A relação entre dieta e doenças inflamatórias crônicas sempre despertou interesse na pesquisa clínica. Entre essas condições, a psoríase, caracterizada por inflamação crônica e hiperproliferação da pele, frequentemente aparece associada a alterações no metabolismo lipídico. Diante desse cenário, um estudo recente publicado no periódico Frontiers in Nutrition trouxe novas evidências sobre a possível influência causal dos ácidos graxos insaturados sobre o risco de psoríase, utilizando a robusta metodologia da randomização mendeliana.
Contexto e objetivos
Estudos observacionais vinham sugerindo ligações entre consumo de ácidos graxos poli-insaturados (PUFA), monoinsaturados (MUFA) e psoríase, mas tais associações eram limitadas por vieses de causalidade reversa e fatores de confusão. O objetivo desta pesquisa foi esclarecer se existe uma relação causal entre diferentes tipos de ácidos graxos — especificamente os ácidos graxos ômega-3, ômega-6 e MUFA — e o risco de desenvolver psoríase, baseando-se em dados genéticos.
Metodologia
O estudo utilizou dados de grandes bases genômicas europeias (GWAS), com informações sobre níveis circulantes de PUFA e MUFA em dezenas de milhares de indivíduos e dados de casos-controle para psoríase. A abordagem da randomização mendeliana permitiu simular um cenário de “ensaio clínico natural”, no qual variantes genéticas que influenciam os níveis desses ácidos graxos foram usadas como variáveis instrumentais para inferir causalidade.
Diversas análises estatísticas foram aplicadas, incluindo o método principal de variância inversa ponderada (IVW) e outras abordagens complementares, além de testes de heterogeneidade e pleiotropia para avaliar a consistência e robustez dos achados.
Resultados principais
A análise revelou que:
- Não houve evidência de efeito causal entre ácidos graxos ômega-3 e psoríase (p=0,334; OR 0,909; IC95% 0,748–1,104), sugerindo que a variabilidade genética que eleva os níveis de ômega-3 não altera significativamente o risco da doença.
- Foi identificada uma associação causal positiva entre ácidos graxos ômega-6 e psoríase (p=0,046; OR 1,174; IC95% 1,003–1,374), indicando que maior exposição a esses lipídios está associada a maior risco da doença.
- Os níveis circulantes de MUFA também mostraram associação causal com a psoríase (p=0,032; OR 1,218; IC95% 1,018–1,457), contrariando algumas evidências anteriores que sugeriam efeito protetor dos MUFA.
Importante destacar que as análises não encontraram indícios de que a psoríase, por si só, leve a alterações nos níveis desses ácidos graxos, reforçando o sentido da relação causal identificada.
Discussão e interpretação
Os autores observam que a literatura científica vinha considerando os ácidos graxos ômega-3 como potencialmente benéficos devido às suas propriedades anti-inflamatórias. Entretanto, a ausência de efeito causal direto neste estudo sugere que outros fatores modulam essa relação. No caso dos ácidos graxos ômega-6 e MUFA, os dados apontam para um papel pró-inflamatório mais relevante, alinhado a observações clínicas de níveis elevados desses lipídios no sangue e na pele de pacientes com psoríase.
Além disso, o estudo reforça que reduções nos níveis circulantes de ácidos graxos ômega-6 e MUFA poderiam ter impacto positivo no manejo da psoríase, oferecendo um caminho potencial para intervenções dietéticas personalizadas.
Limitações
Os próprios autores destacam limitações importantes: os dados utilizados foram derivados de populações europeias, limitando a generalização para outros grupos étnicos. Além disso, as medidas avaliadas referem-se a concentrações séricas, que nem sempre refletem diretamente a ingestão dietética, o que reforça a necessidade de novos estudos que integrem intervenções nutricionais e medições diretas de dieta.
Considerações para a alimentação
Embora o estudo não forneça recomendações práticas diretas, seus achados apoiam a ideia de que modificações na ingestão de ácidos graxos insaturados, em especial com redução de fontes alimentares ricas em ômega-6 e MUFA, poderiam beneficiar pessoas com psoríase. Fontes comuns de ácidos graxos ômega-6 incluem óleos vegetais como soja, milho e girassol, enquanto MUFA são abundantes no azeite de oliva e em algumas oleaginosas. O equilíbrio e a moderação no consumo desses alimentos devem ser avaliados no contexto individual e sob orientação de profissionais de saúde.
Conclusão
Este estudo robusto, baseado em randomização mendeliana, reforça que os ácidos graxos ômega-6 e MUFA podem ter papel causal no desenvolvimento da psoríase, enquanto os ácidos graxos ômega-3 não mostraram efeito direto. Os resultados abrem caminho para a formulação de estratégias dietéticas mais fundamentadas para auxiliar no manejo dessa condição inflamatória, sempre considerando as limitações e a necessidade de estudos adicionais em populações diversas.
