Gorduras poli-insaturadas são mais cetogênicas que as saturadas?


A capacidade de diferentes tipos de gordura induzirem a produção de corpos cetônicos — processo conhecido como cetogênese — é um aspecto central no entendimento das dietas cetogênicas. Enquanto os triglicerídeos de cadeia média (TCM) são amplamente reconhecidos por sua eficiência na indução de cetose, um debate recente tem ganhado espaço: as gorduras poli-insaturadas (PUFAs) seriam mais cetogênicas que as gorduras saturadas? E, mais importante, quais são as implicações de saúde dessa escolha?

1. Evidência clínica: PUFAs induzem mais cetose que gorduras saturadas

Em um ensaio clínico randomizado conduzido por Fuehrlein et al. (2004), vinte adultos saudáveis seguiram dietas cetogênicas isocalóricas por cinco dias, com uma diferença fundamental: a fonte predominante de gordura. Um grupo consumiu uma dieta cetogênica rica em gorduras saturadas (SAT), e o outro em poli-insaturadas (PUFA).

Os resultados mostraram que os níveis de β-hidroxibutirato — principal cetona circulante — aumentaram de forma mais expressiva no grupo PUFA (0,06 para 0,84 mmol/L) do que no grupo SAT (0,06 para 0,31 mmol/L). Além disso, o grupo PUFA apresentou:

  • Melhora na sensibilidade à insulina
  • Redução da insulinemia de jejum
  • Estabilidade do perfil lipídico

Já o grupo com gordura saturada apresentou aumento no colesterol total e LDL.

Fonte: https://doi.org/10.1210/jc.2003-031796

2. Estudos complementares com óleo de peixe e PUFAs específicas

Estudos recentes indicam que a inclusão de PUFAs de cadeia longa, especialmente os ácidos graxos ômega-3 do óleo de peixe (EPA e DHA), favorece ainda mais a cetogênese em dietas com restrição de carboidratos.

Um estudo publicado em Scientific Reports (2024) demonstrou que ratos alimentados com dieta cetogênica enriquecida com óleo de peixe apresentaram maior produção de β-hidroxibutirato em comparação com aqueles alimentados com dietas cetogênicas convencionais. Os autores destacam o papel pró-cetogênico dos ômega-3, sem os efeitos pró-inflamatórios de outras gorduras.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41598-024-55167-6

3. Revisão metabólica: destino hepático de PUFA vs saturadas

Revisões metabólicas apontam que PUFAs como o ácido linoleico (ômega-6) e o ácido α-linolênico (ômega-3) são mais facilmente oxidados no fígado do que ácidos graxos saturados, favorecendo sua conversão em corpos cetônicos.

Além disso, PUFAs não dependem tanto da carnitina para transporte mitocondrial, facilitando a entrada no ciclo de beta-oxidação. Isso explica, em parte, a cetogênese mais rápida observada em dietas com maior teor de gordura poli-insaturada.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.plefa.2003.11.002

4. Impacto na saúde: equilíbrio entre efeito cetogênico e riscos metabólicos

Embora as PUFAs possam estimular a produção de cetonas de forma mais eficiente e rápida do que as gorduras saturadas, é fundamental considerar os efeitos de longo prazo à saúde associados ao consumo elevado de cada tipo de gordura.

PUFAs (poli-insaturadas):

  • Quando obtidas de fontes naturais (como peixe, frutos do mar e ovos caipiras), os ácidos graxos ômega-3 demonstram efeitos anti-inflamatórios e proteção cardiovascular.
  • Entretanto, o excesso de PUFA ômega-6, especialmente de fontes industriais (óleos vegetais refinados como soja, milho, canola), está associado a:

Maior estresse oxidativo

Disfunção mitocondrial

Potencial inflamatório crônico em níveis elevados

Gorduras saturadas:

  • Embora por muito tempo tenham sido associadas ao aumento de LDL-colesterol, evidências recentes apontam que o impacto sobre o risco cardiovascular depende do contexto alimentar completo, especialmente da presença de carboidratos refinados.
  • Um estudo publicado na Nature Medicine (2023), que analisou padrões alimentares em três grandes coortes norte-americanas, apontou que dietas com menor consumo de gordura saturada, associadas a menor ingestão de alimentos ultraprocessados e maior densidade nutricional, estiveram relacionadas a menor incidência de doenças cardiovasculares e mortalidade.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41591-023-02235-5

5. Aplicações clínicas: uso estratégico da PUFA para cetose rápida

A informação de que as gorduras poli-insaturadas promovem maior produção de cetonas pode ser utilizada de forma estratégica e pontual, por exemplo:

  • Durante a transição para a dieta cetogênica
  • Em fases iniciais de adaptação metabólica
  • Em situações clínicas específicas que requerem rápida indução de cetose (ex: epilepsia refratária, Alzheimer)

Entretanto, o uso prolongado de dietas ricas em PUFA — especialmente de fontes industriais — pode ter implicações adversas à saúde. Assim, o tipo de gordura utilizada para promover cetose deve considerar não apenas a eficiência cetogênica imediata, mas também os efeitos sistêmicos e inflamatórios de longo prazo.

6. Comparação final: eficiência cetogênica e impacto metabólico

Tipo de gordura Capacidade cetogênica Efeitos metabólicos a longo prazo Evidência principal
PUFA (ômega-3, óleo de peixe) Alta Anti-inflamatório, melhora da sensibilidade à insulina Scientific Reports (2024)
PUFA (ômega-6 de óleos vegetais) Alta (curto prazo) Potencial inflamatório se consumido em excesso ScienceDirect – COCNMC
Gorduras saturadas (manteiga, carne) Moderada Neutro ou benéfico se consumido em alimentos não processados Fuehrlein et al. (2004)
Saturadas em padrão alimentar não saudável Baixa Aumentam risco cardiovascular Nature Medicine (2023)


Conclusão

As gorduras poli-insaturadas, especialmente os ácidos graxos essenciais ômega-3, demonstram ser mais cetogênicas do que as gorduras saturadas, promovendo maior elevação de corpos cetônicos no curto prazo. Essa propriedade pode ser útil em estratégias clínicas específicas ou fases de indução da cetose.

No entanto, a escolha da gordura não deve se basear unicamente em sua capacidade cetogênica, mas também em seu impacto global na saúde metabólica. PUFAs de alta qualidade (ex: EPA e DHA) podem ser benéficas, enquanto o excesso de ômega-6 de óleos refinados deve ser evitado. Gorduras saturadas, por sua vez, quando consumidas em alimentos não processados e em dietas com baixo carboidrato, não demonstram risco cardiovascular aumentado.

Portanto, a eficiência cetogênica das PUFAs pode ser aproveitada pontualmente, mas o equilíbrio e a origem das gorduras permanecem fundamentais para promover saúde a longo prazo.

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