Nos últimos anos, avanços na ciência de dados e no estudo do genoma humano vêm revelando pistas importantes sobre o que pode estar por trás dessa doença. Dois trabalhos recentes se destacam:
- Um estudo publicado na Nature Medicine que, pela primeira vez, utilizou inteligência artificial para integrar dados detalhados do intestino, do sangue e do sistema imune, conectando-os diretamente aos sintomas relatados pelos pacientes.
- O DecodeME, o maior estudo genético já realizado na área, que identificou oito regiões do DNA associadas à doença, apontando para vias de defesa contra infecções e outros mecanismos biológicos.
Quando olhamos para essas descobertas em conjunto, percebemos que a ME/CFS é multissistêmica e altamente variável entre indivíduos. Isso significa que não existe uma única “assinatura” biológica para todos os casos — mas sim padrões que podem ser mapeados e usados no futuro para personalizar diagnósticos e tratamentos.
Nesta análise, vamos explicar passo a passo o que cada estudo encontrou e, ao final, discutiremos — com base nas melhores evidências disponíveis sobre dietas de baixo carboidrato e na experiência clínica do grupo húngaro Paleomedicina — como a Paleolithic Ketogenic Diet (PKD) poderia, de forma ainda hipotética e sob supervisão, ser explorada como parte de uma estratégia personalizada para alguns pacientes.
Primeiro estudo: análise avançada com inteligência artificial (Nature Medicine, 2025)
Este estudo acompanhou 249 pessoas durante quatro anos — 153 com ME/CFS e 96 saudáveis — coletando informações detalhadas sobre:
- Microbioma intestinal (bactérias e outros microrganismos no intestino).
- Metabolismo (moléculas presentes no sangue, como gorduras, aminoácidos e ácidos biliares).
- Sistema imunológico (células e substâncias ligadas à defesa do corpo).
- Sintomas e qualidade de vida.
Principais descobertas
- Relação entre intestino, metabolismo e imunidade: As análises mostraram que alterações no microbioma estavam ligadas a mudanças no metabolismo (por exemplo, variação em gorduras e ácidos biliares) e à ativação de células imunológicas específicas, chamadas MAIT e γδT, que produzem substâncias inflamatórias como IFN-γ e granzima A.
- Sintomas associados a essas alterações: Pessoas com maior ativação dessas vias tinham mais fadiga, pior sono, percepção de saúde mais baixa e menos participação social.
- Evolução individual: A doença não segue um padrão fixo. O perfil biológico e os sintomas variam de pessoa para pessoa e também mudam ao longo do tempo.
- Conclusão central: Não existe um único exame ou marcador que sirva para diagnosticar todos os casos. É preciso integrar diferentes tipos de dados para entender o que está acontecendo em cada paciente.
Segundo estudo: investigação genética em larga escala – DecodeME (2025)
Este é o maior estudo genético já feito sobre ME/CFS. Foram analisadas amostras de DNA de 21.620 pessoas com a doença, comparadas com grandes bases de dados da população geral.
Principais descobertas
- Foram identificadas oito regiões no DNA associadas à ME/CFS.
- Essas regiões estão próximas de genes ligados à resposta contra infecções e à regulação do sistema imunológico.
- A presença dessas variações genéticas pode aumentar a susceptibilidade a desenvolver a doença, especialmente após infecções virais ou bacterianas.
- Os achados foram confirmados em outros grandes bancos de dados, como o UK Biobank.
O que os dois estudos mostram juntos
Quando unimos as descobertas, vemos que:
- Há predisposição genética em alguns indivíduos, especialmente em genes relacionados à resposta imune.
- O intestino e o sistema imunológico estão intimamente ligados na evolução da doença.
- O metabolismo energético está alterado, com mudanças no uso de gorduras, ácidos biliares e possivelmente na função mitocondrial.
- A doença é heterogênea — cada pessoa pode ter um conjunto diferente de alterações, exigindo avaliação e manejo individualizados.
Possibilidades de tratamento
Nenhum dos dois estudos testou tratamentos diretamente.
No entanto, ao identificar quais sistemas do corpo estão alterados — intestino, imunidade e metabolismo — abre-se espaço para estratégias que atuem nesses alvos. Uma dessas estratégias, que vem sendo estudada em outras doenças crônicas e inflamatórias, é a dieta paleolítica cetogênica (PKD), desenvolvida pelo grupo húngaro Paleomedicina.
O que é a dieta PKD
A PKD é uma variação da dieta carnívora que segue regras específicas:
- 100% de alimentos de origem animal (carnes, vísceras, ovos e gorduras animais).
- Proporção gordura:proteína de 2:1 em peso, para manter cetose nutricional estável.
- Exclusão total de vegetais, fibras, laticínios com lactose e óleos vegetais.
- Uso de cortes gordos e vísceras para garantir aporte nutricional completo.
- Objetivo: reduzir inflamação, restaurar a integridade intestinal e otimizar a produção de energia celular.
Evidências da Paleomedicina
Embora ainda não haja ensaios clínicos randomizados em ME/CFS, o grupo húngaro publicou séries de casos e relatos clínicos mostrando:
- Remissão sustentada de doenças autoimunes como doença de Crohn, colite ulcerativa e artrite reumatoide.
- Normalização de marcadores inflamatórios (como proteína C reativa) e metabólicos (como glicemia e triglicerídeos).
- Melhora significativa de sintomas neurológicos e de fadiga em alguns casos.
- Recuperação documentada de função intestinal em exames de permeabilidade.
Ligando os achados científicos da ME/CFS aos mecanismos da PKD
1. Intestino e microbioma
- Evidência: Disbiose, alteração de ácidos biliares e piora de sintomas.
- PKD: Elimina fibras e antinutrientes, estabiliza microbioma, melhora integridade intestinal.
2. Sistema imunológico
- Evidência: Ativação de células MAIT e γδT e produção elevada de citocinas inflamatórias.
- PKD: Reduz gatilhos alimentares inflamatórios, mantém glicemia estável, modula imunidade via cetose.
3. Metabolismo energético e mitocôndrias
- Evidência: Alterações no uso de gorduras e glicose, possível disfunção mitocondrial.
- PKD: Fornece corpos cetônicos como energia eficiente, reduz estresse oxidativo e aumenta clareza mental.
4. Susceptibilidade genética
- Evidência: Genes ligados à resposta imune e infecções.
- PKD: Modula expressão gênica via epigenética e reduz inflamação sistêmica.
Conclusão
A ME/CFS é uma doença real, com alterações biológicas bem documentadas em genética, imunidade, metabolismo e microbioma. A dieta PKD, embora ainda não testada diretamente em grandes estudos clínicos para essa condição, apresenta mecanismos e resultados em outras doenças que sugerem potencial para trazer benefícios. Trata-se de uma estratégia promissora, que deve ser aplicada com acompanhamento profissional e adesão rigorosa.
Fonte: https://doi.org/10.1038/s41591-025-03788-3 e https://doi.org/10.1101/2025.08.06.25333109

