Por que pesquisas com questionários sobre nutrição são tão frágeis?


A ciência da nutrição busca entender como a alimentação influencia a saúde e o risco de doenças. Para isso, pesquisadores precisam saber o que as pessoas realmente comem. O problema é que essa informação quase sempre é coletada por meio de questionários, recordatórios ou diários alimentares, todos baseados no relato do próprio indivíduo. E aí está o ponto frágil: a memória e a percepção das pessoas não são ferramentas confiáveis para medir alimentação.

Principais fragilidades

Memória falha

  • Quando alguém é perguntado sobre o que comeu ontem ou ao longo da semana, muitas vezes não lembra com precisão.
  • Por exemplo: lembrar a quantidade exata de arroz ou de óleo usado na refeição é quase impossível.
Estimativa de porções

  • Poucas pessoas sabem avaliar de forma correta o tamanho de uma porção.
  • O que para uma pessoa pode ser “uma colher de arroz” pode representar o dobro ou a metade do que outra considera.

Variação do dia a dia

  • A alimentação muda muito de um dia para o outro. Registrar apenas um ou poucos dias pode dar uma imagem distorcida do padrão real.

Mudança de comportamento durante o registro

  • Ao preencher um diário alimentar, muitas pessoas passam a alterar o que comem para parecerem mais “saudáveis” ou para simplificar o registro.
  • É comum alguém reduzir doces ou frituras apenas porque está sendo observado.

Subnotificação intencional ou inconsciente

  • Alimentos vistos como “ruins” (doces, fast-food, álcool) tendem a ser omitidos ou subestimados.
  • Já alimentos considerados “saudáveis” (frutas, vegetais) muitas vezes são superestimados.

Conversão em nutrientes

  • Mesmo quando a pessoa anota corretamente, os pesquisadores precisam transformar a descrição (“comi uma maçã”) em calorias e nutrientes.
  • Esse processo usa tabelas padronizadas que não refletem diferenças reais: maçãs variam muito em tamanho, maturação e composição.

O impacto desses erros

Essas falhas não são detalhes pequenos. Elas podem mudar completamente os resultados de uma pesquisa.

  • Durante décadas, acreditou-se que pessoas com obesidade comiam menos energia que pessoas magras, porque seus relatos mostravam ingestões muito baixas.
  • Mais tarde, com medições diretas de gasto energético, descobriu-se que isso era um erro: o problema estava na subnotificação sistemática da ingestão alimentar.

Além disso, quando as pessoas relatam incorretamente não só a quantidade total de comida, mas também a proporção de proteínas, gorduras e carboidratos, os estudos acabam criando associações falsas. Por exemplo, pode parecer que quem consome mais proteína tem maior risco de obesidade, quando na verdade o que existe é erro de relato combinado com maior IMC.

Por que ainda se usam questionários?

Apesar das falhas, esses métodos continuam sendo utilizados porque:

  • São baratos e fáceis de aplicar em milhares de pessoas.
  • Não existem, até hoje, alternativas práticas e acessíveis para medir de forma precisa a dieta de grandes populações.
  • Ferramentas mais confiáveis, como a técnica da água duplamente marcada, são caras e inviáveis em estudos populacionais.

Conclusão

As pesquisas que dependem do relato das pessoas sobre o que comem são frágeis porque memória, percepção e honestidade humana não são instrumentos precisos. O resultado é um alto nível de erro e viés, que pode levar a interpretações equivocadas sobre a relação entre dieta e saúde.

Esse é um dos maiores desafios atuais da ciência da nutrição: como medir com precisão a alimentação real de grandes populações sem depender apenas da lembrança e do relato das pessoas.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s43016-024-01089-5

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