A constipação crônica costuma ser descrita de forma simples — “intestino preso” —, mas quem vive isso no dia a dia sabe que o problema vai muito além de “ir pouco ao banheiro”. Em geral, o desconforto envolve esforço para evacuar, fezes endurecidas, sensação de evacuação incompleta, distensão abdominal, gases e uma sensação persistente de que o corpo “não está funcionando como deveria”. Esta revisão de 2025 reuniu o que existe de melhor em estudos clínicos e diretrizes para organizar o tema com mais clareza: quais estratégias dietéticas têm evidência mais consistente, quais têm efeito limitado e onde ainda faltam estudos sólidos.
Um ponto importante, que a revisão reforça o tempo todo, é que os estudos não avaliam apenas “se a pessoa evacua mais”. Eles analisam desfechos específicos, como: frequência de evacuações, consistência das fezes, esforço para evacuar, sensação de evacuação incompleta, além de dor abdominal, distensão/inchaço e flatulência. Isso muda a leitura: uma intervenção pode melhorar a frequência, mas piorar gases; outra pode reduzir esforço, mas não mexer na dor. Essa visão por “peças” ajuda a entender por que tantas pessoas testam várias estratégias e sentem respostas diferentes.
Fibras: o termo é amplo, mas os efeitos não são iguais
A revisão mostra que “fibra” não é um bloco único. O efeito depende de características como ser solúvel ou insolúvel, ser viscosa e quanto fermenta no intestino. Quando os estudos colocam “suplementos de fibras” todos no mesmo pacote, aparece um padrão geral: há aumento da chance de resposta e, em média, a frequência de evacuações melhora. Só que isso vem com um aviso prático: a resposta varia muito conforme o tipo de fibra, e um efeito adverso se destaca nesse conjunto: mais gases.
Psyllium: a fibra com resultado mais consistente
Dentro das fibras, o psyllium (Plantago ovata) se destaca de forma repetida. Nos estudos resumidos, ele aparece associado a:
- aumento de frequência de evacuações,
- fezes mais macias,
- menos esforço para evacuar,
- e maior chance de a pessoa ser classificada como “respondedor” (melhora clínica dentro do critério do estudo).
A revisão também relata um detalhe que costuma ser decisivo na prática: os melhores resultados aparecem com doses acima de 10 g/dia e por pelo menos 4 semanas. Ou seja, parte das “falhas” pode estar ligada a dose baixa, tempo curto ou interrupção precoce por desconfortos digestivos.
Fibras altamente fermentáveis: efeito em consistência, mas mais gases
Quando a fibra é altamente fermentável — como frutanos do tipo inulina — a revisão descreve um cenário comum: pode amolecer as fezes, mas tende a aumentar flatulência. E, no conjunto dos estudos analisados, não houve melhora consistente de frequência com esse tipo de fibra.
Outras fibras: evidência fraca para benefício relevante
A revisão relata que, nos ensaios incluídos, polidextrose e galacto-oligossacarídeos (GOS) não mostraram melhora consistente nos principais desfechos de constipação crônica.
Probióticos: o que importa é a espécie e, principalmente, a cepa
A revisão trata probióticos com um cuidado essencial: não existe “o probiótico”, existem espécies e cepas específicas. Isso explica por que um produto pode parecer útil para algumas pessoas e irrelevante para outras — e por que diretrizes que recomendam “probióticos” sem detalhar qual cepa acabam sendo difíceis de aplicar.
- Probióticos multicepas: houve sinal de melhora pequena na consistência, mas sem melhora consistente em resposta global, frequência ou sintomas globais.
- Lactobacillus casei Shirota: não mostrou melhora consistente nos desfechos avaliados.
- Bifidobacterium lactis: como grupo, teve associação com aumento de frequência, mas a revisão destaca que o resultado varia por cepa. Algumas cepas mostraram aumento de frequência, enquanto outras não mudaram os desfechos.
A mensagem que fica é objetiva: quando se fala em probióticos para constipação crônica, a evidência é heterogênea, e o “nome no rótulo” (espécie/cepa) faz diferença.
Óxido de magnésio: melhora múltiplos desfechos, com atenção à segurança
Entre as opções analisadas, o óxido de magnésio (MgO) aparece com um conjunto de efeitos mais amplo:
- maior chance de resposta clínica,
- aumento de evacuações espontâneas completas,
- fezes mais macias,
- redução de esforço e de sensação de evacuação incompleta,
- melhora de sintomas globais.
Ao mesmo tempo, a revisão registra o que as diretrizes reforçam: o cuidado com hipermagnesemia, especialmente em pessoas com função renal reduzida, e a necessidade de atenção a dose e tolerabilidade (por exemplo, diarreia ou dor abdominal leve em parte dos participantes em alguns estudos).
Senna: sinais positivos em estudos individuais, mas síntese final incerta
O sene (senna) tem ECRs placebo-controlados mais recentes mostrando mais evacuações e fezes mais macias versus placebo. Porém, quando a revisão combina estudos em meta-análise, o resultado final fica não significativo, com grande variação entre estudos. Isso não “prova que não funciona”; significa que, com os dados agregados disponíveis, a certeza do efeito global fica limitada.
Alimentos testados em estudos: quando a comida entra como intervenção
A revisão não se limita a suplementos. Ela também descreve alimentos avaliados em ECRs.
Kiwi: resultado forte para frequência e boa tolerabilidade
O kiwi é um dos destaques. Em meta-análise, consumir 2–3 kiwis/dia foi:
- tão eficaz quanto psyllium para amolecer fezes e reduzir esforço,
- e, em média, mais eficaz para aumentar a frequência de evacuações.
Além disso, em comparação com ameixa seca e psyllium em um estudo, o kiwi se associou a menos dor abdominal e, em alguns desfechos de tolerabilidade, a menos desconforto.
Ameixa seca (prunes) e suco de ameixa: efeito mais específico
A ameixa seca mostrou desempenho semelhante ao psyllium para amolecer fezes e reduzir esforço em sínteses apresentadas. Já o suco de ameixa, em um ECR, melhorou consistência, mas não mudou frequência, flatulência e sensação de evacuação incompleta.
Manga e pasta de figo: benefícios parciais
- Manga (300 g/dia): melhorou consistência quando comparada ao psyllium, sem diferença clara em sintomas globais.
- Pasta de figo (300 g/dia): associou-se a fezes mais macias e menor tempo de trânsito, mas sem efeito consistente em frequência, dor abdominal, evacuação incompleta ou esforço.
Pão de centeio: melhora trânsito, mas pode piorar sintomas
O pão de centeio aumentou peso das fezes, reduziu tempo de trânsito e aumentou frequência quando comparado ao pão branco. O ponto sensível é que, nos estudos citados, isso veio acompanhado de piora de sintomas intestinais globais, coerente com maior fermentação e produção de gases em parte das pessoas.
Linhaça: sinal pequeno e incerteza para recomendação
A revisão menciona um ECR com farinha de linhaça comparada à lactulose, com melhora em frequência e sintomas globais, mas reconhece que o efeito foi pequeno e conclui que ainda há falta de evidência para sustentar uma recomendação firme.
Água: nem sempre é “só beber mais”
O documento separa dois temas:
- Água mineral com alto teor de magnésio: aumentou a proporção de “respondedores” em comparação com água de baixa mineralização, embora nem todos os desfechos tenham mudado (como frequência ou dor) de forma consistente.
- Aumentar volume total de água: em um ECR, quando ambos os grupos consumiam fibra, 2 L/dia se associaram a mais evacuações e menor uso de laxantes.
A revisão também ressalta: não há base sólida para dizer que “beber muito acima do recomendado”, por si só, resolva constipação em pessoas sem desidratação.
Laticínios e alimentos de origem animal: o que dá para afirmar com base no documento
Aqui a revisão é especialmente cuidadosa. Ela indica que faltam estudos com metodologia suficiente para recomendações fortes sobre itens como queijo, leite, carne e ovos como estratégia dietética direta para constipação crônica. Isso não é uma conclusão “contra” esses alimentos; é uma constatação de lacuna de evidência.
A parte “animal” mais discutida no documento envolve fermentados lácteos:
- Um ECR comparando iogurte pasteurizado (220 mL/dia) com leite pasteurizado encontrou aumento de frequência de evacuações no grupo do iogurte, mas a revisão classifica o estudo como alto risco de viés e descreve limitações na análise de sintomas. (Referência do ECR citada na revisão: https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2014.08.009)
- O kefir aparece com sinais de melhora em estudo não controlado (antes e depois), mas a revisão reforça que faltam ECRs para confirmar.
E quando a fibra é reduzida — ou até retirada?
Este é um dos trechos que mais chama atenção porque contraria expectativas comuns. A revisão descreve:
- Um ECR que comparou dieta com 25–30 g/dia de fibra versus 15–20 g/dia, por 9 semanas: não houve diferença em resposta, frequência, consistência ou trânsito intestinal, e a dieta mais rica em fibra piorou flatulência, distensão e “bem-estar digestivo” (além de o estudo ter alto risco de viés).
- Um estudo não controlado (6 meses) em que grupos “sem fibra” e “fibra reduzida” relataram mais evacuações e menos sintomas, enquanto “alta fibra” não melhorou — um achado que a revisão descreve como inesperado e que, por não ser ECR, não permite afirmar causa e efeito com segurança.
O que esse conjunto sugere, dentro do que o documento permite concluir, é que mais fibra não significa melhora para todos, e que alguns quadros podem piorar em gases e distensão quando a estratégia é simplesmente aumentar fibra sem escolher tipo, dose e tolerância.
O “desencontro” entre evidência e diretrizes
Ao comparar diretrizes de diferentes países, a revisão indica que muitas recomendam “aumentar fibra” como primeira linha, mas frequentemente sem detalhar qual fibra e como acompanhar tolerabilidade. Ao mesmo tempo, estratégias com evidência (como psyllium, óxido de magnésio, kiwi e água mineral rica em magnésio) podem aparecer de forma desigual entre diretrizes. O resultado é um cenário comum: a pessoa recebe orientações genéricas, testa, não melhora (ou piora gases), e conclui que “nada funciona”, quando, na verdade, o efeito depende do alvo e do desfecho.
Conclusão
A revisão organiza a constipação crônica com uma lógica mais humana e mais útil: não é apenas “fazer o intestino funcionar”, é reduzir esforço, melhorar consistência, aliviar sensação de evacuação incompleta e diminuir desconfortos como distensão e gases — e cada estratégia mexe em partes diferentes desse quebra-cabeça. No que existe hoje de melhor evidência dentro do documento, alguns recursos se repetem com mais consistência (como psyllium, óxido de magnésio e kiwi), enquanto outras abordagens mostram efeitos parciais, dependentes de cepa (no caso de probióticos) ou com risco de piora de sintomas (como aumento de distensão e gases em algumas intervenções ricas em fibra). E, quando o tema é “alimentos de origem animal” como intervenção direta, a conclusão mais honesta do texto é a que a ciência permite: a evidência clínica robusta ainda é insuficiente para recomendações fortes, com exceções pontuais e ainda limitadas em fermentados lácteos.
