A ligação entre o metabolismo da glicose, o microambiente celular e as infecções virais


Nos últimos anos, a ciência vem revelando que a forma como o corpo humano utiliza a glicose — principal combustível energético — tem papel decisivo na maneira como vírus se instalam e se multiplicam no organismo. O artigo publicado em 2025 no periódico Virulence demonstrou que diversos vírus, como o da gripe, o da dengue, o HIV, o da hepatite B e o SARS-CoV-2, conseguem alterar o metabolismo da glicose das células humanas para garantir energia e se reproduzir com mais eficiência.

Como o vírus muda o ambiente celular

Ao invadir o corpo, o vírus manipula o microambiente celular, que é o conjunto de células, proteínas, moléculas sinalizadoras e matriz extracelular que sustentam e coordenam as funções do tecido.
Durante a infecção, o vírus interfere nessa rede, alterando a adesão entre as células, a comunicação química e a produção de substâncias inflamatórias. Essas mudanças favorecem sua sobrevivência e reduzem a capacidade de defesa do hospedeiro.

Vírus como o da hepatite B e o da COVID-19, por exemplo, ativam ou bloqueiam rotas químicas dentro das células de defesa, desviando energia e recursos que normalmente seriam usados para combater a infecção.

O metabolismo da glicose como alvo

Dentro das células, a glicose é convertida em energia por três grandes rotas metabólicas: glicólise, ciclo do ácido cítrico (TCA) e via das pentoses fosfato (PPP). Diversos vírus alteram essas rotas para seu próprio benefício, acelerando a glicólise — processo que transforma glicose em ácido lático — mesmo quando há oxigênio suficiente.
Essa mudança gera mais energia rápida e moléculas necessárias para a construção de novas partículas virais.

Entre os principais mecanismos observados estão:

  • Aumento da glicólise e produção de lactato, o que facilita a replicação viral e suprime respostas imunes.
  • Alteração da função das mitocôndrias, prejudicando a regulação da morte celular e o equilíbrio energético.
  • Desvio de aminoácidos e gorduras, para sustentar a síntese de proteínas e membranas virais.

Como isso afeta o sistema imunológico

O sistema imunológico depende fortemente do metabolismo energético. Células como linfócitos e macrófagos precisam de glicose para se multiplicar e produzir moléculas de defesa. Quando o vírus sequestra essa energia, a resposta imune se torna menos eficiente.
Além disso, o acúmulo de lactato — subproduto da glicólise — inibe a produção de interferons, que são proteínas cruciais para conter a replicação viral. Isso foi observado em infecções por hepatite B, dengue e COVID-19.

Exemplos observados

  • Hepatite B (HBV): ativa enzimas que aumentam a produção de energia e reduzem a morte celular, favorecendo a persistência viral.
  • Epstein-Barr (EBV): estimula a glicólise e eleva o ácido lático, facilitando o crescimento de células tumorais e a permanência do vírus.
  • Dengue (DENV): reprograma o metabolismo celular para gerar mais energia e causar inflamação intensa.
  • SARS-CoV-2: aumenta o uso de glicose e ativa o fator HIF-1α, que intensifica a inflamação e está ligado à gravidade da doença em pessoas com glicemia alta.

O papel da glicose na gravidade das infecções

A hiperglicemia — comum em pessoas com diabetes ou alta ingestão de carboidratos — cria um ambiente metabólico favorável à multiplicação viral. O excesso de glicose estimula a produção de energia via glicólise, que também gera lactato e radicais livres, ampliando inflamações e prejudicando o sistema imunológico.

Estudos mostram que, em modelos de infecção por SARS-CoV-2, dengue e influenza, reduzir a disponibilidade de glicose pode diminuir a replicação viral. Por outro lado, manter níveis altos de açúcar no sangue aumenta a produção de citocinas inflamatórias e agrava o quadro clínico.

Estratégias alimentares baseadas em evidências

A literatura científica recente sugere que o controle metabólico por meio da dieta é uma ferramenta potente para reduzir o risco e a gravidade de infecções virais. As abordagens mais promissoras envolvem restrição de carboidratos e melhoria da sensibilidade à insulina.

1. Dieta de baixo carboidrato (Low-Carb)
Estudos em humanos e modelos experimentais indicam que dietas com menor ingestão de carboidratos — e maior proporção de gorduras naturais e proteínas — reduzem a glicemia e os níveis de insulina, dificultando o acesso viral à principal fonte de energia.
Com menos glicose disponível, as células passam a usar gordura como combustível, diminuindo a glicólise e a produção de lactato, o que limita as condições necessárias à replicação viral.

2. Dieta cetogênica (Cetogenic Diet)
Pesquisas do Yale School of Medicine (Goldberg et al., 2020) mostraram que uma dieta cetogênica aumenta a eficiência imunológica e reduz inflamações pulmonares em modelos de gripe, ao estimular a produção de corpos cetônicos que modulam a resposta imune e preservam a integridade mitocondrial.
Em humanos, padrões alimentares que induzem leve cetose nutricional ajudam a estabilizar o metabolismo energético e a reduzir mediadores inflamatórios como IL-6 e TNF-α, frequentemente elevados em infecções virais graves.

3. Controle da glicose pós-prandial
Manter intervalos entre refeições, evitar lanches constantes e reduzir alimentos ultraprocessados e açucarados ajuda a evitar picos glicêmicos e de insulina. Esse controle reduz a ativação de vias metabólicas como PI3K/Akt/mTOR, frequentemente exploradas por vírus para se multiplicar.

4. Enfoque em fontes naturais de energia
Alimentos ricos em gorduras de boa qualidade (como ovos, carne, peixe, azeite e abacate) sustentam o metabolismo sem estimular o excesso de glicose. A estabilidade energética reduz o estresse oxidativo e melhora a função mitocondrial — aspectos essenciais para um sistema imune equilibrado.

Considerações finais

O artigo reforça que o metabolismo da glicose é um campo-chave no entendimento das infecções virais. Controlar a glicemia e reduzir a dependência de glicose como principal combustível pode ser uma forma eficaz de prevenir a progressão de doenças infecciosas e otimizar a resposta do organismo.

Dietas de baixo carboidrato e cetogênicas, quando bem conduzidas, demonstram benefícios consistentes: estabilizam a glicose, reduzem inflamações e fortalecem a imunidade celular. Embora a nutrição por si só não substitua tratamentos antivirais, ela representa uma poderosa aliada no manejo metabólico e imunológico das infecções virais contemporâneas.

Fonte: https://doi.org/10.1080/21505594.2025.2554302

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