Comer dentro dos limites planetários: uma análise internacional do iodo na dieta EAT-Lancet


1. Por que este estudo acende um sinal de alerta

O estudo analisou se a dieta de referência da Comissão EAT-Lancet — um padrão alimentar amplamente divulgado como “saudável e sustentável” — realmente oferece iodo suficiente para a população adulta e para gestantes em 16 países.

O iodo é essencial para a produção de hormônios da tireoide, que regulam crescimento, desenvolvimento cerebral e metabolismo. A deficiência pode causar bócio, hipotireoidismo e prejuízo cognitivo, sendo considerada a principal causa evitável de deficiência intelectual no mundo.

Ao calcular o iodo fornecido pela dieta EAT-Lancet em três cenários (dieta original, dieta adaptada aos alimentos de cada país e versão vegana), os autores mostram que, na prática, essa dieta tende a ser insuficiente em iodo na maior parte dos contextos avaliados, especialmente para gestantes e populações em países sem políticas robustas de fortificação.

2. Adultos: ingestão de iodo frequentemente abaixo do recomendado

No cenário em que a dieta EAT-Lancet é seguida exatamente como descrita, o iodo diário variou de 42 µg/dia (Nova Zelândia) a 129 µg/dia (Reino Unido), o que corresponde a apenas 28–85% da recomendação para adultos, fixada em 150 µg/dia por organismos como OMS, National Academy of Medicine (EUA) e EFSA.

Mesmo quando a dieta foi “adaptada” para incluir uma variedade maior de alimentos dentro de cada grupo (cenário que se aproxima mais da alimentação real dos países), a ingestão média de iodo foi de 105 µg/dia, ou cerca de 70% da recomendação para adultos, com valores tão baixos quanto 48 µg/dia em alguns países.

Em outras palavras, em muitos países, um adulto que seguisse a dieta EAT-Lancet tal como proposta teria grande chance de consumir menos iodo do que o recomendado, ficando em situação de ingestão marginal ou insuficiente.

3. Gestantes: risco consistente de deficiência de iodo

O quadro é ainda mais preocupante na gestação. Independentemente do país, no cenário original da dieta EAT-Lancet a provisão de iodo ficou sempre abaixo da ingestão recomendada para gravidez (200–250 µg/dia), cobrindo apenas 17–64% dessa meta.

Os autores afirmam de forma explícita que, nessas condições, a dieta “colocaria indivíduos em risco de deficiência de iodo durante a gravidez”. Isso é relevante porque a deficiência de iodo na gestação e na primeira infância está associada a prejuízo do desenvolvimento cerebral e a pior desempenho cognitivo ao longo da vida.

Mesmo na versão adaptada da dieta, que em alguns países aumentou o iodo por conta de alimentos fortificados, a maioria dos cenários continuou sem atingir as recomendações para gestantes.

4. Versão vegana: risco ainda maior, especialmente sem fortificação

Quando todos os alimentos de origem animal foram removidos (versão vegana da EAT-Lancet), o risco de deficiência de iodo se intensificou:

  • Na média dos 16 países, a ingestão caiu para 48 µg/dia, cerca de 32% da recomendação para adultos, e apenas 19–24% da recomendação para gestantes.
  • Em países como Japão, Islândia e Espanha, a versão vegana da dieta forneceu apenas 6–10% da recomendação para adultos, mesmo considerando o padrão teórico da EAT-Lancet.

Os únicos países que se aproximaram da adequação de iodo na versão vegana foram Austrália e Holanda, onde o pão é produzido com sal iodado e, portanto, os grãos passaram a ser praticamente a única fonte significativa de iodo da dieta. Nesse caso, ainda assim a ingestão ficou em torno de 93% da recomendação para adultos e abaixo do recomendado para gestantes.

O estudo conclui que, sem políticas claras de fortificação (por exemplo, sal iodado ou pão com sal iodado), a adoção de padrões alimentares muito pobres em alimentos de origem animal — como versões veganas da EAT-Lancet — tende a aumentar substancialmente o risco de deficiência de iodo.

5. Dependência de poucos alimentos e de políticas de fortificação

A análise deixa claro que o suprimento de iodo na dieta EAT-Lancet depende fortemente de poucos elementos:

  • Laticínios, peixes e ovos são as principais fontes de iodo na versão original da dieta, fornecendo a maior parte do micronutriente.
  • Quando esses alimentos são reduzidos ou retirados, o iodo passa a depender quase exclusivamente de grãos integrais e produtos de panificação feitos com sal iodado, o que só ocorre em alguns países (por exemplo, Austrália, Holanda e Nova Zelândia).

Os autores destacam que, em países que não contam com políticas robustas de iodação (como uso obrigatório de sal iodado em alimentos básicos), a redução de alimentos de origem animal pode piorar significativamente o risco de insuficiência de iodo, porque as alternativas vegetais, em geral, têm baixo teor natural desse nutriente.

O estudo também lembra que, em muitos locais, o consumo de leite já vem caindo há décadas, ao mesmo tempo em que cresce o uso de bebidas vegetais, que em várias análises apresentam teores muito inferiores de iodo. Isso sugere que a ingestão populacional de iodo a partir de laticínios já está caindo, independentemente das propostas de dietas sustentáveis, o que pode somar risco sobre risco.

6. Populações vulneráveis: crianças e adolescentes

Embora os cálculos do estudo se concentrem em adultos, os autores chamam atenção para o impacto potencial em outras faixas etárias. Crianças e adolescentes têm necessidades de iodo proporcionais ao crescimento e dependem fortemente de laticínios como principal fonte na dieta habitual.

Se famílias inteiras migrarem para padrões mais estritos de “dietas sustentáveis” com baixa ingestão de alimentos de origem animal, mas sem atenção à fortificação ou suplementação, crianças podem ser expostas a ingestão insuficiente de iodo em fases críticas do desenvolvimento, com possíveis consequências duradouras para crescimento e função cognitiva.

7. Riscos em saúde pública ao adotar a dieta EAT-Lancet sem ajustes

Do ponto de vista de saúde pública, o estudo aponta alguns desfechos negativos potenciais caso a dieta EAT-Lancet seja promovida em larga escala sem ajustes específicos para o iodo:

  • Aumento da prevalência de deficiência de iodo

    • Especialmente em países sem política consistente de iodação de sal ou pão.
    • A deficiência de iodo é reconhecida como principal causa evitável de deficiência intelectual, o que torna esse risco particularmente relevante.
  • Maior vulnerabilidade de gestantes e seus filhos
    • A dieta, tal como proposta, não atinge as recomendações de iodo para gravidez em nenhum dos cenários modelados, o que pode deixar mães e fetos em condição de risco, caso não haja suplementação ou fortificação adequada.
  • Riscos adicionais em versões veganas ou com mínima ingestão de alimentos animais
    • Ao seguir a recomendação da própria Comissão EAT-Lancet de reduzir alimentos de origem animal “o máximo possível” para fins ambientais, a probabilidade de ingestão insuficiente de iodo aumenta ainda mais, salvo em contextos de forte fortificação.
  • Possível combinação de deficiências de múltiplos micronutrientes
    • Revisões sobre dietas ambientalmente “conscientes” com menos produtos de origem animal mostram quedas concomitantes em iodo, cálcio, zinco e vitaminas A, B12 e D, entre outros nutrientes, destacando que o problema não se limita ao iodo.
Os autores enfatizam que, sem orientação clara sobre alimentos fortificados ou suplementos, a adoção ampla de padrões alimentares baseados na EAT-Lancet pode, paradoxalmente, aumentar problemas de saúde relacionados à deficiência de micronutrientes, em vez de apenas promover benefícios metabólicos e ambientais.

8. Síntese dos principais desfechos

De forma resumida, os principais pontos críticos identificados pelo estudo são:

  • Adultos: ingestão de iodo frequentemente abaixo do recomendado em vários países, mesmo na versão adaptada da dieta.
  • Gestantes: nenhum cenário atinge a recomendação de iodo; a dieta, sem fortificação ou suplementação, colocaria gestantes em risco de deficiência.
  • Versão vegana: ingestão média ao redor de um terço da recomendação para adultos e ainda menos para gestantes, com valores extremos de apenas 6–10% do recomendado em alguns países.
  • Dependência de políticas locais: a adequação de iodo passa a depender fortemente de estratégias nacionais de fortificação (principalmente sal iodado em pães). Sem essas políticas, o risco de insuficiência aumenta.
  • Populações vulneráveis: crianças e adolescentes podem ser particularmente afetados, pois dependem muito de laticínios para obter iodo e vivem fases críticas de desenvolvimento.

O trabalho conclui que a dieta EAT-Lancet, na forma em que vem sendo apresentada como modelo global de alimentação saudável e sustentável, não garante segurança em relação ao iodo na maioria dos cenários analisados, e que qualquer transição alimentar nessa direção precisa vir acompanhada de estratégias claras de fortificação ou suplementação para evitar déficits nutricionais, especialmente em grupos vulneráveis.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41538-025-00612-7

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