A dieta planetária: uma utopia nutricional em conflito com a evolução humana


Em 2019, a Comissão EAT-Lancet apresentou ao mundo a chamada Dieta da Saúde Planetária. A proposta parecia perfeita: cuidar da saúde humana e do planeta ao mesmo tempo, incentivando o consumo predominante de vegetais e reduzindo carnes e gorduras animais. A promessa era alimentar 10 bilhões de pessoas de forma sustentável até 2050. No entanto, um grupo de pesquisadores liderado por Jean Pierre Spinosa decidiu analisar com rigor científico se essa dieta realmente é compatível com o corpo humano e com a evolução da espécie. O resultado foi publicado no periódico Nutrition & Metabolism em 2025.

Origem da crítica

A equipe examinou evidências de biologia evolutiva, nutrição clínica, oncologia e antropologia. A conclusão central é direta: o modelo planetário não se ajusta ao metabolismo humano. Ele é rico em carboidratos (grãos, frutas e leguminosas) e pobre em gorduras e proteínas animais, o oposto do padrão alimentar que sustentou a evolução do Homo sapiens durante mais de 2 milhões de anos.

Desde os primeiros caçadores-coletores, a espécie humana sobreviveu com alimentos de origem animal, períodos de jejum e escassez de carboidratos. O fígado humano é projetado para produzir corpos cetônicos — moléculas derivadas da gordura que alimentam o cérebro e preservam os músculos em tempos de pouca comida. Essa flexibilidade metabólica, segundo os autores, é parte essencial da nossa biologia.

A falha evolutiva do modelo planetário

Ao sugerir que mais da metade das calorias venha de carboidratos, a dieta planetária estimula altos níveis de insulina e glicose, condições associadas a obesidade, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer. Além disso, o modelo reduz drasticamente nutrientes cruciais que só se encontram em alimentos animais, como vitamina B12, ferro heme, zinco, iodo, selênio, taurina, colesterol e DHA — gordura essencial ao cérebro.

O estudo ressalta que mesmo vegetarianos bem informados enfrentam deficiências desses micronutrientes, e que o risco é ainda maior em crianças, gestantes e idosos. A dependência de suplementos sintéticos e alimentos ultraprocessados vegetais criaria, portanto, uma nova fragilidade nutricional.

A proposta alternativa: dieta autógena

Como contraponto, os pesquisadores propõem a dieta autógena, inspirada em padrões evolutivos humanos. Ela defende uma distribuição de macronutrientes mais próxima da fisiologia da espécie: consumo moderado de proteínas, alto de gorduras naturais e baixo de carboidratos. A dieta inclui carnes, peixes, ovos e vísceras — alimentos densos em nutrientes — além de priorizar produtos locais, sazonais e minimamente processados.

Essa alimentação respeita ritmos naturais, como ciclos de jejum e variações circadianas, estimulando equilíbrio hormonal e metabólico. Segundo os autores, esse padrão reduz inflamações, melhora o microbioma intestinal e previne doenças metabólicas.

A ligação com o câncer e o metabolismo energético

O artigo também aborda o papel do metabolismo na origem do câncer, retomando a hipótese clássica de Otto Warburg. Células tumorais, explicam os autores, dependem de glicose para crescer. Dietas com alto teor de carboidratos, como a planetária, favorecem esse ambiente. Já a produção de corpos cetônicos em regimes com restrição de carboidratos pode inibir o crescimento tumoral, melhorar a função mitocondrial e até reduzir a necessidade de medicamentos em alguns tratamentos experimentais.

Diversos estudos citados mostram que estratégias baseadas em cetose nutricional — como a dieta cetogênica — têm resultados promissores em câncer, diabetes, obesidade e doenças neurológicas. Esses achados reforçam a necessidade de reconsiderar recomendações universais que ignoram diferenças genéticas e metabólicas entre indivíduos e populações.

Conclusão: o risco da uniformização alimentar

Para os autores, a Dieta Planetária representa uma “simplificação biológica e cultural”. Ao tentar impor um padrão único para todos, ignora a diversidade genética, climática e alimentar que moldou a espécie humana. O estudo conclui que uma alimentação sustentável não deve ser ideológica, mas sim fundamentada na biologia, na evolução e em resultados clínicos concretos.

Em vez de restringir alimentos ancestrais, o futuro da nutrição pode estar em redescobrir o que já funcionou: dietas coerentes com a fisiologia humana e adaptadas ao ambiente local. A verdadeira sustentabilidade, afirmam os autores, não está em negar nossa natureza onívora, mas em harmonizá-la com práticas ecológicas e éticas de produção de alimentos.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s12986-025-01019-7

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