O relatório EAT-Lancet, lançado em 2019, ganhou grande repercussão ao apresentar a proposta de uma “dieta planetária”. Essa dieta foi concebida com dois objetivos principais: melhorar a saúde da população mundial e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto ambiental da produção de alimentos.
Segundo os autores, a adoção desse modelo poderia prevenir milhões de mortes e frear as mudanças climáticas. Mas, quando analisamos mais profundamente o conteúdo do relatório e seus desdobramentos, percebemos que a narrativa não é tão sólida quanto parece.
O que é a dieta EAT-Lancet
A chamada “dieta planetária” tem como base a redução drástica do consumo de alimentos de origem animal — como carne vermelha, ovos e laticínios — e a valorização de alimentos vegetais, como grãos, frutas, legumes, oleaginosas e leguminosas.
De acordo com as recomendações:
- O consumo de carne vermelha deveria ser limitado a cerca de 14g por dia.
- Os laticínios ficariam restritos a 250g por dia.
- A base da alimentação seria formada por cereais integrais, vegetais e leguminosas.
Essa proposta foi apresentada como “universal”, ou seja, como se pudesse ser aplicada igualmente a diferentes culturas, países e realidades socioeconômicas.
Onde a proposta falha
1. Fragilidade das evidências
Grande parte da base científica do EAT-Lancet vem de estudos observacionais, que apenas identificam correlações. Por exemplo, observar que populações que comem mais carne apresentam mais doenças não significa que a carne seja a causa — outros fatores de estilo de vida podem estar envolvidos.
2. Riscos superestimados
Os aumentos de risco apresentados (10 a 20%) são muito baixos. Em epidemiologia, números assim podem ser facilmente explicados por viés, erro estatístico ou fatores não controlados. Mesmo assim, foram tratados como prova definitiva de que a carne é prejudicial.
3. Riscos nutricionais ignorados
A restrição de alimentos de origem animal pode levar à deficiência de nutrientes cruciais, entre eles:
- Vitamina B12: essencial para o sistema nervoso, só encontrada em alimentos animais.
- Ferro heme: mais bem absorvido do que o ferro de vegetais.
- Zinco: importante para imunidade.
- Proteínas completas: fornecidas de forma ideal por carnes e ovos.
- EPA e DHA (ômega-3): encontrados em peixes, fundamentais para o cérebro.
Populações vulneráveis, como crianças, gestantes e idosos, são as mais expostas a esses riscos.
4. Conflitos de interesse e seletividade
O relatório aponta ligações de críticos com a “indústria da carne”, mas pouco fala dos interesses de grandes corporações de ultraprocessados, óleos vegetais e proteínas artificiais que se beneficiariam da redução global de alimentos animais.
5. Estratégia de silenciamento
O documento associado Meat vs EAT-Lancet Report criou uma lista de 20 perfis rotulados como “mis-influenciadores”, acusados de espalhar desinformação por criticarem a dieta. Em vez de dialogar com os argumentos, a estratégia foi deslegitimar pessoas.
Evidências científicas que questionam o EAT-Lancet
As críticas não vêm apenas de opiniões, mas também de estudos publicados em revistas científicas de alto impacto:
- Deficiências nutricionais em dietas vegetais: revisão sistemática mostrou maior risco de deficiência em B12, ferro, zinco, cálcio e iodo, além de menor densidade óssea em vegetarianos e veganos (PMC8746448).
- Carne vermelha como fonte de nutrientes: revisão destacou o papel benéfico da carne na biodisponibilidade de ferro e zinco, fundamentais para saúde populacional (DOI:10.1016/j.animal.2024.100987).
- Evidências inconsistentes em doenças cardiovasculares: meta-análise de ensaios clínicos não mostrou relação consistente entre consumo moderado de carne vermelha e aumento de risco cardiovascular (DOI:10.1161/CIRCULATIONAHA.118.035225).
- Relatos de dietas carnívoras: estudo com milhares de praticantes da dieta carnívora mostrou relatos de benefícios em peso, glicemia e doenças autoimunes, com poucos efeitos adversos (DOI:10.1093/cdn/nzab133).
- Falhas nos cálculos do EAT-Lancet: análises independentes mostraram que, corrigindo os modelos, os benefícios estimados caem drasticamente, ficando comparáveis a medidas simples como prevenir obesidade e desnutrição (PMC7198286).
- Aplicabilidade universal questionável: críticos apontam que a proposta ignora diferenças culturais, econômicas e nutricionais, e pode ser inviável em vários contextos (The Lancet).
Quem são os “influenciadores da desinformação” perseguidos
Entre os 20 perfis atacados pelo relatório, destacam-se:
- Dr. Shawn Baker (@SBakerMD): médico ortopedista e atleta, defensor da dieta carnívora. Autor de The Carnivore Diet, compartilha resultados pessoais e de pacientes.
- Nina Teicholz (@bigfatsurprise): jornalista investigativa, autora de The Big Fat Surprise, que expôs falhas nas diretrizes nutricionais oficiais.
- Dr. Ken Berry (@KenDBerryMD): médico de família, autor de Lies My Doctor Told Me, com foco em redução de carboidratos.
- Prof. Frédéric Leroy (@fleroy1974): cientista belga que pesquisa o papel cultural e nutricional da carne.
- Prof. Frank Mitloehner (@GHGGuru): pesquisador da Universidade da Califórnia, especialista em emissões agropecuárias e práticas regenerativas.
- Dr. Jason Fung (@drjasonfung): nefrologista canadense, referência no uso clínico do jejum intermitente.
- Dr. Georgia Ede (@GeorgiaEdeMD): psiquiatra, estuda os efeitos da alimentação na saúde mental.
- Dr. Garry Fettke (@FructoseNo): ortopedista australiano, crítico do excesso de açúcar e ultraprocessados.
- Diana Rodgers (@SustainableDish): nutricionista e documentarista do filme Sacred Cow, defensora da pecuária regenerativa.
- Prof. Tim Noakes (@ProfTimNoakes): cientista sul-africano renomado, com mais de 750 artigos, defensor das dietas low-carb.
Essas vozes têm em comum a divulgação de dados clínicos, experiências reais e alternativas sustentáveis, baseadas em evidências, não em ideologias ou interesses corporativos.
Lições e reflexões
- A ciência precisa de debate: desacreditar opositores não fortalece a ciência, apenas a enfraquece.
- Dietas globais exigem flexibilidade: culturas, ecossistemas e economias são diversos demais para uma receita única.
- A nutrição é multifatorial: não é possível isolar alimentos individuais como vilões sem considerar contexto.
- Sustentabilidade não significa eliminar carne: práticas de pecuária regenerativa podem restaurar solos, preservar biodiversidade e capturar carbono.
- O direito de escolha deve ser respeitado: impor uma dieta universal ignora tradições culturais e necessidades regionais.
Conclusão
O EAT-Lancet buscou unir saúde e sustentabilidade em um único modelo alimentar, mas cometeu falhas sérias:
- apoiou-se em evidências frágeis,
- ignorou nutrientes essenciais,
- subestimou diferenças regionais,
- e tentou silenciar vozes críticas.
Enquanto isso, médicos, cientistas e comunicadores rotulados como "influenciadores da desinformação" oferecem informações embasadas, experiências clínicas e alternativas sustentáveis. Eles representam a verdadeira essência da ciência: questionar, investigar e debater abertamente.
Silenciar essas vozes não traz progresso. A ciência só avança com pluralidade, transparência e diálogo honesto.
Referências
- Meat vs EAT-Lancet Report – Full English PDF
- Activist tactics and the discrediting of scientists – Aleph 2020
- Vegetarian and vegan diets and risks of deficiencies – PMC8746448
- Animal board invited review: The contribution of red meat
- Effects of Red Meat Intake on Cardiovascular Risk Factors – DOI:10.1161/CIRCULATIONAHA.118.035225
- Behavioral Characteristics of Carnivore Diet Adherents
- The EAT-Lancet Commission’s Dietary Composition May Not Provide Enough Nutrients – PMC7198286
- Unacceptable use of substandard metrics in policy – Nature
- The EAT-Lancet Commission: a flawed approach? – The Lancet

