Comparação entre o consumo de carne vermelha com e sem gordura visível e associações com mudanças prospectivas em fatores de risco cardiometabólico


Este texto apresenta os principais resultados de um estudo brasileiro publicado na revista Nutrition Research, que investigou se o consumo de carne vermelha — especialmente o hábito de comer ou remover a gordura visível da carne — está associado a mudanças em fatores de risco cardiometabólico ao longo do tempo em adultos com 40 anos ou mais.

Desenho do estudo e população analisada

O estudo utilizou dados de um seguimento de moradores de Cambé, no Paraná, Brasil. A investigação incluiu inicialmente 1180 participantes com idade entre 40 e 89 anos. Após aproximadamente quatro anos, 884 pessoas retornaram para nova avaliação, compondo a amostra final analisada.

Trata-se de um estudo observacional de coorte, ou seja, os participantes foram acompanhados ao longo do tempo, com comparações entre grupos definidos pelos seus hábitos alimentares. Esse tipo de estudo permite identificar associações, mas não permite afirmar com certeza que um hábito seja a causa direta das mudanças observadas.

Entre os 884 participantes acompanhados até o fim:

  • cerca de 56% eram mulheres;
  • a idade média era em torno de 54 anos;
  • a maioria era fisicamente inativa (cerca de 70%);
  • aproximadamente metade consumia vegetais todos os dias e pouco mais de um terço consumia frutas diariamente.

Como o consumo de carne foi avaliado

Os autores avaliaram dois aspectos principais:

1. Frequência de consumo de carne vermelha

Os participantes informaram quantos dias por semana consumiam carne vermelha, em categorias como:

  • nunca ou quase nunca;
  • 1–2 dias por semana;
  • 3–4 dias por semana;
  • 5–6 dias por semana;
  • todos os dias.

Para as análises principais, a comparação foi feita entre:

  • quem não consumia carne vermelha diariamente;
  • quem consumia carne vermelha todos os dias.

Aproximadamente 25% dos participantes relataram comer carne vermelha diariamente.

2. Consumo da gordura visível da carne

Entre os consumidores de carne vermelha, foi perguntado se a pessoa:

  • costumava remover a gordura visível da carne;
  • comia a carne com a gordura;
  • ou evitava carnes muito gordas.

Na prática, os autores compararam:

  • pessoas que removiam a gordura visível ou escolhiam cortes mais magros;
  • pessoas que consumiam a gordura visível da carne de forma habitual.

Cerca de 36,5% relataram comer a gordura visível da carne com frequência.

É importante destacar que o estudo não mediu:

  • o tamanho das porções de carne;
  • a quantidade total de calorias;
  • o tipo de corte (mais magro ou mais gordo, processado ou não processado);
  • o modo de preparo (frita, assada, cozida etc.);
  • a composição detalhada da dieta (carboidratos, açúcares, óleos vegetais, ultraprocessados, sal, entre outros).

Quais marcadores de saúde foram acompanhados?

Os participantes foram avaliados em dois momentos: na linha de base (2011) e após cerca de quatro anos (2015). Em ambos os momentos, foram medidos:

  • Índice de massa corporal (IMC) – relação entre peso e altura;
  • Circunferência da cintura – indicador indireto de gordura abdominal;
  • Pressão arterial sistólica e diastólica, além da pressão de pulso;
  • Colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol e triglicerídeos;
  • Razão colesterol total/HDL-colesterol.

Os modelos estatísticos foram ajustados para diversos fatores que podem influenciar esses resultados, como idade, sexo, escolaridade, renda, tabagismo, consumo de álcool, nível de atividade física, consumo diário de frutas e outros vegetais e IMC no início do estudo.

Principais resultados: frequência diária de carne vermelha

Ao comparar pessoas que comiam carne vermelha todos os dias com aquelas que não consumiam diariamente, os autores não encontraram associações significativas entre o consumo diário de carne e piora dos marcadores avaliados ao longo de cerca de quatro anos.

Não houve diferença relevante entre os grupos nas mudanças de:

  • IMC;
  • circunferência da cintura;
  • pressão arterial (sistólica, diastólica e pressão de pulso);
  • colesterol total;
  • LDL-colesterol;
  • HDL-colesterol;
  • triglicerídeos;
  • razão colesterol total/HDL-colesterol.

Em termos práticos, dentro das limitações do estudo, o fato de comer carne vermelha diariamente não se associou à piora dos principais fatores de risco cardiometabólico medidos nessa população de adultos brasileiros.

Resultados positivos adicionais: pressão arterial e perfil lipídico

Ao avaliar a evolução dos marcadores ao longo do tempo, observou-se que:

  • a pressão arterial (sistólica e diastólica) mostrou tendência de redução em ambos os grupos, tanto entre os que consumiam carne vermelha diariamente quanto entre os que não consumiam todos os dias;
  • o perfil lipídico (colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol, triglicerídeos e razão colesterol total/HDL-colesterol) se manteve globalmente estável, sem piora associada de forma consistente ao consumo diário de carne vermelha.

Esses resultados indicam que, no contexto deste estudo, o consumo diário de carne vermelha não impediu a melhora da pressão arterial observada ao longo do seguimento e não foi ligado a deterioração clara do perfil de gorduras no sangue.

Consumo da gordura visível da carne: o que foi observado

Quando os autores compararam pessoas que comiam a gordura visível da carne com aquelas que removiam a gordura ou escolhiam cortes mais magros, foram observados alguns pontos:

  • houve aumento da circunferência da cintura em ambos os grupos ao longo do tempo;
  • porém, o grupo que comia a gordura visível apresentou um aumento adicional médio de aproximadamente 1,3 cm na cintura em comparação com quem removia a gordura;
  • ao mesmo tempo, nesse grupo que comia a gordura visível, o HDL-colesterol apresentou uma redução modesta em relação ao grupo que removia a gordura;
  • colesterol total, LDL-colesterol e triglicerídeos não apresentaram piora clara associada especificamente ao consumo da gordura visível, e em algumas análises houve pequenas reduções ao longo do tempo dentro do próprio grupo.

Esses resultados mostram que, embora tenha havido um aumento ligeiramente maior da cintura e uma pequena queda de HDL-colesterol no grupo que consumia a gordura visível, não foi observado um padrão consistente de piora importante em todos os marcadores lipídicos.

Limitações importantes do estudo

Os autores destacam várias limitações que precisam ser consideradas antes de transformar esses achados em recomendações práticas:

  • Estudo observacional

    • Por ser um estudo de coorte observacional, é possível descrever associações, mas não é possível afirmar causa e efeito.
    • Não se pode garantir que as mudanças observadas sejam causadas diretamente pelo consumo de carne vermelha ou pela gordura visível.
  • Ausência de dados detalhados sobre a dieta
    • Não foram medidas as quantidades exatas de carne, o tamanho das porções ou a ingestão total de energia.
    • Não há informações sobre a distribuição de macronutrientes (carboidratos, gorduras, proteínas) nem sobre açúcares adicionados, óleos vegetais, alimentos ultraprocessados, bebidas alcoólicas e sal.
    • Por isso, não é possível afirmar, por exemplo, se o aumento da circunferência da cintura se deveu ao consumo de carboidratos, à gordura da carne ou a um conjunto de hábitos alimentares associados.
  • Tipo de carne e forma de preparo
    • O estudo não separou carne processada (como embutidos) de carne não processada.
    • Também não avaliou o método de preparo (frita, assada, cozida, grelhada etc.), que pode influenciar o teor de gordura e outros componentes relevantes.
  • Ausência de desfechos clínicos
    • Foram analisados apenas marcadores intermediários (pressão arterial, perfil lipídico, medidas antropométricas).
    • Não foram avaliados desfechos clínicos como infarto, acidente vascular cerebral ou mortalidade.

Essas limitações significam que o estudo não permite concluir que mudanças específicas, como o aumento de cintura, sejam resultado direto de um único componente da dieta, nem que determinadas escolhas (por exemplo, remover a gordura visível da carne) sejam, por si só, responsáveis por desfechos melhores ou piores.

Considerações finais e interpretação cuidadosa

De forma sintética, os principais pontos observados neste estudo são:

  • o consumo diário de carne vermelha não se associou à piora de IMC, circunferência da cintura, pressão arterial, colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol, triglicerídeos ou razão colesterol total/HDL-colesterol ao longo de cerca de quatro anos;
  • houve redução da pressão arterial ao longo do tempo em todos os grupos, o que indica que o consumo de carne vermelha, dentro do contexto global de estilo de vida dessas pessoas, não impediu essa melhora;
  • o perfil lipídico permaneceu estável, sem piora significativa associada ao consumo diário de carne vermelha;
  • entre aqueles que consumiam a gordura visível da carne, não foi observada piora clara de colesterol total, LDL-colesterol e triglicerídeos, embora tenha ocorrido um aumento um pouco maior da cintura e uma pequena redução de HDL-colesterol em comparação com quem removia a gordura.

Ao mesmo tempo, é fundamental reforçar que:

  • por se tratar de um estudo observacional, as associações encontradas não podem ser interpretadas como prova de causalidade;
  • o trecho que sugere possível vantagem em reduzir ou remover a gordura visível da carne deve ser visto apenas como um sinal exploratório, porque faltaram informações essenciais sobre a composição completa da dieta, a quantidade exata de carne, o tipo de corte, o grau de processamento e o modo de preparo;
  • portanto, não é adequado utilizar este estudo, isoladamente, como base confiável para afirmar que remover a gordura visível da carne seja, por si só, uma estratégia superior, nem para atribuir o aumento da circunferência da cintura a um componente específico da alimentação brasileira, como o consumo de carboidratos.

Em resumo, dentro das limitações descritas, este estudo indica que, nessa amostra de adultos brasileiros com 40 anos ou mais, o consumo diário de carne vermelha não se associou à piora dos principais fatores de risco cardiometabólico avaliados em um seguimento de aproximadamente quatro anos, e que as relações com a gordura visível da carne devem ser interpretadas com cautela e vistas como ponto de partida para novas pesquisas, e não como evidência definitiva.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.nutres.2025.11.001

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: