Chegar aos 100 anos não depende apenas de genética. Em saúde pública, a pergunta prática é: quais hábitos modificáveis se associam a uma chance maior de alcançar uma longevidade excepcional. Dentro desse cenário, os autores investigaram se seguir uma dieta vegetariana estaria associada (para mais ou para menos) à probabilidade de uma pessoa com 80 anos ou mais se tornar centenária.
Como o estudo foi feito
Os dados vieram do Chinese Longitudinal Healthy Longevity Survey (CLHLS), uma coorte nacional chinesa acompanhada ao longo de várias rodadas (1998 a 2018).
O desenho foi caso-controle aninhado e prospectivo:
- Casos: pessoas que chegaram aos 100 anos até o fim do seguimento (2018).
- Controles: pessoas do mesmo conjunto, pareadas por sexo, ano de entrada e idade (±1), que faleceram antes dos 100 anos.
- Amostra final: 5.203 participantes (1.459 centenários e 3.744 não centenários).
Como “dieta vegetariana” foi definida
O padrão alimentar foi obtido por questionário de frequência alimentar. Pessoas que raramente ou nunca consumiam carne foram classificadas como vegetarianas; as demais, como onívoras. Entre vegetarianos, houve subgrupos: pescovegetarianos, ovolactovegetarianos e veganos, conforme consumo de peixe, ovos e leite.
O que foi encontrado
Associação principal (onívoro vs vegetariano)
Após ajustes estatísticos para múltiplos fatores (incluindo características sociodemográficas, estilo de vida, IMC e condições crônicas), vegetarianos tiveram menor probabilidade de se tornar centenários quando comparados a onívoros: razão de chances (RC) 0,81 (IC 95% 0,69–0,96).
No subgrupo vegano, o padrão foi semelhante: RC 0,71 (IC 95% 0,52–0,97).
O papel do peso corporal (IMC)
O resultado ganhou um detalhe importante: a associação apareceu com mais clareza em pessoas abaixo do peso (IMC < 18,5 kg/m²). Nesse grupo, a dieta vegetariana se associou a menor probabilidade de se tornar centenário: RC 0,72 (IC 95% 0,57–0,91). Já em pessoas com IMC ≥ 18,5 kg/m², não houve associação estatisticamente significativa: RC 0,92 (IC 95% 0,73–1,17).
Quando o estudo olhou alimentos específicos (e não apenas “ser vegetariano”)
Ao analisar grupos alimentares isolados, dois achados chamaram atenção:
- Consumo diário de vegetais se associou a maior probabilidade de se tornar centenário (RC 1,84, IC 95% 1,31–2,58).
- Consumo diário de carne também se associou a maior probabilidade (RC 1,30, IC 95% 1,08–1,57).
E, novamente, o recorte por IMC foi relevante: no grupo abaixo do peso, consumo diário de carne se associou a probabilidade ainda maior de alcançar 100 anos (RC 1,44, IC 95% 1,08–1,92), enquanto no grupo com IMC ≥ 18,5 kg/m² isso não apareceu.
Conclusões
O estudo descreve associações, não prova causa e efeito. Os próprios autores destacam limitações típicas desse tipo de pesquisa: uso de dieta autorrelatada, risco de classificação incorreta (por exemplo, pessoas com consumo muito baixo de carne podendo ser agrupadas como vegetarianas) e ausência de medida direta de ingestão energética total (o estudo usou um estimador como substituto).
Ainda assim, várias análises de sensibilidade sustentaram a direção do achado principal, embora alguns recortes tenham perdido significância (por exemplo, ao focar apenas em “centenários relativamente saudáveis” ou ao excluir certas ondas iniciais).
Dentro do universo estudado — adultos muito idosos na China, com alta frequência de baixo peso — os resultados apontam para uma ideia simples: longevidade excepcional parece se associar mais a um padrão alimentar equilibrado, com presença de alimentos de origem animal e vegetal, do que à exclusão completa de alimentos animais, especialmente entre os mais vulneráveis do ponto de vista nutricional.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.ajcnut.2025.101136
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