Consumo de carboidratos e mortalidade relacionada à cirrose: um estudo de coorte prospectivo


A cirrose hepática, caracterizada pela substituição progressiva do tecido saudável do fígado por tecido cicatricial, é uma condição crônica frequentemente associada a prognóstico reservado. Entre as medidas terapêuticas recomendadas, a alimentação tem papel central, com orientações tradicionais enfatizando o consumo elevado de carboidratos, na tentativa de compensar o catabolismo proteico e evitar o jejum noturno. No entanto, as evidências que sustentam tais recomendações ainda são limitadas, especialmente em relação ao impacto de diferentes tipos de carboidratos na evolução clínica desses pacientes.

Em busca de respostas mais claras, um grupo de pesquisadores iranianos conduziu um estudo de coorte prospectivo, acompanhando 121 pacientes ambulatoriais recém-diagnosticados com cirrose hepática durante quatro anos. O objetivo foi investigar a associação entre consumo total e tipos específicos de carboidratos e o risco de mortalidade relacionada à cirrose. A ingestão alimentar foi avaliada por meio de um questionário de frequência alimentar validado, detalhando o consumo de açúcares simples (como glicose, frutose, sacarose, lactose) e carboidratos totais. Os dados foram rigorosamente ajustados para fatores de confusão como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC), tabagismo, etilismo, gravidade da doença e etiologia da cirrose.

Os resultados foram reveladores: pacientes que sobreviveram durante o acompanhamento apresentaram menor ingestão de açúcares simples, incluindo glicose, frutose e sacarose, em comparação com aqueles que vieram a falecer. Curiosamente, a ingestão de lactose, proveniente predominantemente de laticínios, foi discretamente maior entre os sobreviventes. Após ajustes completos, constatou-se que maiores consumos de carboidratos totais (HR = 1,76; IC 95%: 1,05–3,3), açúcar (HR = 4,9; IC 95%: 1,5–11,2), glicose (HR = 3,4; IC 95%: 1,2–10), frutose (HR = 1,6; IC 95%: 1,02–3) e sacarose (HR = 2,2; IC 95%: 1,2–4) estavam associados a aumento significativo no risco de mortalidade relacionada à cirrose. Em contraste, a maior ingestão de lactose mostrou associação inversa (HR = 0,65; IC 95%: 0,3–0,92), sugerindo um possível efeito protetor.

Esses achados ganham importância à luz do papel metabólico da frutose, que, diferentemente da glicose, é metabolizada quase exclusivamente no fígado, favorecendo a lipogênese de novo e promovendo inflamação hepática, resistência à insulina e progressão de doenças hepáticas gordurosas não alcoólicas (NAFLD). Além disso, a frutose pode comprometer a integridade da barreira intestinal, favorecendo a translocação de endotoxinas e agravando a inflamação sistêmica, um mecanismo crítico na progressão da cirrose.

Por outro lado, o consumo de lactose, presente em laticínios, pareceu se associar a melhor prognóstico, possivelmente devido ao aporte conjunto de nutrientes como proteínas de alto valor biológico, cálcio, vitamina D e componentes bioativos com potencial anti-inflamatório e de suporte à massa muscular. Fermentados lácteos, como iogurte, ainda oferecem benefícios adicionais modulando o eixo intestino-fígado, reduzindo translocação bacteriana e contribuindo para melhor resposta imune.

Apesar dos achados consistentes, o estudo apresenta limitações relevantes: uso de questionário de frequência alimentar único na linha de base, sem captura de alterações dietéticas ao longo do tempo; tamanho amostral relativamente modesto com apenas 43 mortes registradas; ausência de avaliação da composição corporal e da gordura visceral, fatores que poderiam influenciar os resultados; além da natureza observacional, que impede a inferência causal. Também se destaca que a população estudada estava concentrada em dois centros hospitalares iranianos, o que pode limitar a generalização dos dados para outras populações com padrões alimentares e epidemiológicos distintos.

Ainda assim, as conclusões convergem com recomendações atuais de sociedades científicas, como a EASL e a ESPEN, que sugerem restrição de carboidratos simples em pacientes cirróticos, especialmente nos que apresentam sobrepeso ou comorbidades metabólicas, mantendo adequado aporte energético total e atenção especial ao consumo de proteínas.

Diante dessas evidências, torna-se pertinente a revisão crítica das orientações dietéticas tradicionais para pacientes com cirrose, que frequentemente incluem alto consumo de carboidratos e açúcares, incluindo frutas ricas em frutose. Estratégias que privilegiam redução de açúcares simples e potencialmente incremento de fontes alimentares com lactose, como derivados lácteos fermentados, podem oferecer benefícios relevantes, devendo ser consideradas na prática clínica individualizada, sempre com acompanhamento especializado.

Em suma, este estudo reforça a necessidade de olhar criticamente para o papel da dieta na evolução da cirrose e indica que um padrão alimentar com menor carga de carboidratos simples e adequado aporte de proteína e nutrientes bioativos pode contribuir para um melhor prognóstico dos pacientes.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s13104-025-07382-1

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