Uma intervenção de saúde metabólica que melhora sintomas de compulsão alimentar e vício em comida


Ao longo das últimas décadas, o crescimento da obesidade e das doenças metabólicas crônicas tem motivado uma busca intensa por estratégias terapêuticas eficazes. No entanto, um aspecto frequentemente negligenciado nas abordagens tradicionais é o componente de compulsão alimentar — um comportamento que se aproxima, em muitos aspectos, do que se observa nos transtornos por uso de substâncias. Neste contexto, um estudo publicado em julho de 2025 na revista Frontiers in Psychiatry lança luz sobre uma alternativa promissora: o programa TOWARD, uma intervenção metabólica que utiliza a redução terapêutica de carboidratos (TCR), jejum intermitente, suporte remoto e estratégias comportamentais para tratar sintomas de vício alimentar e compulsão.

A natureza do vício alimentar

O vício alimentar ainda não é reconhecido oficialmente pelo DSM-V ou CID-10, mas tem sido cada vez mais estudado. Caracteriza-se por dependência física e psicológica a alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e óleos industriais. Escalas como a Yale Food Addiction Scale (YFAS) e sua versão modificada (mYFAS 2.0) têm permitido quantificar sintomas e acompanhar intervenções. Já o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP), esse sim formalmente reconhecido, é marcado por episódios recorrentes de ingestão exagerada de alimentos, geralmente sem compensações como vômitos.

Embora haja sobreposição entre os dois quadros — incluindo impulsividade, dificuldade de controle e alterações de humor induzidas por comida — o vício alimentar e a compulsão são entidades distintas. Um achado importante citado pelos autores é que apenas 57% dos indivíduos com compulsão alimentar apresentam critérios clínicos para vício alimentar.

O programa TOWARD: estrutura e metodologia

Implementado em uma empresa de médio porte nos Estados Unidos, o programa TOWARD reuniu seis pilares para abordar saúde metabólica e comportamentos alimentares desordenados:

  1. Comunicação por texto (sigilosa e estruturada);
  2. Consultas online com equipe clínica multidisciplinar;
  3. Coaching de bem-estar voltado ao comportamento alimentar;
  4. Educação assíncrona com suporte comunitário;
  5. Biofeedback em tempo real (monitoramento de glicemia, cetose, pressão e peso);
  6. Dieta com ênfase em TCR, com menos de 30g de carboidratos ao dia, evitando óleos processados e focando em alimentos integrais e gorduras como manteiga, azeite, ghee e óleo de abacate.

A adesão não exigia contagem calórica e permitia o uso de estratégias de jejum intermitente conforme tolerância individual. Além disso, os participantes foram acompanhados com escalas de avaliação padronizadas (mYFAS, BES, PHQ-9 e GAD-7), além de check-ins frequentes com os profissionais.

Resultados clínicos e psicológicos

Dos 44 participantes, todos tinham alguma condição metabólica diagnosticada e cerca de 23% apresentavam transtornos mentais associados, como depressão ou ansiedade.

  • Melhora nos sintomas de vício alimentar: 45,9% dos participantes reduziram significativamente seus escores mYFAS, com queda média de 40,7%.
  • Melhora na compulsão alimentar: 81,1% reduziram seus escores BES, com queda média de 34,7%.
  • Diagnóstico formal de vício alimentar: apenas dois dos sete casos persistiram após a intervenção.
  • Efeitos colaterais: foram mínimos, limitando-se a constipação ou câimbras resolvidas com ajustes nutricionais.

Esses resultados foram obtidos sem uso de medicações ou substitutos alimentares industrializados, diferentemente de programas convencionais baseados em restrição calórica intensa.

Comparação com outras abordagens

O estudo destaca que intervenções farmacológicas para compulsão, como lisdexanfetamina (LDX), topiramato (TPM) ou semaglutida (SEMA), embora eficazes, apresentam taxas elevadas de efeitos adversos, incluindo insônia, ansiedade, dores de cabeça e hipertensão. Em contraste, o TOWARD alcançou resultados comparáveis com menos riscos e maior adesão.

Por exemplo, em um estudo com LDX, 84% dos participantes relataram efeitos adversos como boca seca, insônia e irritabilidade. Já com SEMA, os índices de desistência por efeitos colaterais variaram de 37% a 81%. O TOWARD, ao focar em educação nutricional, adaptação metabólica e suporte comportamental, apresentou menor risco de abandono e melhor tolerância.

Além disso, a melhora nos escores de vício alimentar não se correlacionou diretamente com perda de peso, sugerindo que o efeito foi comportamental e neurometabólico, e não apenas reflexo da restrição calórica.

Limitações e perspectivas futuras

Entre as limitações do estudo estão o tamanho amostral reduzido (n=44), ausência de grupo controle, variabilidade nos tempos de seguimento e possível viés de autoseleção (participantes mais motivados podem ter aderido com mais facilidade). Além disso, por ter sido realizado em um ambiente corporativo com adultos segurados, os achados não podem ser generalizados para outras populações, como adolescentes ou pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Ainda assim, o estudo reforça o potencial da intervenção TOWARD como alternativa segura, prática e eficaz para redução de comportamentos alimentares compulsivos. Ele também contribui para o reconhecimento crescente de que estratégias nutricionais bem fundamentadas — como a redução terapêutica de carboidratos — podem impactar positivamente não só os marcadores metabólicos, mas também sintomas de dependência e saúde mental.

Fonte: https://doi.org/10.3389/fpsyt.2025.1612551

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