Ao pensar em alimentação para atletas, muitas pessoas ainda imaginam pratos cheios de macarrão, frutas, pães e batatas. Essa ideia está tão enraizada que parece inquestionável. Mas será que os carboidratos precisam mesmo ser a base da alimentação esportiva? E o que dizem os estudos mais recentes sobre estratégias como a dieta cetogênica ou a low carb para quem treina?
Neste artigo, vamos comparar o que dizem as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nutrição Esportiva (SBNE), publicadas em 2025, com o que revelam estudos científicos de alta qualidade sobre dietas com baixo teor de carboidrato. O foco estará nos três macronutrientes principais: carboidratos, proteínas e gorduras.
1. Carboidratos: realmente indispensáveis?
O que dizem as diretrizes oficiais
Segundo a SBNE, os carboidratos devem ser a principal fonte de energia para quem pratica esportes. A recomendação varia conforme o tipo de exercício:
- 3–5g por kg de peso corporal/dia para atividades leves;
- 5–7g/kg/dia para treinos moderados;
- 6–10g/kg/dia para endurance;
- até 12g/kg/dia para atletas de ultraendurance.
A lógica é que o corpo precisa de glicogênio (estoque de carboidrato) para manter a energia durante o exercício, especialmente em atividades prolongadas ou intensas.
Além disso, a diretriz sugere a ingestão de carboidratos antes, durante e depois dos treinos, com a chamada "periodização de carboidratos" para maximizar o desempenho e a recuperação.
O que mostram os estudos sobre dietas low carb
Estudos com atletas adaptados a dietas cetogênicas (ricas em gordura e muito pobres em carboidrato) mostram que o corpo pode se tornar altamente eficiente na queima de gordura como fonte principal de energia, sem prejuízo no desempenho.
Um dos estudos mais conhecidos, chamado The FASTER Study (2016), analisou corredores de elite adaptados à cetose e encontrou uma taxa de oxidação de gordura 2 a 3 vezes maior do que em atletas com dieta tradicional rica em carboidratos. Mesmo em longas distâncias, o desempenho foi equivalente (Metabolic characteristics of keto-adapted ultra-endurance runners).
Outro trabalho, de Phinney et al. (1983), mostrou que após 4 semanas de dieta cetogênica, ciclistas mantiveram o desempenho em esforço submáximo e passaram a poupar glicogênio muscular, usando a gordura de forma mais eficiente (The human metabolic response to chronic ketosis without caloric restriction: preservation of submaximal exercise capability with reduced carbohydrate oxidation).
Conclusão: para quem pratica esportes de longa duração (endurance) ou exercícios aeróbicos moderados, os carboidratos não são essenciais, desde que haja tempo para adaptação metabólica. O corpo passa a usar a gordura como principal combustível — algo que o ser humano faz naturalmente em situações de escassez alimentar desde os tempos ancestrais.
2. Proteína: essencial para músculos, mas quanto é necessário?
O que dizem as diretrizes oficiais
A SBNE recomenda:
- Entre 1,2 a 2,0g de proteína por kg de peso corporal/dia;
- Até 2,4g/kg/dia em casos de déficit calórico ou foco em hipertrofia.
Também orienta que a proteína seja distribuída ao longo do dia, especialmente no pós-treino, com doses entre 20 e 40g por refeição, para estimular a síntese muscular.
O que mostram os estudos sobre dietas low carb e cetogênicas
Muitos estudos mostram que mesmo com ingestão moderada de proteína, a massa muscular pode ser preservada quando o corpo está adaptado à cetose.
Um exemplo é o estudo com atletas de força publicado por Greene et al. (2018), no qual fisiculturistas em dieta cetogênica mantiveram a força e a massa magra, mesmo com redução de gordura corporal (A Low-Carbohydrate Ketogenic Diet Reduces Body Mass Without Compromising Performance in Powerlifting and Olympic Weightlifting Athletes).
Outro estudo, de Wilson et al. (2020), mostrou que indivíduos treinando com pesos e consumindo dieta cetogênica tiveram resultados equivalentes ao grupo com dieta rica em carboidratos, sem perdas musculares, mesmo com ingestão de proteína em torno de 1,6g/kg (Effects of Ketogenic Dieting on Body Composition, Strength, Power, and Hormonal Profiles in Resistance Training Males).
Conclusão: o mais importante não é exagerar na proteína, mas garantir que ela venha de fontes de alta qualidade, como carne, ovos e peixe, e que o corpo esteja em um estado hormonal e metabólico favorável — como a cetose, que protege a massa magra.
3. Gorduras: vilãs ou aliadas?
O que dizem as diretrizes oficiais
A SBNE não estipula um valor fixo de gordura. O foco está em recomendar gorduras insaturadas (como azeite, abacate e oleaginosas) e em restringir gorduras saturadas, especialmente as de origem animal, como manteiga, banha e carnes gordas.
Essa visão segue a tradição das décadas passadas, que associava gordura saturada a doenças cardiovasculares — embora estudos mais recentes venham questionando essa relação.
O que mostram os estudos sobre dietas ricas em gordura animal
Dietas cetogênicas são naturalmente ricas em gordura (em geral 70% ou mais das calorias vêm dela). Isso não só não compromete a saúde cardiovascular, como pode melhorar marcadores de inflamação, resistência à insulina e perfil lipídico, quando a dieta é baseada em alimentos naturais e não processados.
O estudo de Paoli et al. (2012) mostrou que atletas de elite (ginastas) seguiram dieta cetogênica por 30 dias, mantendo força e reduzindo gordura corporal — sem efeitos negativos para a saúde (Ketogenic diet does not affect strength performance in elite artistic gymnasts).
Além disso, revisões sistemáticas recentes, como a de Harcombe et al. (2016), concluíram que as diretrizes antigas que condenavam a gordura saturada nunca foram baseadas em ensaios clínicos robustos (Evidence from randomised controlled trials did not support the introduction of dietary fat guidelines in 1977 and 1983: A systematic review and meta-analysis).
Conclusão: a gordura pode ser uma excelente fonte de energia para quem segue dietas low carb ou cetogênicas. O importante é priorizar fontes naturais (gordura da carne, ovos, manteiga) e evitar óleos vegetais ultraprocessados (como óleo de soja, milho e canola).
Resumo Final: O que isso significa para você que treina
Diretrizes da SBNE (2025) | Dietas Low Carb / Cetogênicas | |
---|---|---|
Carboidrato | 3–12g/kg/dia | <50g/dia (ou até <20g na cetogênica) |
Proteína | 1,2–2,4g/kg/dia | 1,2–1,7g/kg/dia (com cetose sustentada) |
Gordura | Moderar, preferir insaturadas | Fonte primária de energia (70–80% das calorias) |
Considerações finais
As recomendações da SBNE seguem a tradição da nutrição esportiva clássica, baseada em carboidratos como combustível principal. No entanto, há um corpo crescente de evidências científicas que desafia esse paradigma, mostrando que o desempenho pode ser mantido (e, em alguns casos, otimizado) com dietas de baixo carboidrato, especialmente quando:
- O corpo tem tempo de adaptação;
- A dieta é bem formulada, com alimentos naturais;
- A escolha do padrão alimentar é compatível com o tipo de esporte praticado.
Dietas low carb e cetogênicas podem ser uma alternativa válida e eficaz para muitos praticantes de atividade física — e merecem ser consideradas com base em ciência, não em dogmas.
Fonte: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/72349