Cavando fundo em nutrientes e metabólitos derivados de alta ingestão de proteína na dieta e suas possíveis funções na saúde metabólica


O artigo publicado na revista Nutrition Research Reviews analisa, de forma detalhada, o que acontece no organismo quando a ingestão de proteína na dieta aumenta para, pelo menos, 20% das calorias diárias, a partir de diferentes fontes, incluindo laticínios, carnes e proteínas vegetais. Em vez de observar apenas peso e alguns exames tradicionais, os autores investigam também uma série de pequenas moléculas produzidas no corpo e pela microbiota intestinal, chamadas metabólitos, que podem ajudar a explicar os efeitos da proteína sobre a saúde metabólica.

O texto mostra que dietas com mais proteína não atuam apenas na balança. Elas modificam a composição corporal, influenciam hormônios ligados à fome e saciedade e alteram profundamente o ambiente químico do intestino e do sangue, com destaque especial para metabólitos derivados de alimentos de origem animal, como leite e carne.

Efeitos positivos sobre peso e composição corporal

De forma consistente, os estudos reunidos na revisão indicam que dietas com maior teor de proteína:

  • Reduzem o peso corporal, com perda que pode chegar a cerca de 10% em indivíduos com sobrepeso ou obesidade.
  • Diminuem a gordura corporal, incluindo gordura visceral, mais associada a risco cardiometabólico.
  • Preservam ou aumentam a massa magra, algo importante para força, funcionalidade e gasto energético.
  • Estão associadas à redução de insulina em jejum, triacilgliceróis, pressão arterial e outros marcadores metabólicos.

Esses resultados aparecem tanto em dietas com restrição calórica programada quanto em dietas em que as pessoas comem à vontade, sugerindo que o aumento de proteína ajuda espontaneamente no controle de apetite e da ingestão energética total.

Metabólitos benéficos: o “lado positivo” da fermentação de proteína

O artigo destaca que a proteína ingerida não age sozinha. Parte dela é digerida e absorvida no intestino delgado como aminoácidos, mas uma fração chega ao cólon, onde é fermentada pela microbiota intestinal. Desse processo surgem metabólitos com potencial impacto positivo na saúde metabólica.

Aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) e ácidos graxos de cadeia ramificada (AGCR)

Dietas ricas em proteína aumentam a circulação de aminoácidos, incluindo os de cadeia ramificada (BCAA: leucina, isoleucina e valina). Esses aminoácidos estão relacionados à síntese de massa magra e à regulação de vias metabólicas que controlam o uso de glicose e gordura.

No cólon, bactérias convertem BCAA em ácidos graxos de cadeia ramificada (AGCR). A revisão mostra que laticínios, carnes e proteínas vegetais elevam AGCR nas fezes e, em alguns estudos, também na urina. Esses AGCR são associados, em trabalhos experimentais citados pelos autores, a:

  • Melhor sensibilidade à insulina.
  • Menor lipotoxicidade (acúmulo de gordura em locais inadequados).
  • Auxílio na perda e manutenção de peso.

Assim, o aumento de AGCR pode ser um dos caminhos pelos quais dietas hiperproteicas contribuem para melhorias metabólicas.

Indóis derivados do triptofano e integridade intestinal

Outro grupo importante são os indóis, produzidos a partir do aminoácido triptofano pela microbiota do cólon. Em protocolos com alta ingestão de proteínas lácteas (especialmente caseína e misturas de proteínas do leite), os níveis de indóis nas fezes e na urina sobem de forma consistente.

Esses compostos estão associados a:

  • Fortalecimento da barreira intestinal, com aumento de proteínas de junção entre células e de mucina.
  • Redução de inflamação intestinal.
  • Estímulo à secreção de GLP-1, hormônio que ajuda no controle da glicose e da saciedade.
  • Efeitos diretos sobre tecido adiposo, com menor formação de novas células de gordura e maior termogênese.

Essa combinação de mecanismos ajuda a entender por que dietas ricas em proteína, principalmente quando incluem laticínios, podem favorecer perda de peso, melhor distribuição de gordura e controle glicêmico.

Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), com foco no acetato

Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) – como acetato, propionato e butirato – também são analisados. Em dietas ricas em proteína, o padrão observado é complexo: butirato tende a diminuir e propionato pode reduzir ou permanecer estável. Porém, o acetato aumenta de forma significativa, especialmente após consumo de caseína.

O acetato está ligado a:

  • Regulação do balanço energético.
  • Modulação da sensibilidade à insulina.
  • Influência sobre o metabolismo de lipídios e colesterol.

A revisão sugere que o aumento de acetato, em conjunto com AGCR e indóis, compõe um quadro favorável à melhora da saúde metabólica em contextos de alta ingestão de proteína.

Destaques para alimentos de origem animal

Embora o artigo inclua proteínas vegetais, a maior parte dos dados detalhados de metabólitos e desfechos metabólicos positivos envolve alimentos de origem animal, em especial laticínios, mas também carnes.

Proteínas lácteas: whey e caseína

Ao comparar diferentes fontes, proteínas lácteas se destacam:

  • Whey protein reduz circunferência de cintura, gordura visceral e níveis de grelina, quando comparado à proteína de soja ou colágeno em alguns ensaios clínicos.
  • Misturas de whey e caseína apresentam vantagens em composição corporal em relação a proteínas de soja em determinados protocolos.
  • Proteínas do leite produzem um perfil de metabólitos caracterizado por aumento de indóis, acetato, AGCR e determinados AGCC, com forte relação entre o que é encontrado nas fezes e o que aparece no sangue e na urina, sugerindo efeitos locais e sistêmicos integrados.

Esses resultados indicam que laticínios, quando usados como fonte principal de proteína em dietas hiperproteicas, podem ter papel relevante em estratégias de manejo de peso e saúde metabólica.

Carnes e outras fontes animais

O artigo também aborda proteínas de carne, tanto vermelha quanto branca:

  • Refeições ricas em carne elevam aminoácidos essenciais e BCAA na circulação, contribuindo para preservação e ganho de massa magra.
  • Dietas com alta proteína de carne aumentam AGCR nas fezes, metabólitos associados a melhor regulação do metabolismo de lipídios e glicose.

Além disso, a revisão cita um estudo em mulheres idosas no qual uma dieta rica em proteína, incluindo alimentos de origem animal, não aumentou os níveis séricos nem a excreção urinária de TMAO (trimetilamina-N-óxido), marcador frequentemente discutido em relação ao consumo de alimentos animais. Esse achado sugere que, pelo menos nesse contexto específico, a elevação de proteína animal não se traduziu em piora desse indicador.

Síntese: o que esse conjunto de dados indica?

De forma integrada, o artigo mostra que:

  • Elevar a proteína para cerca de 20% ou mais da energia total tende a melhorar o controle de peso, reduzir gordura corporal (inclusive visceral) e preservar massa magra.
  • A presença de laticínios e carnes na dieta fornece aminoácidos essenciais, aumenta BCAA e favorece a produção de AGCR, indóis e acetato, que se associam a melhor saciedade, integridade intestinal e regulação do metabolismo da glicose e dos lipídios.
  • Proteínas de origem animal, sobretudo as lácteas, aparecem com destaque em diversos ensaios como mais eficazes do que algumas fontes vegetais específicas (como soja ou colágeno) para desfechos de circunferência de cintura, gordura visceral e hormônios de saciedade.
  • Em pelo menos um estudo com mulheres idosas, uma dieta hiperproteica com alimentos animais não elevou TMAO, contribuindo para uma visão mais nuançada sobre os riscos metabólicos atribuídos a esse metabólito.

Os autores não transformam esses achados em recomendações fechadas de dieta, mas a evidência apresentada indica que dietas com maior teor de proteína, especialmente quando incluem alimentos de origem animal como laticínios e carnes, podem oferecer benefícios significativos para a composição corporal e para múltiplos aspectos da saúde metabólica, desde que consideradas as particularidades de cada indivíduo e o contexto geral da alimentação.

Fonte: https://doi.org/10.1017/S0954422424000374

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