Síndrome da Fadiga Crônica: o que a ciência revelou e como a dieta PKD pode ser uma estratégia promissora

A encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica (Myalgic encephalomyelitis ME/Chronic Fatigue Syndrome CFS)   é uma condição debilitante, caracterizada por fadiga intensa e persistente que não melhora com repouso e que piora após esforço físico ou mental. Apesar de afetar milhões de pessoas no mundo, ainda é mal compreendida, com diagnóstico difícil e sem tratamento específico comprovado.

Nos últimos anos, avanços na ciência de dados e no estudo do genoma humano vêm revelando pistas importantes sobre o que pode estar por trás dessa doença. Dois trabalhos recentes se destacam:

  1. Um estudo publicado na Nature Medicine que, pela primeira vez, utilizou inteligência artificial para integrar dados detalhados do intestino, do sangue e do sistema imune, conectando-os diretamente aos sintomas relatados pelos pacientes.
  2. O DecodeME, o maior estudo genético já realizado na área, que identificou oito regiões do DNA associadas à doença, apontando para vias de defesa contra infecções e outros mecanismos biológicos.

Quando olhamos para essas descobertas em conjunto, percebemos que a ME/CFS é multissistêmica e altamente variável entre indivíduos. Isso significa que não existe uma única “assinatura” biológica para todos os casos — mas sim padrões que podem ser mapeados e usados no futuro para personalizar diagnósticos e tratamentos.

Nesta análise, vamos explicar passo a passo o que cada estudo encontrou e, ao final, discutiremos — com base nas melhores evidências disponíveis sobre dietas de baixo carboidrato e na experiência clínica do grupo húngaro Paleomedicina — como a Paleolithic Ketogenic Diet (PKD) poderia, de forma ainda hipotética e sob supervisão, ser explorada como parte de uma estratégia personalizada para alguns pacientes.


Primeiro estudo: análise avançada com inteligência artificial (Nature Medicine, 2025)

Este estudo acompanhou 249 pessoas durante quatro anos — 153 com ME/CFS e 96 saudáveis — coletando informações detalhadas sobre:

  • Microbioma intestinal (bactérias e outros microrganismos no intestino).
  • Metabolismo (moléculas presentes no sangue, como gorduras, aminoácidos e ácidos biliares).
  • Sistema imunológico (células e substâncias ligadas à defesa do corpo).
  • Sintomas e qualidade de vida.

Principais descobertas

  • Relação entre intestino, metabolismo e imunidade: As análises mostraram que alterações no microbioma estavam ligadas a mudanças no metabolismo (por exemplo, variação em gorduras e ácidos biliares) e à ativação de células imunológicas específicas, chamadas MAIT e γδT, que produzem substâncias inflamatórias como IFN-γ e granzima A.
  • Sintomas associados a essas alterações: Pessoas com maior ativação dessas vias tinham mais fadiga, pior sono, percepção de saúde mais baixa e menos participação social.
  • Evolução individual: A doença não segue um padrão fixo. O perfil biológico e os sintomas variam de pessoa para pessoa e também mudam ao longo do tempo.
  • Conclusão central: Não existe um único exame ou marcador que sirva para diagnosticar todos os casos. É preciso integrar diferentes tipos de dados para entender o que está acontecendo em cada paciente.

Segundo estudo: investigação genética em larga escala – DecodeME (2025)

Este é o maior estudo genético já feito sobre ME/CFS. Foram analisadas amostras de DNA de 21.620 pessoas com a doença, comparadas com grandes bases de dados da população geral.

Principais descobertas

  • Foram identificadas oito regiões no DNA associadas à ME/CFS.
  • Essas regiões estão próximas de genes ligados à resposta contra infecções e à regulação do sistema imunológico.
  • A presença dessas variações genéticas pode aumentar a susceptibilidade a desenvolver a doença, especialmente após infecções virais ou bacterianas.
  • Os achados foram confirmados em outros grandes bancos de dados, como o UK Biobank.

O que os dois estudos mostram juntos

Quando unimos as descobertas, vemos que:

  1. Há predisposição genética em alguns indivíduos, especialmente em genes relacionados à resposta imune.
  2. O intestino e o sistema imunológico estão intimamente ligados na evolução da doença.
  3. O metabolismo energético está alterado, com mudanças no uso de gorduras, ácidos biliares e possivelmente na função mitocondrial.
  4. A doença é heterogênea — cada pessoa pode ter um conjunto diferente de alterações, exigindo avaliação e manejo individualizados.

Possibilidades de tratamento

Nenhum dos dois estudos testou tratamentos diretamente.
No entanto, ao identificar quais sistemas do corpo estão alterados — intestino, imunidade e metabolismo — abre-se espaço para estratégias que atuem nesses alvos. Uma dessas estratégias, que vem sendo estudada em outras doenças crônicas e inflamatórias, é a dieta paleolítica cetogênica (PKD), desenvolvida pelo grupo húngaro Paleomedicina.

O que é a dieta PKD

A PKD é uma variação da dieta carnívora que segue regras específicas:

  • 100% de alimentos de origem animal (carnes, vísceras, ovos e gorduras animais).
  • Proporção gordura:proteína de 2:1 em peso, para manter cetose nutricional estável.
  • Exclusão total de vegetais, fibras, laticínios com lactose e óleos vegetais.
  • Uso de cortes gordos e vísceras para garantir aporte nutricional completo.
  • Objetivo: reduzir inflamação, restaurar a integridade intestinal e otimizar a produção de energia celular.

Evidências da Paleomedicina

Embora ainda não haja ensaios clínicos randomizados em ME/CFS, o grupo húngaro publicou séries de casos e relatos clínicos mostrando:

  • Remissão sustentada de doenças autoimunes como doença de Crohn, colite ulcerativa e artrite reumatoide.
  • Normalização de marcadores inflamatórios (como proteína C reativa) e metabólicos (como glicemia e triglicerídeos).
  • Melhora significativa de sintomas neurológicos e de fadiga em alguns casos.
  • Recuperação documentada de função intestinal em exames de permeabilidade.

Ligando os achados científicos da ME/CFS aos mecanismos da PKD

1. Intestino e microbioma

  • Evidência: Disbiose, alteração de ácidos biliares e piora de sintomas.
  • PKD: Elimina fibras e antinutrientes, estabiliza microbioma, melhora integridade intestinal.

2. Sistema imunológico

  • Evidência: Ativação de células MAIT e γδT e produção elevada de citocinas inflamatórias.
  • PKD: Reduz gatilhos alimentares inflamatórios, mantém glicemia estável, modula imunidade via cetose.

3. Metabolismo energético e mitocôndrias

  • Evidência: Alterações no uso de gorduras e glicose, possível disfunção mitocondrial.
  • PKD: Fornece corpos cetônicos como energia eficiente, reduz estresse oxidativo e aumenta clareza mental.

4. Susceptibilidade genética

  • Evidência: Genes ligados à resposta imune e infecções.
  • PKD: Modula expressão gênica via epigenética e reduz inflamação sistêmica.

Conclusão

A ME/CFS é uma doença real, com alterações biológicas bem documentadas em genética, imunidade, metabolismo e microbioma. A dieta PKD, embora ainda não testada diretamente em grandes estudos clínicos para essa condição, apresenta mecanismos e resultados em outras doenças que sugerem potencial para trazer benefícios. Trata-se de uma estratégia promissora, que deve ser aplicada com acompanhamento profissional e adesão rigorosa.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41591-025-03788-3 e https://doi.org/10.1101/2025.08.06.25333109

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