Contexto histórico
Na década de 1970, os Estados Unidos e, em seguida, o Reino Unido estabeleceram diretrizes nacionais para reduzir a gordura alimentar com o objetivo de diminuir a incidência de doenças cardíacas. As metas eram claras: limitar o consumo total de gordura a 30% das calorias diárias e a gordura saturada a 10%. Apesar do impacto populacional dessas medidas — 220 milhões de americanos e 56 milhões de britânicos —, as próprias publicações oficiais reconheciam que as evidências não eram conclusivas. Ainda assim, prevaleceu um “consenso de opinião” que não se baseou em ensaios clínicos robustos.
Objetivo do estudo
Este trabalho examinou todas as evidências disponíveis até 1983 em ensaios clínicos randomizados (ECRs) que relacionassem modificação de gordura na dieta, colesterol sérico e desfechos de mortalidade por todas as causas e por doença coronariana (CHD). A meta foi verificar se os dados sustentavam as recomendações então implementadas.
Metodologia
- Critérios de inclusão: ECRs com intervenção dietética visando reduzir ou modificar gorduras ou colesterol; adultos; duração mínima de 1 ano; dados de mortalidade e colesterol disponíveis.
- Fontes: MEDLINE, Cochrane Library e outras bases, com busca até 1983.
- Ensaios incluídos: 6 ECRs, totalizando 2.467 homens (nenhuma mulher), sendo 5 de prevenção secundária e 1 misto (primária e secundária).
- Intervenções: substituição de gorduras saturadas por óleos vegetais, dietas com aproximadamente 20% de gordura ou com teor reduzido de gordura saturada.
- Análise: meta-análise com modelo de efeitos aleatórios, avaliação de heterogeneidade e viés de publicação.
Resultados principais
Mortalidade por todas as causas
- 370 mortes no grupo intervenção e 370 no controle (RR = 0,996; IC95%: 0,865–1,147).
- Sem diferença estatisticamente significativa.
Mortalidade por CHD
- 207 mortes no grupo intervenção e 216 no controle (RR = 0,989; IC95%: 0,784–1,247).
- Também sem diferença significativa.
Colesterol sérico
- Redução média maior nos grupos intervenção (−12,6%) do que nos controles (−6,5%).
- Essa queda não se traduziu em redução de mortalidade.
Observações relevantes
- Apenas um ensaio testou diretamente um consumo de gordura saturada ≤10%.
- Em alguns estudos, o grupo intervenção apresentou mais mortes do que o controle.
- Todos os ensaios tinham apenas homens, em geral com histórico prévio de doença cardíaca.
- Não houve ensaios de prevenção primária robustos nem inclusão de mulheres.
Conclusões
- As diretrizes de 1977 (EUA) e 1983 (Reino Unido) não se basearam em evidências de ECRs que demonstrassem benefício em mortalidade ou prevenção de CHD.
- Reduzir gordura total ou saturada diminuiu colesterol, mas não reduziu o risco de morte.
- A implementação afetou centenas de milhões de pessoas sem suporte científico sólido à época.
- Segundo os autores, essas diretrizes não apenas necessitam de revisão — elas não deveriam ter sido introduzidas.
