Da glicose à modificação de histonas: implicações para humanos das respostas metabólicas sexuais específicas à terapia cetogênica


Os estudos pré-clínicos em animais, como o artigo recentemente publicado por Moss et al. (2025), têm ganhado destaque por revelar diferenças sexuais fundamentais nas respostas metabólicas e epigenéticas à dieta cetogênica. Embora este trabalho tenha sido realizado em camundongos VM/Dk, suas conclusões trazem importantes implicações para humanos, que merecem atenção cuidadosa quando se considera a aplicação clínica de terapias cetogênicas.

Diferenças metabólicas entre sexos: o que isso significa para humanos?

O estudo demonstrou que fêmeas de camundongos apresentaram níveis significativamente mais altos de corpos cetônicos (beta-hidroxibutirato) em resposta à dieta cetogênica em comparação aos machos. Além disso, elas mantiveram níveis de glicose mais baixos e insulina reduzida ao longo do tempo, sugerindo uma maior sensibilidade metabólica e flexibilidade para alternar entre substratos energéticos.

Em humanos, evidências anteriores já indicam tendências semelhantes: mulheres, especialmente antes da menopausa, tendem a ter maior sensibilidade à insulina e maior capacidade de produção de corpos cetônicos durante restrição de carboidratos ou jejum. Isso pode estar relacionado à maior proporção de massa gorda e menor massa magra nas mulheres, além da influência de hormônios como o estrogênio, que melhora a ação da insulina e favorece a utilização de gordura como combustível.

Esses achados sugerem que mulheres podem atingir estados de cetose de forma mais eficiente do que homens, o que tem impacto direto no desenho de dietas cetogênicas personalizadas. Para homens, alcançar o mesmo grau de cetose pode demandar maior restrição de carboidratos ou intervenções adicionais, como uso de suplementos cetônicos.

Implicações para tratamentos de doenças

Na prática clínica, essas diferenças podem ter repercussões importantes:

  • Tratamento de câncer: O estudo sugere que mulheres podem alcançar níveis mais elevados de cetose, o que poderia potencialmente aumentar o "estresse metabólico" sobre tumores que dependem de glicose (efeito Warburg), aumentando a eficácia terapêutica da dieta cetogênica.
  • Controle glicêmico e sensibilidade à insulina: Como observado no trabalho, machos apresentaram tendência a manter níveis mais elevados de glicose mesmo sob restrição de carboidratos, o que reflete um padrão observado em humanos, em que homens apresentam maior predisposição à resistência à insulina e síndrome metabólica.
  • Riscos e monitoramento: As diferenças hormonais e fisiológicas também sugerem que mulheres e homens podem ter diferentes perfis de efeitos colaterais e tolerância à dieta cetogênica prolongada. Por exemplo, a perda de peso rápida e modificações endócrinas podem ser mais pronunciadas nas mulheres, enquanto homens poderiam requerer acompanhamento mais rigoroso da glicemia e resistência insulínica.

Epigenética e adaptações diferenciais

O estudo também mostrou alterações específicas em modificações epigenéticas (marcadores como acetilação e metilação de histonas) nos tecidos cerebrais e musculares dos camundongos, com respostas distintas entre machos e fêmeas. Em humanos, essas modificações epigenéticas podem estar associadas a efeitos de longo prazo da dieta cetogênica, incluindo possíveis diferenças sexuais na proteção neuronal, função cognitiva e adaptação muscular.

Por exemplo:

  • No hipocampo, região ligada à memória e cognição, machos mostraram maior ativação de marcas epigenéticas associadas a cromatina aberta e potencial aumento de expressão gênica sob cetose. Em humanos, isso poderia indicar diferentes impactos neurológicos da dieta cetogênica entre os sexos.
  • No músculo esquelético, as mulheres mostraram maior atividade basal de marcas epigenéticas pró-anabólicas em dieta padrão, mas essa vantagem desapareceu ou se inverteu em dieta cetogênica, sugerindo que o impacto da dieta na função muscular pode ser diferente entre homens e mulheres.

Considerações para medicina personalizada

O conjunto de achados reforça um princípio essencial: a terapia nutricional, incluindo dietas cetogênicas, não pode ser "tamanho único". As diferenças biológicas entre homens e mulheres influenciam não apenas a resposta metabólica, mas também adaptações epigenéticas e potencial de efeitos colaterais. Portanto, quando aplicadas a humanos, terapias cetogênicas devem ser ajustadas de acordo com o sexo, considerando:

  • Estado hormonal (ex.: fase da vida reprodutiva da mulher)
  • Composição corporal (massa magra e massa gorda)
  • Metabolismo basal e histórico clínico (resistência insulínica prévia, presença de síndrome metabólica)
  • Objetivos terapêuticos específicos (ex.: controle glicêmico, suporte oncológico, neuroproteção)

Além disso, o acompanhamento clínico pode precisar ser distinto, com monitoramento mais frequente de marcadores como cetonas, glicemia e perfil hormonal conforme o sexo biológico.

Conclusão

O estudo de Moss et al. oferece um alerta importante: as respostas à dieta cetogênica são moduladas de forma significativa por diferenças biológicas entre os sexos, e isso provavelmente se aplica também a humanos. Assim, a personalização das intervenções nutricionais com base no sexo, composição corporal e contexto metabólico é essencial para maximizar benefícios terapêuticos e minimizar riscos, principalmente em áreas sensíveis como oncologia e doenças metabólicas.

Essas observações fortalecem o conceito de "nutrição de precisão", em que protocolos dietéticos são desenvolvidos considerando as características individuais, incluindo sexo, para garantir intervenções mais eficazes e seguras.

Fonte: https://doi.org/10.3389/fnut.2025.1554743

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