O crescimento da massa muscular esquelética pode ter um impacto muito maior na saúde metabólica do que se imaginava até recentemente. Um novo artigo de revisão publicado no periódico Sports Medicine em 2025 investigou se o aumento da massa muscular — um fenômeno conhecido como hipertrofia muscular — poderia reduzir a gordura corporal e melhorar o controle glicêmico tanto em humanos quanto em animais. Os resultados, baseados em uma análise sistemática de 122 estudos, apontam que sim: o aumento da massa muscular está consistentemente associado à redução de gordura e melhora de parâmetros glicêmicos.
Obesidade e Diabetes: Epidemias Globais
Atualmente, mais de 1,9 bilhão de pessoas no mundo vivem com sobrepeso, das quais mais de 650 milhões são obesas. O número de diabéticos ultrapassa 529 milhões, sendo que mais de 95% apresentam diabetes tipo 2. Os tratamentos convencionais incluem dieta hipocalórica, atividade física e medicamentos, como agonistas do receptor GLP-1 (ex.: semaglutida), que reduzem o apetite e promovem perda de peso. No entanto, muitos desses tratamentos causam também perda de massa muscular, o que é prejudicial, especialmente em idosos.
O Papel Central do Músculo Esquelético
O músculo esquelético é o principal tecido responsável pela captação de glicose estimulada por insulina após as refeições — cerca de 75% da glicose consumida é absorvida pelos músculos. Ele também expressa transportadores como GLUT4 e é o principal local de armazenamento de glicogênio. Dado esse papel central, um aumento de massa muscular pode teoricamente melhorar o metabolismo da glicose e reduzir a adiposidade, o que levou os autores a revisar sistematicamente a literatura científica para testar essa hipótese.
O Que Mostra a Revisão Sistemática
Dados em Humanos
Nos 99 estudos analisados com humanos:
- Um aumento médio de 2,7% na massa muscular foi associado a uma redução média de 4,1% na massa gorda.
- Quando induzida apenas por medicamentos (sem exercício), a hipertrofia média foi de 4,1%, com redução de 8,9% da gordura.
- Quando induzida por treino de resistência, a hipertrofia foi menor (2,3%), com queda média de 3% da gordura.
- Estudos que combinaram fármacos e exercício mostraram os melhores resultados: 4,7% de ganho muscular e 9,6% de redução da gordura.
Quanto ao controle glicêmico:
- Um aumento de 3,3% da massa muscular se associou à redução média de 5,8% da glicose em jejum.
- A hemoglobina glicada (HbA1c) caiu em média 4,1% em relação ao valor basal, o que pode representar uma queda de 0,3 pontos percentuais absolutos (ex: de 8,0% para 7,7%).
- O efeito foi mais pronunciado em pessoas com obesidade e em idosos.
Dados em Animais
Nos 23 estudos com animais:
- A hipertrofia induzida (média de 17,7% de aumento de massa muscular) resultou em 23,7% de redução na gordura.
- Mutações genéticas como a deleção do gene da miostatina causaram até 50% de perda de gordura em alguns modelos.
- A melhora da glicemia também foi consistente, com queda média de 16,1% na glicose sanguínea.
Como a Hipertrofia Muscular Pode Gerar Esses Benefícios?
Os autores discutem duas vias principais:
- Sinalização intertecidual (via hormonal): Músculos liberam substâncias chamadas miocinas que afetam positivamente o metabolismo. Um exemplo é a redução da miostatina (um inibidor do crescimento muscular), que por si só já melhora o perfil metabólico.
- “Roubo metabólico”: Músculos em crescimento absorvem mais glicose e aminoácidos da corrente sanguínea, reduzindo a disponibilidade desses nutrientes para o tecido adiposo. Esse mecanismo anabólico diminui a gordura corporal e melhora o metabolismo da glicose.
Implicações Clínicas
Embora o exercício já seja recomendado para pessoas com obesidade e diabetes, as diretrizes clínicas ainda não reconhecem explicitamente a hipertrofia muscular como um alvo terapêutico primário. Este estudo propõe que a indução do crescimento muscular — seja por treino, fármacos ou ambos — deveria ser vista como uma estratégia com potencial clínico para tratar obesidade e diabetes tipo 2.
O uso de medicamentos como o bimagrumabe, que bloqueia o receptor da miostatina, mostrou bons resultados em ensaios clínicos, com redução de 7,5 kg de gordura corporal e aumento de 1,7 kg de massa magra em 48 semanas. Ao contrário de drogas como a semaglutida, o bimagrumabe promove perda de gordura sem perda muscular, o que pode representar uma vantagem terapêutica importante.
Conclusões
O aumento da massa muscular esquelética, seja por meio de treino de resistência ou por medicamentos, promove reduções significativas na gordura corporal e melhora o controle glicêmico. A hipertrofia muscular não deve ser vista apenas como um objetivo estético ou atlético, mas como uma potente ferramenta terapêutica no manejo das doenças metabólicas.
Programas de intervenção futuros devem considerar não apenas o peso corporal total, mas também as mudanças de massa muscular e massa gorda, mensuradas por DEXA ou bioimpedância. A reavaliação de drogas atualmente negligenciadas ou associadas ao doping (como testosterona, agonistas β2 e inibidores da miostatina) pode abrir novos caminhos terapêuticos para pacientes com obesidade e diabetes tipo 2.
Fonte: https://doi.org/10.1007/s40279-025-02263-w