Durante muito tempo se acreditou que as tábuas de corte de plástico eram mais higiênicas do que as de madeira. A ideia se consolidou em manuais de segurança alimentar e recomendações oficiais, mas a literatura científica aponta em outra direção. Em 1994, pesquisadores da Universidade de Wisconsin–Madison publicaram no Journal of Food Protection um estudo experimental que comparou a persistência de bactérias em tábuas de plástico e madeira. Mais recentemente, novas evidências ampliaram essa discussão ao incluir o risco da liberação de microplásticos pelas superfícies plásticas, adicionando uma dimensão de preocupação toxicológica além da microbiológica.
Resultados do estudo clássico sobre contaminação bacteriana
O trabalho de Ak, Cliver e Kaspar avaliou tábuas de madeira (nove espécies de madeiras duras) e de plástico (quatro polímeros diferentes e borracha dura). Os blocos foram contaminados experimentalmente com Escherichia coli O157:H7, Listeria monocytogenes e Salmonella typhimurium, em caldo nutritivo ou no suco de frango cru, e analisados após intervalos de minutos a horas.
- Tábuas plásticas: as bactérias eram facilmente recuperadas por várias horas e, quando deixadas de um dia para o outro, chegavam a se multiplicar.
- Tábuas de madeira: o líquido contaminante era rapidamente absorvido (3–10 minutos) e, com cargas compatíveis às encontradas em carnes cruas, os microrganismos não eram mais recuperados da superfície. Mesmo com cargas muito elevadas, houve redução superior a 98% e frequentemente acima de 99,9% após 12 horas.
- O tratamento da madeira com óleo mineral não alterou os resultados.
- A conclusão dos autores foi clara: não há respaldo científico para a ideia de que o plástico é mais seguro do que a madeira em termos de contaminação bacteriana.
Evidências atuais sobre risco de microplásticos
Nas últimas décadas, novos estudos trouxeram outra preocupação relacionada às tábuas plásticas: a liberação de microplásticos durante o uso cotidiano.
- Pesquisa publicada em 2023 na revista Environmental Science & Technology demonstrou que tábuas de polietileno e polipropileno liberam milhões de partículas microscópicas durante o corte de alimentos, especialmente vegetais como cenouras. A estimativa de exposição anual para uma pessoa varia de 7,4 g a 50,7 g de microplásticos a partir de tábuas de polietileno, podendo chegar a 49,5 g nas de polipropileno. Em termos de partículas, isso corresponde a dezenas de milhões ingeridas por ano (PubMed).
- Estudos experimentais em animais sugerem que a ingestão de microplásticos pode causar inflamação intestinal, alterações no microbioma e efeitos no fígado. Ainda que os efeitos em humanos estejam em fase de investigação, partículas plásticas já foram detectadas em sangue, pulmões e leite materno, o que evidencia a ampla exposição populacional (ACS, EHN).
- Até o momento, não existe evidência de benefício associado à ingestão dessas partículas, e seu acúmulo tem sido correlacionado a processos inflamatórios e riscos cardiovasculares em estudos observacionais.
Comparação entre madeira e plástico
- Madeira: reduz a recuperação de bactérias na superfície, não libera microplásticos e permanece como opção tradicional segura quando bem higienizada.
- Plástico: mantém microrganismos ativos na superfície por horas e libera microplásticos, adicionando um risco químico e físico além do microbiológico.
Assim, quando se consideram tanto os dados clássicos sobre contaminação bacteriana quanto as evidências atuais sobre microplásticos, as tábuas de madeira apresentam vantagens claras no contexto doméstico.
Conclusão
O estudo clássico de 1994 já havia demonstrado que o plástico não era superior à madeira em termos de segurança microbiológica, e pesquisas recentes reforçam essa conclusão ao mostrar que as tábuas plásticas são ainda uma fonte significativa de exposição a microplásticos. Portanto, as recomendações modernas em segurança alimentar precisam reconhecer que a escolha do material deve ir além da praticidade, considerando também a exposição cumulativa a contaminantes invisíveis, com potencial impacto na saúde.
Fonte: https://doi.org/10.4315/0362-028X-57.1.16
