Retardo da mielinização por deficiência de vitamina B12 na dieta: achados na ressonância magnética craniana


O artigo de Lövblad e colaboradores descreve um caso que funciona como verdadeiro alerta: uma menina de 14 meses e meio, filha de pais estritamente vegetarianos, desenvolveu um quadro grave de atraso do desenvolvimento e alterações cerebrais por deficiência de vitamina B12 na dieta materna, refletida no leite materno.

A vitamina B12 (cobalamina) é essencial para o funcionamento do sistema nervoso e para a formação normal do sangue. A carência prolongada pode levar à desmielinização (perda ou falha na formação da mielina, a “capa” que recobre as fibras nervosas) e à atrofia de áreas do cérebro e da medula espinhal. Esse mecanismo já era conhecido em adultos com anemia perniciosa e outros quadros de deficiência de B12, mas o caso descrito mostra o impacto dramático dessa carência em um bebê, justamente na fase em que o cérebro mais precisa de mielina.

Trata-se, portanto, de um sinal claro de risco para crianças amamentadas por mães com dieta estritamente vegetariana ou vegana sem cuidado adequado com vitamina B12.

O caso clínico: bebê pálido, “mole” e sem ganhar marcos do desenvolvimento

A criança nasceu de gestação sem intercorrências, com peso adequado ao nascer, e foi amamentada pela mãe, que seguia dieta estritamente vegetariana, com consumo muito baixo de produtos de origem animal.

Nos primeiros meses, o desenvolvimento parecia aceitável. Porém, por volta dos 6 meses, os pais começaram a notar que a menina não avançava nas etapas esperadas:

  • não progredia para sentar com firmeza;
  • movimentava-se pouco;
  • interagia pouco com o ambiente;
  • aos 14,5 meses, ainda não apresentava aquisição adequada de marcos motores e cognitivos.

Na avaliação neurológica, chamavam a atenção:

  • palidez intensa e sinais de anemia;
  • peso abaixo do esperado para a idade;
  • hipotonia generalizada (corpo “mole”, pouco tônus muscular);
  • poucos movimentos espontâneos;
  • movimentos involuntários de membros e língua;
  • reflexos muito vivos e alterações dos reflexos plantares, sugerindo comprometimento do sistema nervoso central.

Os exames de sangue mostraram anemia megaloblástica grave, com hemoglobina muito baixa e hemácias aumentadas (macrocitose), quadro típico de deficiência de B12. A dosagem sérica de vitamina B12 estava bem abaixo do limite de referência, enquanto folato e ferro estavam normais, indicando que o problema central era a falta de B12.

Esse padrão — bebê hipotônico, pálido, com atraso importante do desenvolvimento, anemia megaloblástica e níveis muito baixos de vitamina B12 — se repete em várias séries de casos de lactentes com deficiência nutricional de B12, quase sempre amamentados por mães com dieta inadequada ou estritamente vegetariana/vegana.

O que a ressonância magnética mostrou: cérebro “menor” e mielinização atrasada

A ressonância magnética (RM) de crânio revelou dois problemas principais:

  • Atrofia cerebral acentuada

    • O cérebro ocupava menos espaço dentro do crânio do que o esperado para a idade.
    • Havia aumento dos ventrículos e dos espaços com líquor, especialmente nos lobos frontais e temporais.
  • Retardo de mielinização
    • A mielina, que normalmente se forma rapidamente nos primeiros meses de vida, aparecia na RM como se a criança tivesse cerca de 4 meses, não 14,5 meses.
    • As áreas frontais e temporais — importantes para funções cognitivas, linguagem e comportamento — estavam entre as mais afetadas.

Em linguagem simples: a imagem da RM mostrava um cérebro menor e “imaduro” para a idade, com a “capa protetora” dos neurônios (mielina) atrasada, e isso estava diretamente ligado à falta prolongada de vitamina B12.

Esse tipo de achado não é isolado. Outras séries de lactentes com deficiência nutricional de B12 descrevem atrofia cerebral, afinamento do corpo caloso, aumento dos ventrículos e atraso de mielinização, muitas vezes em crianças hipotônicas e com atraso de desenvolvimento semelhantes à paciente do caso clássico.

Tratamento com B12 e recuperação: melhora importante, mas não garantida em todos

Diante do quadro clínico, laboratorial e de imagem, os autores concluíram que a principal causa era a deficiência de vitamina B12 decorrente da dieta materna estritamente vegetariana. O tratamento foi realizado com reposição de B12.

Após o início da terapia, a criança apresentou:

  • melhora do estado geral, com mais atividade e interesse pelo ambiente;
  • recuperação da anemia;
  • progresso do desenvolvimento neuropsicomotor ao longo do acompanhamento.

A RM de controle mostrou redução da atrofia e avanço da mielinização, indicando que parte das alterações cerebrais era reversível quando o déficit de B12 era corrigido ainda relativamente cedo.

Outros trabalhos com lactentes deficientes em B12 relatam melhora clínica rápida (em dias) de apatia, falta de apetite e hipotonia após a reposição, com recuperação gradual da imagem cerebral em meses. Ainda assim, há estudos mostrando que, quando o diagnóstico é tardio, podem permanecer déficits neurológicos e cognitivos apesar do tratamento, o que reforça o caráter de urgência desse tipo de quadro.

Por que este caso é um alerta para famílias vegetarianas/veganas

O caso descrito por Lövblad et al. não é uma curiosidade isolada. Diversos estudos relatam lactentes com atraso de desenvolvimento, hipotonia, falha de crescimento, tremores, crises convulsivas e atrofia cerebral associados à deficiência nutricional de B12, muitas vezes em crianças amamentadas por mães vegetarianas ou veganas, ou por mães com grave desnutrição.

Em países desenvolvidos, a deficiência de B12 em bebês costuma surgir exatamente nesse contexto: crianças amamentadas exclusivamente por mães com dieta estritamente vegetariana, com reservas hepáticas de B12 muito baixas.

A mensagem é direta:

  • Bebês dependem totalmente do estado nutricional da mãe para vitamina B12.
  • Dietas que excluem alimentos de origem animal sem suplementação adequada podem levar, em poucos meses, a lesões cerebrais potencialmente graves.

Ignorar esse risco, acreditar que “amamentação exclusiva garante tudo” em qualquer tipo de dieta, ou tratar a vitamina B12 como detalhe opcional, é colocar o desenvolvimento neurológico da criança em perigo real.

Sinais de alerta em bebês que não podem ser subestimados

Com base neste caso e em séries de lactentes com deficiência de B12, alguns sinais merecem atenção imediata:

  • bebê muito quieto, pouco responsivo, que perde interesse pelo ambiente;
  • atraso claro em sentar, rolar, sustentar a cabeça ou falar, em comparação à faixa etária;
  • corpo “mole” (hipotonia), com dificuldade para manter postura;
  • tremores, movimentos involuntários ou crises convulsivas;
  • palidez intensa, apatia, falta de apetite;
  • falha de crescimento (baixo ganho de peso e estatura);
  • histórico de mãe com dieta estritamente vegetariana ou vegana, ou alimentação muito pobre em produtos de origem animal durante gestação e lactação.

Quando esse conjunto aparece, especialmente em combinação com vegetarianismo/veganismo materno, a deficiência de vitamina B12 precisa ser considerada e investigada sem demora. O atraso no diagnóstico aumenta o risco de danos neurológicos permanentes.

Mensagem final: vitamina B12 não é detalhe, é proteção do cérebro em formação

O caso clássico de “Retardation of myelination due to dietary vitamin B12 deficiency: cranial MRI findings” mostra, com imagens e evolução clínica, o que a deficiência de B12 pode fazer com o cérebro de um bebê em plena fase de crescimento e mielinização.

Os principais pontos de alerta, sustentados pelas evidências disponíveis, são:

  • A vitamina B12 é crítica para a formação de mielina, especialmente nos primeiros meses de vida.
  • A falta de B12 na dieta materna, em contextos de vegetarianismo/veganismo sem suplementação adequada, pode levar a atraso grave do desenvolvimento, anemia megaloblástica e atrofia cerebral em lactentes.
  • Parte das alterações é reversível com tratamento precoce, mas atrasos no diagnóstico estão ligados a risco de sequelas persistentes.
  • Bebês com atraso de desenvolvimento, hipotonia e sinais de anemia, especialmente quando filhos de mães com dietas restritivas em alimentos de origem animal, devem ter a deficiência de B12 considerada e investigada de forma prioritária.

Vitamina B12, nesse contexto, não é um detalhe bioquímico: é um fator decisivo para proteger a mielina e, portanto, o desenvolvimento neurológico de crianças em uma fase crítica e irrepetível da vida.

Fonte: https://doi.org/10.1007/s002470050090

*Leia completo na newsletter

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: