de duas xícaras diárias de frutas em desfechos cardiovasculares, cognitivos ou de equilíbrio. Pelo contrário, observou piora relativa em HDL-C e melhor sensibilidade à insulina no período de restrição de frutas. Esses resultados indicam que a recomendação de duas xícaras por dia, ao menos no horizonte de oito semanas e em adultos saudáveis com baixo consumo prévio, não se confirmou como eficaz em promover melhorias clínicas relevantes.
Os próprios autores reconhecem que os dados sugerem a necessidade de reavaliar a quantidade e a composição ideais de frutas nas diretrizes, bem como de realizar ensaios mais longos, com maior controle alimentar e populações mais diversas.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.cdnut.2025.107544
