O estudo publicado na Frontiers in Nutrition (Rolands et al., 2025) investigou, de forma inédita, quais combinações e proporções de alimentos proteicos seriam capazes de fornecer aminoácidos e micronutrientes em quantidade adequada dentro de refeições predominantemente vegetais. O foco foi identificar o equilíbrio ideal entre diferentes grupos de proteínas — grãos, leguminosas, oleaginosas, soja e fontes animais — considerando não apenas a quantidade total de proteína, mas sua qualidade e biodisponibilidade.
Deficiências observadas em refeições estritamente vegetais
Os autores constataram que as refeições compostas apenas por alimentos vegetais apresentaram graves limitações nutricionais, mesmo quando otimizadas matematicamente para atingir o máximo possível de qualidade proteica (PDCAAS = 1). Entre os principais problemas encontrados estão:
- Deficiência de aminoácidos essenciais: grãos, sementes e castanhas são pobres em lisina; leguminosas carecem de aminoácidos sulfurados (metionina e cisteína). Nenhum grupo vegetal isolado consegue suprir adequadamente todos os aminoácidos indispensáveis.
- Baixa digestibilidade e absorção: a presença de antinutrientes, principalmente fitatos, reduz a absorção de ferro, zinco e cálcio. Mesmo nos cenários mais equilibrados, as refeições veganas não atingiram o limite mínimo de biodisponibilidade de ferro recomendado pela OMS (< 1:1 na razão fitato:ferro).
- Carência de micronutrientes críticos: todas as simulações mostraram níveis insuficientes de vitamina B12, vitamina D, iodo, EPA e DHA, nutrientes praticamente ausentes em fontes vegetais não fortificadas.
- Dependência excessiva da soja: para alcançar a pontuação máxima de qualidade proteica, foi necessário incluir de 30 a 50% da proteína total proveniente de alimentos à base de soja. Essa alta dependência indica falta de diversidade nutricional e aumenta o risco de ingestão excessiva de fitoestrógenos e antinutrientes.
- Desequilíbrio energético: refeições com alta proporção de soja e leguminosas apresentaram baixo teor de ferro e cálcio e excesso de carboidratos (26 a 41% da energia total), o que pode comprometer o controle glicêmico e dificultar a saciedade.
Comparação com modelos vegetarianos e semivegetarianos
Quando os pesquisadores introduziram pequenas quantidades de proteína animal — como ovos, leite, peixe ou carne — os resultados melhoraram significativamente:
- A inclusão de 30% a 40% de proteína animal elevou o conteúdo de cálcio, ferro, zinco e vitamina B12.
- As razões fitato:ferro e fitato:zinco diminuíram, indicando melhor absorção mineral.
- A variedade alimentar pôde ser reduzida, mantendo alta qualidade proteica sem depender exclusivamente da soja.
Mesmo assim, notou-se que refeições com excesso de proteína vegetal (acima de 70%) continuaram apresentando risco de deficiência mineral e menor digestibilidade.
Conclusões
A principal conclusão do trabalho é que nenhum padrão 100% vegetal conseguiu atingir simultaneamente qualidade proteica, biodisponibilidade mineral e equilíbrio nutricional. Entre os desfechos negativos observados:
- Risco elevado de anemias por deficiência de ferro e vitamina B12.
- Possível baixa densidade de cálcio e consequente impacto na saúde óssea.
- Absorção deficiente de zinco, afetando imunidade e metabolismo hormonal.
- Dependência de suplementação e fortificação para atingir níveis adequados de micronutrientes.
- Alta carga de fitatos e oxalatos, comprometendo digestibilidade e absorção.
Os autores reforçam que o simples aumento de leguminosas e cereais não resolve essas deficiências, pois a matriz vegetal limita a biodisponibilidade de nutrientes. Em contraste, a presença de quantidades moderadas de alimentos animais melhora a qualidade proteica e a absorção de minerais sem comprometer metas ambientais.
Implicações para recomendações alimentares
O estudo sugere que, para manter um padrão majoritariamente vegetal sem riscos nutricionais, pelo menos 30% das proteínas devem vir de fontes animais ou de soja de alta qualidade. Mesmo assim, deficiências de vitamina B12, D, EPA e DHA persistem sem suplementação. Além disso, a elevada proporção de fitatos torna as dietas veganas mais vulneráveis a deficiências ocultas que podem não se manifestar de imediato, mas comprometem a saúde a longo prazo.
Em resumo, o modelo matemático mostra que, apesar de ser possível formular refeições vegetais teoricamente adequadas em proteína, os desfechos nutricionais reais continuam inferiores aos obtidos com a inclusão moderada de alimentos de origem animal, especialmente no que diz respeito à biodisponibilidade de ferro, zinco, cálcio e aminoácidos essenciais.
