Em um cenário clínico desafiador, onde pacientes com carcinoma de células claras metastático do rim geralmente enfrentam um prognóstico limitado, um relato de caso publicado em 2025 trouxe nova luz sobre uma abordagem complementar pouco explorada: a terapia metabólica cetogênica (KMT, na sigla em inglês). O estudo conduzido por Acevedo e Zapata Laguado descreve a trajetória de uma mulher de 65 anos diagnosticada inicialmente com carcinoma renal em estágio III, que posteriormente desenvolveu metástases cerebrais e obteve significativa melhora clínica com o uso conjunto de dieta cetogênica, imunoterapia e radioterapia.
Histórico do caso
A paciente foi diagnosticada em 2011 com carcinoma de células claras no rim esquerdo e tratada com nefrectomia radical. Após três anos livre da doença, apresentou em 2014 um novo tumor: carcinoma papilífero da tireoide, também em estágio III, tratado com tireoidectomia total e iodoterapia. Em 2019, surgiram duas lesões pulmonares, com biópsia confirmando metástase do tumor renal. Ela iniciou tratamento com sunitinibe, mas precisou interromper por intolerância gastrointestinal, sendo substituído por pazopanibe, que estabilizou a doença por cerca de três anos.
Em setembro de 2022, quatro metástases cerebrais foram identificadas por ressonância magnética, localizadas nos lobos frontal direito e temporal mesial bilateral. A biópsia confirmou metástase do carcinoma renal. A paciente recebeu radioterapia cerebral total (20 Gy em 5 sessões) e iniciou imunoterapia com nivolumabe. Após cinco ciclos, apresentou piora neurológica e crises convulsivas, tratadas com anticonvulsivantes e corticoterapia breve, com recuperação funcional.
Introdução da terapia cetogênica
Diante da estabilidade da doença e quadro clínico controlado, a equipe introduziu, em janeiro de 2023, uma suplementação cetogênica com razão 3:1 (gordura:carboidratos + proteína) utilizando o produto KetoVie. A adesão foi monitorada por cetonúria ou cetonemia, com ajustes dietéticos para manter a produção de corpos cetônicos.
Os resultados foram notáveis: em julho de 2023, a paciente já não necessitava de acompanhante para consultas, suspendeu os anticonvulsivantes e mantinha plena função cognitiva. As imagens de controle demonstraram resposta parcial no sistema nervoso central e pulmões. Em janeiro de 2024, após 14 ciclos de nivolumabe, a resposta parcial foi mantida e a suplementação cetogênica suspensa, mantendo-se apenas uma dieta pobre em carboidratos.
Fundamentos da terapia cetogênica em oncologia
O racional da KMT baseia-se na vulnerabilidade metabólica das células tumorais, que dependem fortemente da glicose e da glutamina como substratos energéticos. Muitas delas exibem o chamado “efeito Warburg”, favorecendo a glicólise aeróbica mesmo na presença de oxigênio. Ao reduzir drasticamente a disponibilidade de glicose por meio de uma dieta rica em gordura e pobre em carboidratos, induz-se a cetose, forçando as células normais a utilizarem corpos cetônicos — algo que células tumorais geralmente não conseguem fazer com eficiência.
Estudos pré-clínicos mostraram que a cetose pode diminuir a viabilidade tumoral, reduzir a ativação do NF-kB e a expressão de COX-2, ambos relacionados à imunossupressão no microambiente tumoral. Modelos murinos também sugerem que a KMT pode modular a expressão de PD-1, CTLA-4 e seus ligantes em células T infiltrantes, potencializando o efeito de imunoterapias como o nivolumabe.
No contexto específico do carcinoma de células claras do rim, dados in vitro do MD Anderson Cancer Center mostraram uma redução de 83% na viabilidade celular com a exposição a corpos cetônicos em ambiente com baixa glicose. Estudos em camundongos também demonstraram redução tumoral ao combinar corpos cetônicos com bloqueio de PD-L1.
Considerações e segurança
A paciente em questão utilizou KMT por 15 meses sem apresentar eventos adversos significativos como perda de peso, dislipidemia ou lesão renal/hepática, efeitos que podem ocorrer com essa abordagem. Essa foi a utilização mais longa já registrada de terapia cetogênica nesse tipo específico de câncer.
Ainda que os dados disponíveis sejam limitados a séries de casos e estudos experimentais, os autores destacam que a associação entre dieta cetogênica, imunoterapia e radioterapia pode ser uma via promissora para prolongar a sobrevida livre de progressão e preservar a função neurológica em pacientes com metástases cerebrais.
Ensaios clínicos em andamento
Dois estudos clínicos complementam esse panorama:
- KETOREIN (ClinicalTrials.gov): avaliava a combinação de dieta cetogênica com nivolumabe e ipilimumabe em pacientes com carcinoma renal metastático. O estudo foi encerrado precocemente por dificuldades de recrutamento.
- CETOREIN (ClinicalTrials.gov): investigava a segurança da dieta cetogênica combinada com terapias padrão. A fase de recrutamento foi concluída e os resultados são aguardados.
Conclusão
Este relato reforça o potencial da terapia metabólica cetogênica como estratégia complementar no tratamento do carcinoma de células claras metastático, especialmente com comprometimento cerebral. A combinação com imunoterapia e radioterapia se mostrou segura e clinicamente eficaz neste caso. Embora sejam necessários ensaios controlados para validação definitiva, os resultados apontam para uma possível sinergia terapêutica relevante.