1. Por que o sulforafano chama tanta atenção
Ao longo dos últimos anos, o sulforafano deixou de ser apenas “uma substância do brócolis” para se tornar um dos fitoquímicos mais estudados na biologia do estresse oxidativo, da inflamação e do envelhecimento.
Uma revisão em Pharmacological Research descreve o sulforafano como um agente fitoprotetor capaz de prevenir ou atenuar, em modelos experimentais, uma série de doenças inflamatórias e degenerativas por meio de hormese mediada por NRF2, isto é, uma resposta adaptativa desencadeada por uma pequena “agressão química” controlada (Calabrese & Kozumbo, 2021).
Em outro trabalho, o mesmo grupo propõe que muitas respostas horméticas – incluindo as induzidas por exercício, restrição calórica e fitoquímicos – compartilham um mecanismo comum: ativação de NRF2, um fator de transcrição central na defesa antioxidante e anti-inflamatória do organismo (Calabrese, 2021).
Diante disso, o brócolis, especialmente na forma de brotos, passou a ser visto como uma fonte dietética de um composto potencialmente poderoso. A questão prática, porém, continua em aberto: até que ponto comer vegetais ricos em sulforafano realmente muda a saúde em longo prazo? E existem outras formas, talvez mais eficazes, de ativar os mesmos mecanismos internos de defesa?
2. O que é o sulforafano e como ele aparece no prato
O sulforafano é um isotiocianato formado a partir da glucorafanina, um glicosinolato típico de vegetais da família Brassicaceae (brócolis, couve-flor, repolho, couve-de-Bruxelas, entre outros).
Na planta, glucorafanina e mirosinase ficam separadas em compartimentos diferentes. Quando o vegetal é mastigado, picado ou triturado, a mirosinase entra em contato com a glucorafanina e gera sulforafano.
Estudos em humanos com microverdes e brotos de brócolis mostram que essas formas jovens concentram teores de glucorafanina comparáveis aos dos brotos tradicionais e que o sulforafano gerado é estável o suficiente para ser consumido em preparações frescas (Bouranis et al., 2023).
Em um ensaio com voluntários saudáveis, uma única porção de microverdes de brócolis produziu perfis urinários de metabólitos de sulforafano semelhantes aos já descritos com brotos, confirmando a biodisponibilidade do composto a partir de alimentos (Bouranis et al., 2023).
3. Como o sulforafano ativa NRF2 e o papel da hormese
Dentro da célula, o sulforafano atua como um eletrofilo reativo: ele se liga a grupos sulfidrilas de cisteína em proteínas sensoras, principalmente na proteína KEAP1.
Em condições normais, KEAP1 marca NRF2 para degradação rápida. Quando cisteínas críticas de KEAP1 são modificadas por compostos como o sulforafano, esse “freio” é parcialmente liberado: NRF2 se acumula, migra para o núcleo e passa a ativar genes que aumentam a capacidade antioxidante, de detoxificação e de regulação inflamatória da célula (Calabrese & Kozumbo, 2021).
Um segundo artigo de Calabrese descreve esse comportamento como um exemplo de curva hormética:
- em baixas doses, o sulforafano aciona um programa de defesa que deixa a célula mais resistente;
- em doses altas, o mesmo composto pode tornar-se pró-oxidante e até citotóxico (Calabrese, 2021).
Em linguagem simples, trata-se de um “veneno em baixa dose” que, em vez de destruir, treina o organismo a responder melhor a agressões futuras.
4. O que os modelos experimentais mostram
No ambiente controlado de laboratório, a evidência é robusta. A revisão de Calabrese e Kozumbo compila estudos em que o sulforafano reduziu a ocorrência ou a gravidade de:
- modelos de doença de Parkinson e doença de Alzheimer;
- AVC isquêmico experimental;
- lesões oculares associadas à idade;
- nefropatia induzida por agentes químicos;
- outras condições inflamatórias e degenerativas (Calabrese & Kozumbo, 2021).
Em diversos desses modelos, os efeitos protetores foram atribuídos à ativação de NRF2 e ao aumento de enzimas antioxidantes e de detoxificação. Em paralelo, uma revisão mais ampla sobre NRF2 destaca que esse fator de transcrição é central na proteção mitocondrial e na preservação do metabolismo energético após lesão tecidual (Chen, 2022).
Esses dados sustentam a ideia de que, no nível celular e em animais, o sulforafano funciona como um gatilho consistente de respostas de defesa.
5. O que já foi observado em humanos
5.1. Biodisponibilidade a partir de alimentos
O estudo com microverdes de brócolis em adultos saudáveis mostrou que uma porção única é suficiente para gerar metabólitos de sulforafano na urina e nas fezes, com conteúdo de glucorafanina semelhante ao de brotos tradicionais (Bouranis et al., 2023).
Esse tipo de resultado confirma que o organismo absorve e metaboliza sulforafano a partir de vegetais, embora exista grande variação individual – influenciada, por exemplo, pela microbiota intestinal.
5.2. Efeito de brotos de brócolis sobre pressão e metabolismo
Uma revisão sistemática e meta-análise de dez ensaios clínicos avaliou o impacto de brotos de brócolis ricos em sulforafano em indicadores cardiometabólicos. O trabalho encontrou:
- redução significativa da pressão arterial sistólica (cerca de –10,9 mmHg) e da pressão diastólica (cerca de –6,95 mmHg);
- mudanças discretas em lipídios sanguíneos;
- evidência global de efeito hipotensor, com necessidade de estudos maiores para outros desfechos (Houshialsadat et al., 2022).
Ensaios clínicos específicos em pessoas com diabetes tipo 2 mostraram que pó de broto de brócolis, rico em sulforafano, pode melhorar a resistência à insulina e reduzir marcadores inflamatórios, como proteína C reativa de alta sensibilidade e interleucinas, em comparação a placebo em algumas semanas de intervenção (Bahadoran et al., 2012).
Uma revisão de estudos clínicos com brotos de brócolis em diferentes contextos (síndrome metabólica, infecção por H. pylori, exercícios intensos, entre outros) sintetiza que a maioria dos trabalhos aponta benefícios modestos, mas consistentes, em marcadores inflamatórios e oxidativos, ainda que com grande heterogeneidade de protocolos e doses (Fahey et al., 2021).
Em resumo:
- há um sinal positivo em pressão arterial e alguns marcadores metabólicos;
- os estudos são relativamente pequenos e de curto prazo;
- ainda não existem ensaios de grande porte mostrando redução clara de infarto, AVC ou mortalidade apenas pelo consumo de sulforafano dietético.
6. Efeitos negativos e limites do consumo de vegetais ricos em sulforafano
6.1. Desconforto gastrointestinal
O efeito adverso mais comum relatado em estudos com crucíferas e com brotos de brócolis é desconforto gastrointestinal: gases, distensão abdominal, náuseas ou “peso” no estômago. Isso reflete, sobretudo, a fermentação de fibras e de compostos sulfurados, e costuma ser dose-dependente e transitório, com melhora quando a quantidade ou a forma de preparo são ajustadas (Fahey et al., 2021).
6.2. Tireoide e goitrogênicos
Crucíferas contêm compostos goitrogênicos que podem interferir com a captação de iodo pela glândula tireoide. Uma revisão sistemática recente analisou o impacto de vegetais do gênero Brassica sobre a função tireoidiana e concluiu que o consumo habitual desses vegetais, em dietas com oferta adequada de iodo, não mostrou efeito adverso relevante na tireoide (Galanty et al., 2024).
Por outro lado, revisões sobre fatores dietéticos em distúrbios da tireoide alertam que ingestão muito elevada de crucíferas cruas, combinada com deficiência de iodo, pode contribuir para redução na produção hormonal em pessoas suscetíveis (Babiker et al., 2020).
Na prática:
- para quem tem ingestão adequada de iodo e consome crucíferas em quantidades moderadas, esses vegetais tendem a ser seguros;
- em situações de deficiência de iodo, doença tireoidiana prévia ou uso exagerado de brotos crus ricos em glucosinolatos, é prudente avaliar caso a caso com o profissional de saúde.
6.3. Altas doses de sulforafano isolado e contexto de câncer
Em modelos celulares, o sulforafano apresenta uma curva bifásica:
- doses baixas podem favorecer sobrevivência celular, inclusive em algumas linhagens tumorais;
- doses mais altas podem induzir morte celular e agir como agente antitumoral.
Calabrese e Kozumbo destacam que, em múltiplas linhagens de células de câncer, concentrações baixas de sulforafano aumentaram a viabilidade, enquanto níveis mais altos foram citotóxicos (Calabrese & Kozumbo, 2021).
Isso não significa que comer brócolis cause progressão de câncer, mas indica que o uso de suplementos concentrados de sulforafano em contexto oncológico deve ser avaliado com cautela, pois a via NRF2 pode tanto proteger células normais quanto aumentar a resistência de algumas células tumorais a estresses e tratamentos.
7. Outras formas de ativar NRF2 e defesas internas
A via NRF2 não depende apenas do sulforafano. Diversos estímulos ligados ao estilo de vida também ativam esse sistema ou redes relacionadas.
7.1. Exercício físico
Uma revisão sobre os efeitos potenciais de NRF2 em intervenções com exercício argumenta que a atividade física adequada funciona como um antioxidante endógeno, ativando NRF2 e reduzindo danos associados ao estresse oxidativo (Chen et al., 2022).
Outro trabalho mostra que NRF2 é indispensável para melhorar a função mitocondrial em músculo esquelético envelhecido durante programas de exercício prolongado (Yan et al., 2022).
Além disso, há ampla evidência, em coortes e ensaios clínicos, de que o exercício regular reduz mortalidade, risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e outras condições crônicas. Nesse caso, a força do conjunto de dados é muito maior do que a disponível para qualquer fitoquímico isolado.
7.2. Restrição energética e jejum
Uma revisão sobre modulação da via NRF2/ARE por restrição de energia dietética destaca que reduzir calorias sem desnutrição, ou adotar protocolos de restrição intermitente, ativa NRF2 e aumenta a resistência a estresses metabólicos e oxidativos em modelos neurológicos (Vasconcelos et al., 2019).
Revisões mais amplas sobre restrição calórica e jejum intermitente mostram benefícios consistentes em controle glicêmico, pressão arterial, marcadores inflamatórios e risco cardiometabólico, em parte atribuídos a mecanismos horméticos semelhantes aos acionados por fitoquímicos, incluindo NRF2 (Mattson, 2007).
7.3. Outros estímulos horméticos
Uma revisão recente sobre práticas tradicionais e ativação de NRF2 discute como hipóxia moderada, exposição controlada ao calor ou frio e outras formas de estresse físico leve podem acionar respostas adaptativas semelhantes às do exercício, com participação de NRF2 e de outros fatores como HIF-1α, NF-κB, PGC-1α e sirtuínas (Kolb, 2025).
Embora muitos desses dados ainda sejam experimentais ou de estudos pequenos, o padrão é claro: quando o corpo é exposto a estresses moderados, intermitentes e bem dosados, tende a reforçar suas defesas internas, e NRF2 é uma peça central desse processo.
8. Comparando o peso relativo das estratégias
Colocando tudo lado a lado:
Brócolis e brotos de brócolis (sulforafano)
- Evidência experimental forte de hormese mediada por NRF2;
- Ensaios clínicos e meta-análises mostrando melhoras modestas em pressão arterial e alguns marcadores metabólicos;
- Ausência, por enquanto, de grandes estudos de desfecho clínico (infarto, AVC, mortalidade) atribuídos especificamente ao sulforafano dietético.
- Exercício físico regular
- Evidência robusta de redução de mortalidade e de múltiplas doenças crônicas;
- Ativação de NRF2 documentada, além de muitas outras vias benéficas;
- Ganhos diretos em capacidade funcional, força e qualidade de vida.
- Restrição energética moderada, sono adequado e manejo de estresse
- Dados consistentes de melhora de saúde metabólica e inflamatória, com suporte crescente de mecanismos ligados à hormese e a NRF2.
Diante dessas comparações, a leitura mais equilibrada é:
o sulforafano é um aliado interessante, mas não é o principal protagonista.
Vegetais crucíferos podem somar no conjunto de escolhas saudáveis, mas o impacto global da saúde depende muito mais de hábitos como movimento regular, equilíbrio energético, sono e controle do estresse.
9. Síntese
Com base nas evidências disponíveis, pode-se dizer que:
- o sulforafano é um composto real, bem estudado, que ativa mecanismos de defesa celular por meio de hormese mediada por NRF2;
- brócolis, brotos e microverdes são fontes alimentares eficazes desse composto, com estudos em humanos mostrando melhorias modestas em pressão arterial e alguns marcadores metabólicos;
- os efeitos adversos são, em geral, digestivos e leves; preocupações com tireoide aparecem principalmente em contextos de deficiência de iodo e consumo exagerado de crucíferas cruas;
- o uso de doses concentradas em suplementos, especialmente em contexto de câncer ou polifarmácia, exige cautela;
- outras estratégias – como exercício, alimentação com controle de energia, sono adequado e estímulos físicos moderados – ativam NRF2 e muitas outras vias protetoras, com um corpo de evidência muito mais forte em termos de desfechos clínicos.
Assim, incluir crucíferas como o brócolis na rotina pode ser útil para quem consome vegetais, mas o sulforafano é apenas uma parte da história. O “pacote completo” de hábitos saudáveis continua sendo o fator decisivo para a saúde em longo prazo.
Referências
- Calabrese EJ, Kozumbo WJ. The phytoprotective agent sulforaphane prevents inflammatory degenerative diseases and age-related pathologies via Nrf2-mediated hormesis. Pharmacol Res. 2021;163:105283. https://doi.org/10.1016/j.phrs.2020.105283
- Calabrese EJ. The hormetic dose–response mechanism: Nrf2 activation. Osteopath Med Prim Care. 2021. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33667690/
- Bouranis JA et al. Sulforaphane Bioavailability in Healthy Subjects Fed a Single Serving of Fresh Broccoli Microgreens. Foods. 2023;12(20):3784. https://www.mdpi.com/2304-8158/12/20/3784
- Houshialsadat Z et al. Beneficial Effects of Sulforaphane-Yielding Broccoli Sprout on Cardiometabolic Health: A Systematic Review and Meta-Analysis. Jundishapur J Nat Pharm Prod. 2022;17(4):e129402. https://doi.org/10.5812/jjnpp-129402
- Bahadoran Z et al. Effect of broccoli sprouts on insulin resistance in type 2 diabetic patients. Int J Food Sci Nutr. 2012;63(7):767–771. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22537070/
- Fahey JW et al. Clinical Studies With Broccoli Sprouts: A Comprehensive Review of the Clinical Evidence. Front Nutr. 2021;8:648788. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnut.2021.648788
- Galanty A et al. Do Brassica Vegetables Affect Thyroid Function? A Comprehensive Systematic Review. Int J Mol Sci. 2024;25(7):3988. https://www.mdpi.com/1422-0067/25/7/3988
- Chen L et al. Potential Effects of Nrf2 in Exercise Intervention of Neurotoxicity Caused by Methamphetamine Oxidative Stress. Oxid Med Cell Longev. 2022;2022:4445734. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1155/2022/4445734
- Yan X et al. Nrf2 contributes to the benefits of exercise interventions on mitochondrial function in aging skeletal muscle. Free Radic Biol Med. 2022;181:1–13. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0891584921008285
- Vasconcelos AR et al. Nrf2/ARE Pathway Modulation by Dietary Energy Regulation in Neurological Disorders. Front Pharmacol. 2019;10:33. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30778297/
- Mattson MP. Dietary factors, hormesis and health. Ageing Res Rev. 2008;7(1):43–48. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC2253665/
- Kolb H, Martin S. Traditional Health Practices May Promote Nrf2 Activation. Int J Mol Sci. 2025;26(23):11546. https://www.mdpi.com/1422-0067/26/23/11546
