A qualidade da proteína alimentar é um conceito que tem ganhado importância crescente, à medida que novos métodos científicos ajudam a avaliar o quão eficaz uma fonte de proteína é para suprir as necessidades humanas de aminoácidos essenciais (AAEs) e nitrogênio. Um estudo recente publicado no The Journal of Nutrition aprofunda essa questão, explorando as limitações dos métodos tradicionais e oferecendo recomendações práticas para melhorar a qualidade da proteína nas dietas contemporâneas.
O que é qualidade da proteína?
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) define qualidade da proteína como a capacidade de um alimento suprir as exigências metabólicas humanas em termos de AAEs e nitrogênio. Essa avaliação depende de três fatores principais:
- Exigências humanas de AAEs
- Composição de AAEs da fonte alimentar
- Biodisponibilidade dos AAEs consumidos
Em populações vulneráveis, como em países de baixa e média renda, a má qualidade proteica contribui para desnutrição e retardo no crescimento infantil. Em países desenvolvidos, mesmo com consumo proteico aparentemente adequado, há evidências de que muitos adultos (especialmente idosos) não atingem a ingestão mínima de AAEs quando se considera a digestibilidade e a utilização metabólica real dessas proteínas.
Métodos para avaliar a qualidade da proteína
Historicamente, indicadores como o Protein Digestibility Corrected Amino Acid Score (PDCAAS) foram usados para medir a qualidade proteica, mas este método apresenta limitações:
- Subestima a digestibilidade ao utilizar dados de digestão fecal em vez de ileal (intestino delgado)
- Trunca os valores máximos em 100%, não permitindo distinguir alimentos que superam os requisitos de AAEs
Para superar essas limitações, o Digestible Indispensable Amino Acid Score (DIAAS) foi proposto. O DIAAS:
- Avalia a digestão no íleo, antes de perdas colônicas
- Considera a digestibilidade individual de cada AAE
- Permite valores acima de 100%, distinguindo proteínas superiores
No entanto, tanto PDCAAS quanto DIAAS não medem diretamente a atividade metabólica dos aminoácidos ingeridos, como sua real utilização para síntese proteica corporal. Métodos mais avançados, como rastreadores de isótopos estáveis (por exemplo, o método de oxidação de aminoácido indicador – IAAO) têm sido utilizados para entender a verdadeira biodisponibilidade e utilização metabólica das proteínas consumidas.
Fatores que afetam a qualidade da proteína
O estudo destaca que a qualidade da proteína não é fixa e pode variar de acordo com diversos fatores:
- Origem da proteína: Proteínas de origem animal tendem a ter maior densidade de AAEs e digestibilidade (≥90%) em comparação com proteínas vegetais, que podem ter menor digestibilidade devido a fatores antinutricionais como fitatos e fibras.
- Processamento e cocção: Processos como fermentação, remoção de cascas e cocção moderada podem melhorar a digestibilidade das proteínas vegetais. Por outro lado, altas temperaturas e armazenamento prolongado podem prejudicar a qualidade, promovendo reações como a glicação de lisina, que a torna indisponível metabolicamente.
- Matriz alimentar: O contexto físico-químico em que a proteína está inserida (exemplo: estrutura fibrosa de vegetais) afeta sua liberação e digestão.
- Efeito da mastigação e idade: Em idosos, a redução da eficiência mastigatória e da digestão afeta a biodisponibilidade proteica. Carnes moídas, por exemplo, apresentam melhor aproveitamento do que bifes inteiros nesses casos.
Recomendações práticas
O estudo propõe medidas práticas para otimizar a qualidade proteica em dietas:
- Valorizar alimentos com alta densidade de AAEs por caloria
- Usar métodos de processamento caseiro que reduzam antinutrientes, como germinação e fermentação
- Escolher cortes de carnes mais fáceis de mastigar ou alimentos com menor tamanho de partícula (ex.: carne moída)
- Incluir fontes de leucina, aminoácido que estimula fortemente a síntese de proteínas musculares
- Combinar proteínas complementares, como leguminosas e cereais, para suprir deficiências de AAEs em dietas vegetarianas e veganas
Além disso, o estudo sugere que dietas com predominância de proteínas vegetais podem exigir até 30% mais proteína total para compensar a menor qualidade relativa dessas fontes, particularmente em idosos ou em pessoas com menor ingestão calórica.
Considerações sobre o contexto da dieta
O artigo lembra que a qualidade da proteína é apenas um dos muitos fatores a considerar na saúde nutricional. Enquanto alimentos de origem animal trazem proteínas de alta qualidade, também fornecem outros nutrientes importantes, como ferro e vitaminas do complexo B. Alimentos vegetais oferecem fibras e fitoquímicos benéficos, mas podem precisar de processamento e combinações inteligentes para otimizar sua qualidade proteica.
O estudo destaca ainda a necessidade de abordagens dietéticas personalizadas, considerando características fisiológicas individuais (como idade e estado de saúde) e contextos culturais e econômicos, principalmente em países onde há insegurança alimentar.
