No livro O macaco nu, Desmond Morris dedica um capítulo inteiro ao comportamento alimentar humano. O ponto de partida é simples e provocador: mesmo cercado por supermercados, restaurantes e dietas da moda, o ser humano continua sendo um primata com um repertório alimentar moldado por milhões de anos de evolução. A alimentação aparece, então, como um fio condutor que liga o “macaco frugívoro” da floresta ao caçador onívoro das savanas e ao consumidor urbano moderno.
Da coleta de frutos à caça cooperativa
Morris parte da observação de que os primatas não humanos, em geral, passam o dia beliscando frutas, folhas e outros vegetais, comendo de forma quase contínua ao longo do dia. A sequência é curta: procurar o alimento, colher e comer imediatamente. Já no caso do ser humano, ele descreve uma mudança histórica importante: a transição de um padrão de coleta de frutos para um estilo de vida de caça cooperativa, com mais consumo de carne e refeições mais espaçadas.
Na interpretação do autor, essa mudança exigiu:
- organização de grupos de caça;
- cooperação entre indivíduos;
- capacidade de localizar e retornar a uma “base” para partilhar o alimento;
- armazenamento de comida para momentos de escassez.
O capítulo sobre alimentação, na leitura de resumos e análises do livro, descreve que a caça teria transformado a rotina alimentar: em vez de pequenos lanches constantes, o “macaco nu” passa a fazer refeições grandes, intercaladas por períodos mais longos sem comer, padrão mais típico de mamíferos caçadores.
Essa visão está em linha com hipóteses clássicas da biologia evolutiva, segundo as quais a caça e o maior acesso a alimentos de origem animal estiveram associados ao aumento da cooperação e a mudanças importantes no cérebro humano.
Refeições grandes, “base doméstica” e herança carnívora
No capítulo sobre alimentação, Morris argumenta que o padrão humano de grandes refeições em horários definidos – muitas vezes em casa ou em um “ponto de encontro” – não é apenas um produto cultural recente. Ele o descreve como uma herança da fase de “macaco caçador”:
- caça ou coleta mais intensa em um período do dia;
- retorno ao grupo para partilhar o alimento;
- consolidação do hábito de comer em conjunto em um local de referência.
Resumos do livro destacam que, do ponto de vista zoológico, o ser humano se afasta do padrão de “pastar ao longo do dia” típico de muitos primatas e se aproxima de um estilo mais carnívoro, com refeições intermitentes e mais volumosas.
Pesquisas contemporâneas em evolução da dieta humana confirmam que os humanos, de fato, consomem mais alimentos de origem animal do que outros grandes primatas, em associação com o surgimento da caça e da coleta de alto rendimento no gênero Homo há cerca de 2,5 milhões de anos. No entanto, esses estudos também enfatizam que as dietas de caçadores-coletores são altamente variáveis e sempre incluem combinações de alimentos vegetais e animais, dependendo do ambiente.
O “gosto por doce” como traço primata
Outro ponto abordado por Morris, em análises de seu livro, é o chamado “apetite por doce”. Ele chama atenção para o fato de que primatas frugívoros tendem a preferir frutos mais maduros e doces, e que os macacos e símios são especialmente sensíveis a esse sabor. O autor sugere que o ser humano herdou essa preferência, e que o entusiasmo por doces, sobremesas e alimentos açucarados seria um resquício dessa herança frugívora.
A interpretação apresentada em resenhas é a de que nosso “dente doce” não faz parte da lógica de um carnívoro estrito, mas combina uma história evolutiva de consumo de frutas com uma fase posterior de maior consumo de carne. Esse traço, adaptativo em ambientes naturais – em que o acesso a frutas doces era limitado – torna-se potencialmente problemático em um contexto de alta disponibilidade de açúcar refinado.
Estudos atuais em evolução da dieta humana reforçam que a espécie é classificada como onívora, com aparato digestivo compatível com uma alimentação flexível baseada em vegetais, sementes e carne, e não como carnívora estrita. Isso ajuda a interpretar o quadro descrito por Morris: o “macaco nu” combina preferências herdadas de um primata frugívoro com adaptações a um estilo de vida de caça e maior consumo de produtos de origem animal.
Carne, vegetais e o problema da monocultura
Um trecho frequentemente citado do livro, em resenhas, mostra Morris preocupado com a perda de equilíbrio na alimentação quando sociedades passam a depender quase exclusivamente de alguns cereais básicos. Ele argumenta que, embora grandes operações agrícolas permitam alimentar populações numerosas, a concentração em poucos grãos tende a levar a formas de desnutrição, especialmente por deficiência de proteínas, vitaminas e minerais.
A leitura apresentada nesses comentários é que, para o autor, sociedades “mais saudáveis e dinâmicas” seriam aquelas em que se mantém um equilíbrio entre alimentos de origem animal e vegetal, com uma base de carne e plantas relativamente semelhante à do passado caçador-coletor, mesmo que os meios de obtenção dos alimentos tenham mudado.
Pesquisas arqueológicas e bioantropológicas posteriores dão suporte a parte dessa preocupação. Estudos sobre o início da agricultura mostram que, ao adotarem dietas muito centradas em poucos grãos cultivados, populações de agricultores antigos passaram a apresentar mais cáries, pior saúde óssea e maior incidência de deficiências nutricionais em comparação a muitos grupos caçadores-coletores.
Por outro lado, revisões modernas lembram que dietas paleolíticas eram muito variáveis, com combinações diversas de plantas, tubérculos, frutos, carnes, peixes e outros recursos, dependendo da região e da estação.
Alimentação como comportamento social, não só biológico
Morris também enfatiza que, para o “macaco nu”, comer deixou de ser apenas um ato biológico e passou a ter um peso social e simbólico central. A partir de resumos analíticos do livro, destacam-se alguns pontos:
- as refeições em grupo funcionam como rituais de coesão social;
- a partilha de carne em torno de um “lar” ou ponto de encontro reforça vínculos e hierarquias;
- mudanças culturais (por exemplo, trabalho assalariado substituindo a caça) não eliminam impulsos básicos de formação de grupos masculinos e atividades que lembram a caça, como esportes, jogos e eventos centrados em comida.
Essa leitura vê a alimentação como um campo em que a biologia e a cultura se entrelaçam: a necessidade de nutrientes, moldada pela evolução, se expressa em práticas sociais como cozinhar, montar cardápios variados, criar tradições culinárias e organizar festas e encontros em torno da comida.
O olhar atual sobre alimentação e evolução: onde o livro ainda dialoga
Do ponto de vista científico atual, vários elementos centrais da visão de Morris sobre alimentação continuam em diálogo com a literatura:
- a ideia de que humanos comem mais alimentos de origem animal do que outros grandes primatas é consistente com revisões recentes sobre caça, coleta e gasto energético em caçadores-coletores.
- a preocupação com dietas baseadas em poucos cereais encontra respaldo em estudos sobre saúde de populações agrícolas antigas e em análises de diversidade alimentar.
- a ênfase no papel social da comida está em linha com abordagens antropológicas que veem refeições e banquetes como centrais na organização de grupos humanos.
Ao mesmo tempo, a obra é de 1969 e carrega limitações importantes:
- muitas passagens tratam o padrão alimentar como se houvesse um “modelo único” de dieta ancestral, o que não corresponde às evidências atuais de grande variabilidade geográfica e ecológica;
- algumas formulações tendem ao determinismo biológico, subestimando a complexidade das dimensões culturais, econômicas e tecnológicas da alimentação;
- a classificação do ser humano como “quase carnívoro” precisa ser lida à luz de estudos que descrevem a espécie como onívora generalista, com traços de frugivoria e grande flexibilidade alimentar.
Em síntese: o que fica da visão de Morris sobre alimentação
Focando apenas na alimentação, O macaco nu apresenta o ser humano como:
- Um primata que se afastou do padrão de beliscar frutos o dia inteiro e passou a fazer grandes refeições, em boa parte graças à caça cooperativa e ao maior consumo de alimentos de origem animal.
- Uma espécie que combina heranças frugívoras (como a forte atração pelo sabor doce) com adaptações a uma dieta mais rica em carne e refeições espaçadas.
- Um animal que transformou o ato de comer em ritual social: cozinhar, partilhar e celebrar em torno da comida se tornam extensões dos antigos banquetes de caça.
- Uma espécie vulnerável a desequilíbrios modernos – como dietas baseadas em poucos cereais refinados –, que podem provocar deficiências nutricionais mesmo em sociedades com abundância aparente de alimentos.
Lido hoje, o capítulo de alimentação de O macaco nu funciona menos como um manual sobre “como comer” e mais como um documento histórico de como, na década de 1960, um zoólogo tentou integrar biologia, evolução e comportamento alimentar humano. Suas intuições sobre a importância da combinação de alimentos de origem animal e vegetal, o papel social das refeições e o impacto das mudanças agrícolas continuam relevantes, mas precisam ser complementadas pelas evidências mais amplas acumuladas nas últimas décadas sobre a evolução da dieta humana.
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