O artigo publicado em 2025 na Revista Caderno Pedagógico teve como objetivo analisar, de forma ampla, como a dieta carnívora pode influenciar o metabolismo e a inflamação em pacientes com doenças autoimunes. Os pesquisadores realizaram uma revisão narrativa da literatura científica produzida entre 2010 e 2025, consultando bases como PubMed e SciELO.
A pergunta principal foi:
“Quais mudanças metabólicas acontecem em pessoas que seguem a dieta carnívora e como essas mudanças se relacionam com a melhora de sintomas inflamatórios em doenças autoimunes?”.
O que é a dieta carnívora
A dieta carnívora é caracterizada pelo consumo exclusivo ou quase exclusivo de alimentos de origem animal: carnes, ovos, frutos do mar, gorduras animais e, em alguns casos, laticínios.
São retirados totalmente da alimentação vegetais, carboidratos e fibras.
Essa forma de comer se tornou polêmica porque desafia recomendações tradicionais de saúde pública, que sempre incluíram vegetais e fibras como fundamentais para uma dieta equilibrada. Ao mesmo tempo, relatos individuais e estudos recentes levantaram a hipótese de que, para algumas pessoas com doenças autoimunes, ela poderia trazer benefícios significativos.
Principais resultados encontrados no estudo
O levantamento de dados mostrou que pacientes com doenças autoimunes que adotaram a dieta carnívora apresentaram melhora clínica em vários aspectos, o que se deve a alterações metabólicas importantes:
Aumento do β-hidroxibutirato (BHB)
- Essa molécula é um corpo cetônico produzido em estado de cetose.
- Tem efeito anti-inflamatório e modula a microbiota intestinal, estimulando bactérias benéficas como Lactobacillus.
- Reduz a atividade de células imunes ligadas à inflamação (Th17).
- Em modelos experimentais de esclerose múltipla, níveis mais altos de BHB foram associados a melhores resultados.
Redução das ceramidas
- Ceramidas são gorduras que podem aumentar a inflamação e prejudicar vasos sanguíneos.
- Com a dieta carnívora, seus níveis caem, o que diminui inflamação e risco de complicações.
- Ensaios clínicos mostraram que essa redução pode ajudar em doenças como artrite reumatoide e lúpus.
Modificação do metaboloma plasmático
- O metaboloma é o conjunto de substâncias circulando no sangue.
- Com a dieta carnívora, houve redução de metabólitos inflamatórios e aumento de compostos benéficos.
- Isso se traduziu em menor presença de citocinas como IL-6 e TNF-α, que são fortes promotores de inflamação.
Aumento do FGF-21 (fator de crescimento de fibroblastos 21)
- Esse hormônio ajuda a regular o metabolismo de energia e glicose.
- Atua reduzindo citocinas inflamatórias e melhorando a sensibilidade à insulina.
- Isso é especialmente importante em diabetes tipo 2, onde a resistência à insulina é um problema central.
Maior produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como o ácido propiônico
- Esse composto aumenta células regulatórias do sistema imune (Tregs), que funcionam como “freios” da imunidade.
- Com mais Tregs, o corpo reduz ataques contra os próprios tecidos.
- Estudos mostraram que níveis altos de ácido propiônico se associam a melhora em modelos de doenças autoimunes.
Benefícios observados nas doenças autoimunes
A revisão destacou que a dieta carnívora não cura doenças autoimunes, mas pode atuar como estratégia complementar para melhorar sintomas e qualidade de vida. Os principais benefícios relatados foram:
- Diabetes tipo 2 (DM2): melhor controle da glicose e melhora no perfil lipídico.
- Doença inflamatória intestinal (DII): redução da inflamação intestinal e alívio de sintomas.
- Artrite reumatoide (AR): menor inflamação sistêmica e melhora de dor articular.
- Tireoidite de Hashimoto: impacto positivo em mecanismos inflamatórios.
- Esclerose múltipla (EM): melhora em modelos experimentais graças ao efeito do BHB e AGCC.
- SIBO (supercrescimento bacteriano no intestino delgado): a ausência de fibras reduz a fermentação, aliviando sintomas.
Pontos negativos levantados pelo estudo
Apesar dos benefícios, os autores foram claros sobre possíveis riscos:
- Folato (vitamina B9): geralmente obtido em vegetais, mas que também pode ser encontrado em ovos e fígado. O risco de deficiência existe se não houver variedade de alimentos de origem animal.
- Vitamina C: normalmente vinda de frutas e vegetais. A dieta carnívora reduz essa fonte, mas órgãos e ovas de peixe podem suprir. Ainda assim, requer acompanhamento.
- Fibras: sua ausência pode trazer desconfortos intestinais em algumas pessoas. Por outro lado, em SIBO, a retirada de fibras pode ser benéfica.
- Limitações científicas: a revisão foi narrativa, baseada em estudos pequenos, relatos de caso e séries limitadas. Falta robustez metodológica e seguimento a longo prazo.
O que dizem outras evidências de qualidade
Para avaliar melhor os riscos e benefícios, é importante olhar além desse estudo:
- Lennerz et al., 2021 (Current Developments in Nutrition): análise com mais de 2.000 adultos carnívoros. A maioria relatou melhora de saúde e satisfação, com poucos sinais de deficiências nutricionais quando vísceras e ovos faziam parte da dieta. Limitação: estudo baseado em autorrelato.
- Norwitz & Soto-Mota, 2024 (Frontiers in Nutrition): série de casos com pacientes de doença inflamatória intestinal mostrou melhora clínica em todos, mas a amostra era pequena.
- Goedecke et al., 2025 (Nutrients): estudo de composição nutricional mostrou que, se houver diversidade de cortes de carne, fígado e ovos, a dieta pode fornecer praticamente todos os micronutrientes essenciais, incluindo folato e vitamina C. Sem essa variedade, o risco de deficiência é real.
- Thomsen et al., 2024 (American Journal of Clinical Nutrition): ensaios clínicos com diabéticos tipo 2 mostraram melhora no perfil lipídico e redução de gordura no fígado com dietas pobres em carboidratos e ricas em proteína e gordura, confirmando parte dos achados da revisão brasileira.
Conclusão geral
A revisão de 2025 mostrou que a dieta carnívora pode ser uma estratégia válida como adjuvante em doenças autoimunes, pois reduz inflamação, melhora metabolismo e alivia sintomas.
Os efeitos positivos mais consistentes são:
- aumento de corpos cetônicos anti-inflamatórios (BHB),
- menor inflamação por redução de citocinas e ceramidas,
- melhor sensibilidade à insulina,
- melhora clínica em condições como diabetes tipo 2, DII, artrite reumatoide, Hashimoto, esclerose múltipla e SIBO.
A mensagem mais importante é que a dieta carnívora não deve ser vista como cura, mas pode ser um recurso eficaz de manejo quando acompanhada por médicos e nutricionistas, com monitoramento de nutrientes e ajustes individuais.
