A hipótese de que a fibra poderia proteger contra o câncer colorretal surgiu na década de 1970, quando Denis Burkitt observou que populações africanas com dietas ricas em fibras apresentavam baixa incidência da doença. A explicação parecia lógica: a fibra diluiria possíveis carcinógenos, aceleraria o trânsito intestinal, modificaria o metabolismo dos ácidos biliares e aumentaria a produção de ácidos graxos de cadeia curta no cólon. Apesar da plausibilidade, os resultados de estudos epidemiológicos e clínicos posteriores mostraram-se inconsistentes.
Estrutura do estudo
O artigo publicado em 1999 no New England Journal of Medicine analisou dados do Nurses’ Health Study, envolvendo 88.757 mulheres entre 34 e 59 anos, acompanhadas por 16 anos. Todas estavam livres de câncer ou doenças intestinais graves no início.
A coleta de informações foi feita por meio de questionários alimentares aplicados em 1980, 1984 e 1986. Foram documentados 787 casos de câncer colorretal confirmados e, em um subgrupo de 27.530 mulheres submetidas a endoscopia, 1.012 adenomas distais. Os modelos estatísticos ajustaram variáveis como idade, tabagismo, índice de massa corporal, prática de atividade física, uso de aspirina, histórico familiar de câncer, realização de colonoscopia de rastreamento, além de consumo de carne vermelha, álcool, folato, metionina, cálcio e vitamina D.
Resultados principais
Os achados foram consistentes: não houve associação significativa entre maior ingestão de fibra e menor risco de câncer colorretal.
- O risco relativo para o maior consumo versus o menor foi 0,95 (IC95% 0,73–1,25).
- Cada aumento de 10 g de fibra por dia não alterou o risco (RR 0,99; IC95% 0,83–1,17).
Quando analisadas as fontes específicas:
- Frutas mostraram tendência levemente protetora (RR 0,86), sem significância estatística.
- Cereais não tiveram efeito relevante (RR 1,00).
- Vegetais apresentaram associação inesperada com maior risco (RR 1,35; IC95% 1,05–1,72), mas esse resultado não se repetiu no desfecho adenoma.
Na análise dos adenomas, não houve redução do risco associada à ingestão de fibra, independentemente da origem.
Subanálises
Mesmo após excluir os primeiros anos de acompanhamento, aplicar um período de latência de seis anos ou considerar apenas mulheres com ingestão estável de fibra, os resultados não se alteraram.
O estudo também avaliou subgrupos definidos por idade, índice de massa corporal, prática de exercícios, tabagismo, uso de aspirina, ingestão de gordura, carne vermelha ou álcool. Nenhuma dessas variáveis modificou de forma significativa a relação entre fibra e câncer.
Um achado pontual ocorreu entre mulheres com baixo consumo de folato: nesse grupo, a fibra proveniente de frutas mostrou associação com menor risco (RR 0,59). Contudo, esse resultado foi considerado limitado e não muda a conclusão geral.
Pontos fortes
O estudo se destaca pelo tamanho da amostra, tempo prolongado de seguimento, uso repetido de questionários validados e ajustes estatísticos abrangentes. Além disso, a mesma metodologia já havia identificado benefícios claros da fibra em outros desfechos, como redução de risco de doença coronariana, diabetes tipo 2, hipertensão e diverticulose, reforçando que a ausência de efeito sobre câncer não se deve a falhas de medição.
Limitações
Os autores ressaltam que não é possível descartar totalmente efeitos muito pequenos, impactos de consumo elevado acima de 30–35 g/dia (raros nessa população) ou influências ainda na juventude. O achado positivo para fibra de vegetais deve ser visto com cautela, já que não se reproduziu em outros desfechos.
Conclusão
O estudo conclui que não há evidência robusta de que maior ingestão de fibra alimentar reduza o risco de câncer colorretal ou adenomas. Isso não invalida os benefícios da fibra em outros contextos, especialmente na saúde cardiovascular e metabólica, mas indica que não se deve atribuir a ela, isoladamente, um papel decisivo na prevenção desse tipo de câncer.
Fonte: http://doi.org/10.1056/NEJM199901213400301
