Os efeitos do açúcar no tratamento e controle do comportamento antissocial em uma população juvenil encarcerada


A pergunta provocadora: açúcar pode mudar o comportamento?

A questão central é direta:

O que acontece quando 24 jovens encarcerados passam, em segredo, a receber uma dieta com menos açúcar e são comparados a 34 colegas que continuaram comendo mais açúcar?

No estudo conduzido por Stephen J. Schoenthaler, a resposta numérica foi impressionante: aproximadamente 45–55% menos violações de regras entre os adolescentes expostos à dieta com menos açúcar.

Esse resultado levanta uma hipótese intuitiva: o consumo de açúcar pode influenciar o comportamento, ao menos em contextos de alta vulnerabilidade, como instituições para jovens infratores. No entanto, compreender o que realmente está por trás desses números exige olhar com cuidado para o desenho do estudo e para o conjunto mais amplo de evidências científicas.

Como foi o experimento com os 24 jovens encarcerados?

No início da década de 1980, a administração de um centro de detenção juvenil, nos Estados Unidos, decidiu reduzir de forma encoberta a quantidade de açúcar oferecida nas refeições e bebidas dos internos, após autorização do nutricionista do estado. Nem os adolescentes nem a equipe sabiam que uma pesquisa estava em andamento ou que o foco era o açúcar.

Para criar uma situação equivalente a um “duplo-cego”, a justificativa oficial para as mudanças no cardápio não mencionava comportamento ou nutrição específica; a alteração foi apresentada apenas como uma revisão rotineira da alimentação. Ao final do estudo, uma entrevista de debriefing confirmou que o engano funcionou: os funcionários não perceberam que o açúcar poderia estar relacionado a problemas de conduta, nem que havia um experimento em curso.

Três meses depois da mudança da dieta, os resultados foram avaliados:

  • 24 adolescentes do sexo masculino que tinham recebido a dieta modificada foram comparados a
  • 34 adolescentes que haviam sido internados antes da mudança alimentar.

O desfecho analisado foi o número de infrações disciplinares que resultavam em ação formal (punições, registros oficiais, etc.).

Os achados principais foram:

  • O grupo de 24 jovens com dieta reduzida em açúcar apresentou cerca de 45% menos violações de regras com punição formal.
  • Entre oito adolescentes que viveram a transição da dieta antiga para a nova, houve redução de 55% nas violações de regras durante o restante do período de internação.

Em termos simples: naquele ambiente específico, depois que o açúcar foi reduzido, o número de problemas disciplinares registrados caiu quase pela metade.

O que mudou na alimentação desses jovens?

Os detalhes mais minuciosos da composição da dieta não aparecem nesse resumo específico, mas trabalhos relacionados do mesmo grupo descrevem o padrão geral de intervenção dietética em instituições juvenis:

  • Substituição de refrigerantes e lanches “junk food” por sucos de frutas e lanches considerados mais nutritivos.
  • Eliminação de sobremesas e cereais com alto teor de açúcar.

Ou seja, não se tratou apenas de “tirar um pouco de açúcar”, mas de reorganizar o padrão alimentar para algo com menos açúcares adicionados e, em tese, maior densidade nutricional. Em estudos subsequentes em centros juvenis, o mesmo tipo de abordagem foi associado a reduções de cerca de 36–48% em comportamentos antissociais e infrações disciplinares, incluindo agressões, furtos, “brincadeiras violentas” e outras formas de indisciplina.

Forças do estudo: controle psicológico e efeito observado

O próprio artigo de Schoenthaler destaca alguns pontos fortes:

  • O uso de decepção planejada (sem que jovens ou funcionários soubessem do objetivo) reduziu a chance de que a melhora no comportamento fosse apenas um efeito psicológico (“placebo” ou mudança porque todos sabiam que estavam sendo observados).
  • A comparação mostrou uma diferença grande e estatisticamente significativa (P < 0,01) no número de infrações com punição formal.

Em estudos posteriores com amostras maiores (por exemplo, 276 jovens em regime de detenção ao longo de dois anos), o mesmo autor relatou:

  • Redução de 48% nas ações disciplinares após a revisão da dieta.
  • Quedas marcantes em tipos específicos de infração: agressão e lesão corporal, furtos e episódios de “brincadeiras violentas” ou indisciplina.

Esses dados reforçam a ideia de que a alimentação, incluindo a quantidade de açúcar, pode estar ligada ao padrão de comportamento em ambientes institucionais.

Limitações importantes: correlação não é prova de causalidade

Apesar dos números chamativos, o próprio resumo crítico do artigo deixa claro que o estudo não é conclusivo.

Entre as limitações destacadas pelos próprios autores e por análises posteriores:

  • Desenho antes–depois e uso de grupo histórico
    • O grupo “controle” (34 jovens) viveu na instituição antes da mudança da dieta, não ao mesmo tempo.
    • Entre um período e outro, diversos fatores podem ter mudado: equipe, regras disciplinares, clima institucional, perfil dos internos.
  • Ausência de randomização individual
    • Os adolescentes não foram distribuídos aleatoriamente entre dieta antiga e nova.
    • Isso limita a capacidade de atribuir o efeito apenas à mudança alimentar.
  • Outras mudanças nutricionais além do açúcar
    • A intervenção não reduziu apenas açúcar: também modificou lanches, bebidas e qualidade geral da dieta, o que torna difícil isolar o papel específico do açúcar.
  • Falta de replicações estritamente equivalentes
    • Comentários críticos posteriores observam que o estudo original, tal como descrito, não foi replicado em desenho idêntico e “não mostra de forma clara como o açúcar está envolvido”, sugerindo que a relação é mais complexa do que simplesmente “açúcar causa mau comportamento”.

Em resumo, o próprio conjunto de artigos de Schoenthaler é apresentado como indício forte de que vale a pena investigar mais, mas não como prova definitiva de que o açúcar, isoladamente, seja a causa direta da redução das infrações.

O que dizem outras evidências sobre açúcar e comportamento?

Quando se olha para o conjunto mais amplo da literatura científica, a resposta é mais nuançada do que a frase “Sugar absolutely affects behavior” sugere.

Meta-análise clássica em crianças

Uma meta-análise publicada no JAMA em 1995, que reuniu 16 estudos experimentais, concluiu que o consumo de açúcar não afetou, de forma consistente, o comportamento ou o desempenho cognitivo de crianças, mesmo quando os pais acreditavam que seus filhos eram “sensíveis ao açúcar”. (JAMA Network)

Os autores destacaram que:

  • As diferenças observadas em alguns estudos eram pequenas e inconsistentes.
  • A forte crença de muitos pais de que “açúcar deixa a criança hiperativa” poderia estar ligada a expectativa e interpretação subjetiva, mais do que a um efeito biológico robusto do açúcar isolado.

Revisões mais recentes e TDAH

Estudos posteriores, sobretudo observacionais, passaram a investigar padrões alimentares mais amplos, incluindo açúcares adicionados, bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados.

Um exemplo é a revisão sistemática e meta-análise publicada em 2020, que avaliou a relação entre consumo de açúcar, bebidas açucaradas e sintomas de TDAH. O trabalho encontrou uma associação positiva moderada entre consumo global de açúcar/bebidas açucaradas e sintomas de hiperatividade/desatenção, mas com alta heterogeneidade entre os estudos e limitações metodológicas importantes. (PubMed)

Outros estudos observaram que:

  • Maior consumo de bebidas açucaradas esteve associado a maior chance de diagnóstico de TDAH em crianças, em alguns estudos de caso-controle. (MDPI)
  • Em coortes longitudinais, maior consumo de alimentos ultraprocessados — ricos em açúcar, aditivos e gorduras refinadas — na infância se associou a mais sintomas de hiperatividade/inatenção na adolescência. (SciELO Brasil)

Ao mesmo tempo, revisões de alta qualidade lembram que:

  • A evidência direta de que açúcar, isoladamente, cause alterações comportamentais marcantes é inconsistente. (JAMA Network)
  • Há múltiplos fatores confundidores: padrão alimentar geral, sono, ambiente familiar, tempo de tela, comorbidades psiquiátricas, entre outros.

Então, o que é possível afirmar com base em evidências?

Combinando o estudo de Schoenthaler com a literatura mais ampla, é possível sintetizar alguns pontos:

  1. No contexto específico de instituições para jovens infratores, reduzir o açúcar como parte de uma mudança mais ampla na qualidade da dieta foi acompanhado de reduções expressivas (cerca de 45–55%) em infrações disciplinares em um estudo quasi-experimental, com cegamento dos envolvidos.
  2. Estudos adicionais do mesmo grupo, com amostras maiores e diversas instituições, relataram quedas semelhantes em comportamentos antissociais após revisões de cardápio que incluíam redução de açúcar e de alimentos ultraprocessados.
  3. No conjunto mais amplo de ensaios clínicos controlados em crianças, uma meta-análise clássica não encontrou evidência consistente de que o açúcar, isoladamente, provoque piora de comportamento ou desempenho cognitivo.
  4. Estudos observacionais recentes sugerem que padrões alimentares ricos em bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados podem se associar a mais sintomas de hiperatividade/inatenção, mas não permitem concluir causalidade e sofrem com heterogeneidade e possíveis vieses.
  5. Independente da questão comportamental, há forte evidência de que consumo excessivo de açúcares adicionados aumenta o risco de obesidade, diabetes tipo 2, doença cardiovascular e esteatose hepática não alcoólica, motivo pelo qual organizações como American Heart Association, CDC e OMS recomendam limitar açúcares adicionados a menos de 10% das calorias diárias (em muitas diretrizes, cerca de 6 colheres de chá por dia para crianças e adolescentes).

Implicações práticas, com base em diretrizes existentes

Do ponto de vista estritamente baseado em evidências:

  • Em contextos institucionais (como centros de detenção juvenil), há dados sugerindo que melhorar a qualidade da dieta e reduzir açúcar e ultraprocessados pode se associar a melhor comportamento e menos infrações. Isso apoia a ideia de que políticas alimentares podem ser parte de uma abordagem multidisciplinar de manejo do comportamento, ao lado de intervenções psicológicas, educacionais e sociais.
  • Para crianças e adolescentes em geral, diretrizes oficiais recomendam limitar açúcares adicionados principalmente para proteger a saúde metabólica e cardiovascular, e não como tratamento primário para questões comportamentais.
  • A literatura atual não permite afirmar com segurança que o açúcar, isolado de outros fatores, seja responsável por grandes mudanças de comportamento em todas as crianças ou adolescentes. O que os dados sugerem é que padrões alimentares de baixa qualidade, ricos em açúcar e ultraprocessados, podem ser mais um componente em um cenário complexo.

Revisitando a pergunta inicial

Voltando à questão:

O que acontece quando 24 jovens encarcerados são colocados secretamente em uma dieta com menos açúcar e comparados a 34 colegas com maior consumo de açúcar?

No estudo de Schoenthaler, o resultado foi: cerca de 45–55% menos violações de regras culminando em punição disciplinar.

Esse achado mostra que, naquele ambiente e naquele desenho de pesquisa, uma mudança relativamente simples na alimentação coincidiu com uma melhora marcante no comportamento institucional. Ao mesmo tempo, quando se observa todo o conjunto de evidências disponíveis, fica claro que:

  • Não é possível generalizar esse resultado como prova definitiva de que “o açúcar sempre causa mau comportamento”.
  • indícios relevantes, especialmente em contextos de alta vulnerabilidade, de que reduzir açúcares adicionados e ultraprocessados pode fazer parte de uma estratégia mais ampla para melhorar saúde e, potencialmente, comportamento.
  • As recomendações atuais para limitar açúcar se apoiam, sobretudo, em benefícios robustos para a saúde física, o que por si só já justifica atenção cuidadosa ao consumo de açúcares adicionados ao longo da vida.

Fonte: https://doi.org/10.1016/0191-8869(91)90270-L

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