A esquizofrenia, uma das doenças psiquiátricas mais incapacitantes, afeta cerca de 1% da população mundial. Tradicionalmente tratada com medicamentos antipsicóticos e intervenções psicossociais, essa condição ainda representa um grande desafio para a recuperação funcional dos indivíduos. Um relato de caso recentemente publicado no periódico Frontiers in Nutrition trouxe à tona uma abordagem alternativa: a utilização de uma dieta cetogênica carnívora como parte de uma terapia metabólica para a remissão dos sintomas de esquizofrenia, com suporte de um terapeuta nutricional.
Contexto clínico e início da intervenção
O paciente descrito no estudo era um homem de 32 anos, diagnosticado com esquizofrenia há três anos, após o surgimento de episódios psicóticos desencadeados por um evento traumático: a morte repentina de um familiar próximo. Este acontecimento levou ao uso abusivo de cannabis, à instabilidade emocional e à perda de moradia, resultando em múltiplas internações psiquiátricas.
Insatisfeito com o tratamento convencional e os efeitos colaterais dos medicamentos (que incluíam amisulprida, mirtazapina e propranolol), o paciente buscou alternativas por conta própria e iniciou uma dieta cetogênica, inicialmente de forma inconsistente, incluindo “dias de exceção” com consumo elevado de açúcares. A observação de piora nos sintomas durante esses períodos o motivou a buscar um padrão alimentar mais rigoroso.
Estruturação da terapia metabólica
Com o auxílio de um terapeuta nutricional especializado, o paciente adotou uma dieta cetogênica carnívora com proporção de gordura:proteína de 2:1, composta exclusivamente por carne e gordura animal, sem carboidratos. Foram recomendadas duas refeições diárias para garantir ingestão calórica e proteica adequadas. A composição incluía carnes como bife de costela e carne moída com adição de sebo bovino, banha de porco ou tutano.
O monitoramento foi realizado com medições diárias de glicemia e cetonas, buscando manter cetose nutricional (níveis de cetona entre 2 e 4 mmol/L). Esse padrão metabólico foi alcançado e mantido, com episódios isolados de cetonas elevadas, possivelmente relacionados ao uso intermitente de cannabis e jejum prolongado.
Resultados obtidos
O relato destaca a remissão completa dos sintomas psicóticos após nove meses de adesão ao plano alimentar, com estabilização metabólica e retirada gradual de todas as medicações psiquiátricas, sem retorno dos sintomas. O paciente relatou melhoria significativa na qualidade de vida e no funcionamento diário, apesar de ainda enfrentar dificuldades sociais e econômicas. Notavelmente, a equipe de saúde mental responsável reconheceu a remissão clínica da esquizofrenia e suspendeu a ordem de tratamento compulsório.
Do ponto de vista quantitativo, o paciente manteve cetose estável e perdeu cerca de 5 kg, chegando a um IMC de 21. A análise qualitativa relatou persistência de algum grau de humor deprimido, atribuído às condições sociais, mas sem sintomas psicóticos ou comportamentos suicidas.
Reflexões e limitações do estudo
O caso ilustra o potencial do uso da dieta cetogênica carnívora como ferramenta terapêutica complementar em transtornos psiquiátricos graves. Os mecanismos propostos incluem melhora da função mitocondrial, redução do estresse oxidativo e inflamação, aumento da sensibilidade à insulina e modulação dos neurotransmissores GABA e glutamato.
Contudo, o estudo também apresenta limitações significativas. Não foram utilizados instrumentos padronizados de avaliação psiquiátrica (como GAD-7 ou DASS-42), o que limita a objetividade das conclusões. Além disso, os desafios relacionados à adesão prolongada a uma dieta tão restritiva e os possíveis efeitos sobre o microbioma intestinal e o estado nutricional a longo prazo ainda precisam de mais investigações.
Por fim, o caso reforça a necessidade de maior integração entre profissionais da saúde mental e nutricional, de modo a permitir que intervenções como essa possam ser avaliadas de forma mais sistemática e, se apropriado, incorporadas ao arsenal terapêutico disponível para o manejo da esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos.