Estudo liga dieta pobre em fibras a placas perigosas no coração


Um estudo sueco publicado em junho de 2025 sugeriu que pessoas que consomem menos fibras e mais carne vermelha teriam maior risco de desenvolver placas “de alto risco” nas artérias do coração — aquelas mais propensas a causar infarto. À primeira vista, esse achado pode parecer definitivo, mas, ao analisar com atenção, o estudo apresenta várias limitações importantes que impedem conclusões firmes sobre causa e efeito.

Neste artigo, vamos explicar, em linguagem acessível, por que os resultados devem ser interpretados com cautela.

O que o estudo investigou?

Pesquisadores analisaram dados de mais de 24 mil adultos suecos com idade entre 50 e 64 anos que, na época do estudo, não tinham nenhuma doença cardíaca diagnosticada. Os participantes responderam a um questionário sobre seus hábitos alimentares e fizeram exames de imagem do coração, chamados angiotomografias coronárias, que detectam placas de gordura e cálcio nas artérias.

Com base na alimentação relatada, cada pessoa recebeu uma pontuação chamada “índice dietético” (DI), que dava pontos para alimentos considerados anti-inflamatórios (como frutas, verduras, aveia, azeite, vinho tinto, café, chá) e tirava pontos para itens considerados inflamatórios (como carne vermelha, embutidos, vísceras, salgadinhos e refrigerantes).

Quem tinha o menor escore (dieta com pouca fibra e mais carne vermelha) apresentou mais placas nas artérias, inclusive do tipo mais perigoso.

Por que esses resultados não provam que a carne faz mal ao coração?

1. O estudo é observacional, não experimental

Esse tipo de estudo apenas observa o que as pessoas já fazem e relaciona isso com o que foi encontrado nos exames. Não houve nenhuma intervenção controlada. Ou seja, não dá para saber se foi a dieta que causou as placas ou se outros fatores estão por trás da associação. É como tirar uma foto de um momento e tentar explicar toda a história com base nela.

2. A alimentação foi avaliada por questionário

As informações sobre o que as pessoas comiam foram autorrelatadas. Isso significa que os participantes preencheram um questionário com dezenas de perguntas, tentando lembrar o que costumavam comer nos últimos meses. Esse método está sujeito a erros, omissões e enviesamentos. Por exemplo, muitas pessoas tendem a esconder ou esquecer o que consideram “não saudável”.

3. O índice dietético é uma simplificação

O DI usado na pesquisa é uma pontuação arbitrária baseada em consumo mínimo de porções. Isso quer dizer que alguém que consome duas porções de frutas por dia recebe a mesma pontuação de quem consome seis — o que empobrece a análise. Além disso, o índice mistura itens muito diferentes (por exemplo, vinho tinto e aveia têm o mesmo peso positivo, e carne fresca e embutidos industrializados recebem o mesmo ponto negativo).

4. A carne foi tratada como um grupo único

O estudo não diferencia o tipo de carne vermelha, o modo de preparo (grelhada, cozida, ultraprocessada) ou o contexto da dieta como um todo. Isso pode ser um erro importante, já que carnes frescas e embutidos industrializados têm efeitos diferentes no organismo. Generalizar o “consumo de carne vermelha” pode levar a conclusões equivocadas.

5. Há muitos fatores confundidores

Pessoas que consomem mais carne e menos fibras, no geral, também apresentavam outros comportamentos de risco: fumavam mais, bebiam mais álcool, se exercitavam menos, tinham maior circunferência abdominal, pressão alta, diabetes e maior consumo calórico. Todos esses fatores aumentam o risco cardiovascular. Mesmo com ajustes estatísticos, é difícil separar o efeito da dieta desses outros hábitos de vida.

6. A associação com inflamação foi fraca

O estudo mediu a proteína C-reativa ultrasensível (hsCRP), um marcador de inflamação. Embora pessoas com pior alimentação tivessem valores um pouco mais altos, essa variável teve pouco peso nas análises finais. Ou seja, a conexão entre dieta inflamatória e inflamação real no corpo foi fraca.

7. Pode ter ocorrido causa reversa

É possível que algumas pessoas com maior risco cardíaco (obesidade, pressão alta) tenham tentado melhorar a alimentação nos meses anteriores — e isso poderia confundir os resultados, parecendo que a dieta melhorou, mas as placas já estavam presentes há anos.

8. Não houve avaliação direta da inflamação nas placas

Apesar do uso de um exame moderno de imagem (CCTA), o estudo não avaliou inflamação local ou risco de ruptura com técnicas mais precisas, como tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou biópsias. Assim, o risco real dessas placas não foi confirmado de maneira direta.

9. O estudo não incluiu dados sobre etnia

O único dado demográfico adicional foi se o participante nasceu ou não na Suécia. Sabemos que fatores étnico-genéticos influenciam o risco cardiovascular e a resposta a diferentes alimentos, o que limita a generalização dos achados.

Conclusão

Embora o estudo tenha mostrado uma associação entre dieta pobre em fibras e placas mais preocupantes nas artérias do coração, suas limitações impedem qualquer afirmação definitiva. Fatores como estilo de vida, obesidade abdominal, pressão alta e triglicerídeos elevados foram apontados como mediadores, ou seja, podem ser os verdadeiros responsáveis pelos achados — e não a carne ou a ausência de fibras em si.

Portanto, é importante interpretar os resultados com cuidado, evitar generalizações e lembrar que associação não é o mesmo que causa. Estudos com controle mais rigoroso, intervenções alimentares bem definidas e acompanhamento por vários anos são necessários para tirar conclusões confiáveis sobre os efeitos reais da dieta na saúde do coração.

Fonte: https://doi.org/10.1093/cvr/cvaf088

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