Associação entre consumo de ovos e alterações isquêmicas maiores e menores no eletrocardiograma: um estudo populacional


No cenário da saúde cardiovascular global, onde doenças cardiovasculares continuam sendo uma das principais causas de mortalidade, cresce o interesse por entender o papel da alimentação na proteção ou predisposição a esses eventos. Dentre os alimentos frequentemente questionados, os ovos ocupam um lugar central devido ao seu conteúdo em colesterol, mesmo sendo reconhecidos como fonte acessível de proteínas, vitaminas e minerais essenciais.

Neste contexto, pesquisadores da Mashhad University of Medical Sciences, no Irã, desenvolveram um estudo transversal envolvendo 5.928 adultos, sem histórico prévio de doença cardiovascular, com idades entre 35 e 65 anos, participantes do estudo Mashhad Stroke and Heart Atherosclerotic Disorder (MASHAD). O objetivo foi avaliar a associação entre o consumo de ovos e alterações eletrocardiográficas (ECG) isquêmicas — classificadas como maiores ou menores segundo o sistema Minnesota Coding (MC) — que são reconhecidas como marcadores precoces de risco cardiovascular.

Para isso, os participantes foram divididos em quatro grupos conforme o número semanal de ovos consumidos: menos de 1, 1-2, 2-4 e mais de 4 ovos por semana. Foram coletados dados sociodemográficos, hábitos de vida, condições crônicas como hipertensão, diabetes e dislipidemia, e o perfil lipídico de cada participante. As análises estatísticas ajustaram os dados para variáveis potenciais de confusão como idade, índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura, nível de atividade física, tabagismo, presença de doenças crônicas e ingestão alimentar.

O principal resultado do estudo revelou que homens que consumiam mais de 4 ovos por semana apresentaram cerca de 40% menos probabilidade de apresentar alterações isquêmicas maiores no ECG quando comparados àqueles que consumiam menos de 1 ovo semanalmente (OR 0,60; IC95% 0,39–0,93). Esse achado se manteve significativo mesmo após ajustes para fatores demográficos, comportamentais e dietéticos. Curiosamente, essa associação benéfica não foi observada entre as mulheres. Além disso, o estudo não encontrou relação significativa entre consumo de ovos e alterações isquêmicas menores, independentemente do sexo.

Do ponto de vista dos marcadores bioquímicos, os indivíduos que relataram maior consumo de ovos apresentaram menores níveis de colesterol total, HDL e triglicerídeos, com tendência significativa de redução proporcional ao aumento no consumo, mas sem alteração significativa no LDL.

A interpretação dos autores sugere que a redução de alterações isquêmicas maiores no ECG entre homens que consomem ovos pode ter relação com efeitos metabólicos específicos dos componentes dos ovos, como aminoácidos sulfurados e antioxidantes naturais, que podem inibir processos ateroscleróticos, além de potenciais diferenças hormonais e de metabolismo lipídico entre os sexos.

Ainda assim, eles ressaltam que, apesar do tamanho amostral robusto e do rigor metodológico — que incluiu padronização de avaliações dietéticas e ajuste para múltiplos fatores de confusão —, algumas limitações devem ser reconhecidas: a natureza observacional do estudo impede estabelecer causalidade; os dados dietéticos dependem de recordatório alimentar, sujeito a vieses de memória; e a ausência de informações detalhadas sobre medicamentos que poderiam influenciar o metabolismo lipídico.

Esses resultados somam-se ao debate científico em curso, que apresenta conclusões heterogêneas sobre os efeitos do consumo de ovos na saúde cardiovascular. Enquanto alguns estudos anteriores reportaram associação neutra ou mesmo aumento no risco cardiovascular em subgrupos populacionais, este trabalho destaca um potencial efeito protetor específico para homens e particularmente sobre alterações eletrocardiográficas que antecipam eventos clínicos maiores.

Por fim, os autores defendem que novos estudos, preferencialmente de natureza prospectiva e intervencionista, sejam realizados para explorar os mecanismos biológicos que possam explicar a associação observada, considerando fatores hormonais, padrões alimentares, diferenças culturais e susceptibilidade individual. Somente assim será possível traduzir esses achados em recomendações dietéticas mais precisas e personalizadas.

Fonte: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC12229173/

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