Restrição proteica aumenta FGF21 e eleva a necessidade de energia para manter o peso corporal


Durante décadas, a nutrição concentrou seus debates na quantidade e na qualidade de gorduras e carboidratos consumidos. A proteína, embora reconhecida como essencial para construção e manutenção da massa muscular, envelhecimento saudável e recuperação, recebeu menor atenção em estudos populacionais de longo prazo. Tradicionalmente, dietas mais ricas em proteína são consideradas benéficas para controle de peso e preservação da massa magra, especialmente em idosos e durante processos de emagrecimento.

No entanto, estudos recentes sugerem que a redução da ingestão proteica, desde que dentro dos níveis mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 0,83 g por quilo de peso corporal por dia, pode induzir adaptações metabólicas interessantes, principalmente por meio do hormônio FGF21 (Fibroblast Growth Factor 21). Esse hormônio é produzido no fígado e atua como regulador energético, aumentando o gasto calórico e influenciando a sensibilidade à insulina.

A pesquisa publicada em março de 2025 na revista Nature Metabolism avaliou de forma controlada como dietas com restrição proteica afetam o metabolismo, o peso corporal e o tecido adiposo em homens jovens, saudáveis e magros. Os resultados trouxeram novas perspectivas sobre como a proteína participa da regulação energética do organismo.

Como o estudo foi conduzido

Os pesquisadores organizaram três experimentos, todos com dietas planejadas para manter o peso (dieta eucalórica):

Estudo 1 – Refeição aguda e intervenção com carboidratos:

  • Homens saudáveis receberam uma refeição habitual rica em proteína (16% das calorias) e, em outro momento, uma refeição com baixo teor proteico (8%), mas mais rica em carboidratos.
  • Após essa fase, seguiram 5 semanas com uma dieta de baixa proteína e alta em carboidratos.
Estudo 2 – Comparação de longo prazo com carboidratos:
  • Outro grupo de homens consumiu por 5 semanas uma dieta pobre em proteína e rica em carboidratos, seguida de 5 semanas de retorno à dieta habitual com mais proteína.

Estudo 3 – Comparação de longo prazo com gordura:

  • Neste caso, a groteína também foi reduzida, mas substituída por gordura ao invés de carboidratos, por 5 semanas.
  • Após esse período, os participantes voltaram à dieta com maior teor proteico.

Durante todas as intervenções, o nível de atividade física foi mantido constante e as calorias foram ajustadas diariamente para evitar variações de peso indesejadas.


Principais resultados

1. Mais energia necessária para manter o peso

  • Em apenas 7 a 10 dias de dieta pobre em proteína, os participantes precisaram aumentar a ingestão calórica em 19 a 21% para evitar emagrecimento.
  • Esse aumento ocorreu mesmo sem mudanças na atividade física.
  • Ainda assim, alguns voluntários tiveram uma discreta perda de peso (~1 kg).
  • Quando voltaram à dieta mais proteica, a necessidade de energia voltou a cair, evitando ganho de peso.

2. Elevação acentuada de FGF21

  • O hormônio FGF21 aumentou entre 208% e 361% após 5 semanas de restrição proteica.
  • Quando a proteína foi reintroduzida, seus níveis retornaram rapidamente ao normal.
  • Houve uma correlação clara: quanto maior o FGF21, maior a necessidade de energia para manter o peso.

3. Sensibilidade à insulina

  • Na dieta com baixa proteína + carboidratos, a sensibilidade à insulina melhorou em 16%.
  • Na dieta com baixa proteína + gordura, a sensibilidade foi mantida estável.
  • Não houve prejuízo no controle da glicemia, mesmo com alto consumo de gordura.

4. Alterações no tecido adiposo

  • Foram observadas mudanças no funcionamento das mitocôndrias (as “usinas de energia” das células de gordura).
  • Proteínas envolvidas no transporte de elétrons (complexos I a IV da cadeia respiratória) foram aumentadas.
  • Proteínas relacionadas à produção final de energia (complexo V) foram reduzidas.
  • Esse “desacoplamento” levou parte da energia a ser dissipada em forma de calor, em vez de ser armazenada.
  • Estudos com camundongos mostraram que esses efeitos não acontecem na ausência de FGF21, confirmando seu papel central.

Implicações para a saúde

Benefícios potenciais

  • Maior gasto energético natural: a dieta força o corpo a queimar mais calorias, ajudando a prevenir ganho de gordura.
  • Melhora da sensibilidade à insulina: especialmente quando carboidratos substituem proteína, o que pode proteger contra o diabetes tipo 2.
  • Preservação da massa magra: mesmo com menos proteína, os voluntários não perderam músculo ao longo de 5 semanas.
  • Efeito regulador automático: ao retornar a uma dieta habitual com mais proteína, a necessidade energética caiu, evitando ganho de peso.

Limitações e possíveis riscos

  • O estudo foi curto (10 semanas) e apenas com homens jovens; não sabemos se mulheres, idosos ou pessoas com doenças crônicas teriam os mesmos resultados.
  • A redução de proteína não passou abaixo do mínimo da OMS. Dietas com níveis ainda menores poderiam causar perda de massa muscular, fraqueza ou outros problemas de saúde.
  • Não está claro se manter o hormônio FGF21 elevado por muitos anos teria efeitos colaterais em órgãos como fígado, rins ou sistema endócrino.
  • A qualidade dos alimentos que substituem a proteína é crucial: substituir por ultraprocessados ricos em açúcares ou gorduras vegetais refinadas não traria os mesmos benefícios.

Resumindo em linguagem simples

  • Comer menos proteína (mas ainda dentro do mínimo recomendado) fez o corpo gastar mais energia sozinho, como se tivesse “aquecido o motor”.
  • Esse efeito aconteceu porque o corpo aumentou muito o hormônio FGF21, que mexe no metabolismo da gordura e faz parte da energia ser queimada em forma de calor.
  • Além disso, o corpo ficou mais sensível à insulina, o que é bom para controlar o açúcar no sangue.
  • O músculo foi preservado, mostrando que não houve perda de massa magra nesse tempo.
  • Mas ainda não sabemos se seria saudável ou seguro manter esse tipo de dieta por muitos anos.

Tabela: Benefícios e riscos de longo prazo

Benefícios possíveis Riscos / Limitações
Maior gasto calórico natural Falta de estudos longos em humanos
Melhora da sensibilidade à insulina Estudo feito apenas em homens jovens
Preservação de massa magra (curto prazo) Risco de perda muscular se proteína ficar abaixo do mínimo
Regulação automática do peso ao voltar à dieta normal Desconhece-se impacto de FGF21 alto cronicamente
Potencial prevenção do diabetes tipo 2 Dependência da qualidade dos alimentos que substituem proteína


Conclusão

O estudo revela que a proteína não atua apenas na construção muscular, mas também como reguladora da energia do corpo. Reduzir sua ingestão dentro dos limites seguros faz o organismo gastar mais calorias, melhora a sensibilidade à insulina e promove mudanças nas mitocôndrias do tecido adiposo, efeitos mediados pelo hormônio FGF21.

Embora os resultados mostrem benefícios interessantes, ainda não se sabe se a prática é segura a longo prazo. São necessários estudos em diferentes populações e por períodos maiores para compreender as consequências metabólicas dessa estratégia.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s42255-025-01236-7

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