O Dr. Densmore promove uma "dieta exclusiva de carne" para curar a obesidade e comenta como os médicos de família dão conselhos ruins (1892)

Em fins do século XIX, quando a medicina moderna ainda buscava compreender o papel dos alimentos na origem das doenças crônicas, um médico norte-americano chamado Emmet Densmore (1837–1911) desafiou quase toda a ortodoxia médica de sua época. Em seu livro How Nature Cures (1892), ele apresentou uma tese radical: a obesidade, o diabetes e grande parte das enfermidades degenerativas não eram causadas pela gordura da carne, mas sim pelo excesso de carboidratos, especialmente dos grãos e açúcares refinados que se tornavam cada vez mais comuns nas dietas urbanas da era industrial.

Densmore afirmava que a humanidade havia se desviado do padrão natural de alimentação ao basear sua dieta em amidos e farinhas. Para ele, “a natureza não fez o homem para viver de pão”, uma frase que se tornou símbolo de sua crítica ao consumo excessivo de cereais. A partir de observações clínicas, ele passou a recomendar uma alimentação baseada exclusivamente em produtos animais — carnes, ovos e pequenas quantidades de laticínios — como forma de restaurar o metabolismo e reverter o ganho de peso.

Essa abordagem ficou conhecida, na linguagem da época, como uma flesh diet (“dieta de carne”). Em suas palavras, Densmore afirmava que “a carne, e somente ela, contém o alimento em sua forma completa e natural”. Ele argumentava que o corpo humano era melhor adaptado à digestão das proteínas e gorduras animais do que à fermentação dos amidos vegetais, responsáveis, segundo ele, por distúrbios digestivos e acúmulo de gordura corporal.

A crítica aos médicos de família e os erros do aconselhamento convencional

O ponto mais polêmico de Densmore não estava apenas na dieta que propunha, mas em sua crítica direta à conduta dos médicos da época. Ele afirmava que os médicos de família frequentemente adoeciam seus pacientes ao prescrever alimentos “errados”, especialmente os carboidratos considerados “leves” e “saudáveis”.

Segundo ele, a medicina havia se tornado cúmplice da indústria de pães, farinhas e doces — produtos que eram recomendados a pacientes frágeis sob o argumento de serem “fáceis de digerir”. Densmore via nisso um erro fundamental: “Nada é mais destrutivo ao corpo humano do que uma dieta de amidos cozidos e açúcares refinados travestidos de alimento saudável”, escreveu.

Ele chegou a afirmar que a obesidade, então tratada com purgantes e regimes de fome, deveria ser encarada como um distúrbio metabólico de origem alimentar, e não como uma falha moral ou falta de autocontrole. A cura, dizia, não viria de remédios nem de jejuns extremos, mas da retirada completa dos amidos — substituindo-os por carne, gordura e ovos.

A “dieta exclusiva de carne” e os resultados clínicos observados

Em sua prática clínica, Densmore relatava casos de pacientes com obesidade, dispepsia e gota que haviam normalizado o peso e a digestão após adotar a chamada all-meat diet. O método era simples: eliminar cereais, batatas e açúcar, com ênfase em carnes gordas, leite e ovos em quantidades moderadas. A ideia de que uma alimentação rica em gordura poderia promover perda de peso era considerada heresia no final do século XIX, mas Densmore documentava observações que hoje são reconhecidas como indícios precoces de resposta metabólica à restrição de carboidratos.

A lógica por trás de sua teoria antecipava, com surpreendente clareza, conceitos que só seriam consolidados quase um século depois, com os estudos de John Yudkin na década de 1950 e Robert Atkins nos anos 1970. Densmore observava que pacientes que trocavam alimentos farináceos por carnes apresentavam menos fome, maior disposição e redução gradual de peso corporal sem a necessidade de restrição calórica severa.

Essa abordagem o colocou em conflito com a maioria dos médicos de seu tempo, que seguiam as recomendações da escola de Justus von Liebig, defensor da importância dos carboidratos como combustível essencial. Densmore, ao contrário, via a glicose como uma “falsa energia” que escravizava o corpo a um ciclo constante de fome e sonolência.

A influência e o legado histórico

A obra de Densmore não se limitou à obesidade. Ele via a alimentação carnívora como uma ferramenta terapêutica para distúrbios digestivos, fadiga e até doenças mentais. Sua defesa da “dieta natural” o aproximou de outros reformadores da época, como James Salisbury, criador da famosa Salisbury steak — um regime que também prescrevia carne como alimento único. Ambos foram precursores do conceito moderno de dietas cetogênicas e low-carb, embora expressassem essas ideias em linguagem e contexto do século XIX.

A comunidade médica, contudo, o tratou com ceticismo e até sarcasmo. O Lancet e o BMJ publicaram críticas chamando suas recomendações de “excentricidades alimentares”, alegando que uma dieta de carne seria “antinatural e perigosa”. No entanto, com o avanço da fisiologia e da bioquímica, muitas das observações de Densmore ganharam respaldo científico: o papel dos carboidratos simples na resistência à insulina, o impacto da hiperinsulinemia na obesidade e a importância das proteínas e gorduras na saciedade são hoje conceitos amplamente reconhecidos.

Assim, embora marginalizado em seu tempo, Densmore foi um dos primeiros médicos a propor uma explicação metabólica para a obesidade — e a oferecer um tratamento dietético coerente com essa hipótese. Sua visão de que a medicina muitas vezes falha por se afastar da natureza permanece, em essência, uma crítica atual.

Considerações finais

A leitura de How Nature Cures permite compreender que o debate sobre alimentação e obesidade não começou nas últimas décadas. Já no século XIX, médicos como Emmet Densmore percebiam que o corpo humano responde melhor a alimentos integrais e naturais, ricos em proteína e gordura, do que às formulações industriais baseadas em amido. Sua crítica à medicina convencional — por prescrever aquilo que o mercado produzia, e não o que o organismo precisava — continua sendo um alerta pertinente.

Mais de um século depois, sua “dieta exclusiva de carne” deixou de ser vista apenas como uma excentricidade e passou a inspirar novos estudos sobre restrição de carboidratos, cetose e metabolismo energético. Densmore pode ter sido um herético em seu tempo, mas sua heresia antecipou descobertas que hoje sustentam uma das áreas mais estudadas da nutrição moderna.

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