A privação de sono, tanto crônica quanto aguda, tem sido amplamente associada a impactos negativos na saúde física e mental. Em um estudo conduzido por Lamon e colaboradores e publicado na Physiological Reports em 2021, os pesquisadores investigaram de forma controlada como uma única noite de privação total de sono pode afetar diretamente a síntese de proteínas no músculo esquelético e os hormônios relacionados ao anabolismo e catabolismo muscular.
O estudo incluiu 13 adultos jovens saudáveis (7 homens e 6 mulheres), que passaram por duas condições: uma noite com sono normal e uma noite de privação total de sono, em um desenho cruzado randomizado. No dia seguinte, os participantes foram submetidos a coletas de sangue e biópsias musculares para avaliação de parâmetros hormonais e síntese proteica.
Entre os principais achados, observou-se que apenas uma noite sem dormir já foi suficiente para reduzir em 18% a taxa de síntese de proteína muscular no estado pós-prandial, quando comparado ao sono normal (0,072 ± 0,015% vs. 0,059 ± 0,014%·h⁻¹; p = 0,040). Além disso, a privação de sono elevou em 21% os níveis plasmáticos de cortisol (p = 0,011), um hormônio associado ao catabolismo, e reduziu em 24% a área sob a curva dos níveis de testosterona (p = 0,029), um hormônio anabólico fundamental para a manutenção e ganho de massa muscular.
Curiosamente, o estudo não encontrou alterações nos marcadores gênicos relacionados à degradação de proteínas musculares, como atrogin-1 (FBXO32), MuRF-1 (TRIM63), FOXO1 e FOXO3. Também não foram observadas mudanças significativas na expressão dos genes do relógio circadiano no músculo esquelético após a privação de sono. Essa ausência de alteração nos genes de degradação pode estar relacionada ao fato de os participantes terem sido avaliados no estado pós-prandial, em que o consumo alimentar tende a atenuar processos catabólicos.
O desenho metodológico do estudo prezou por simular um contexto próximo ao real: após a noite de privação, os participantes receberam refeições padronizadas antes das avaliações. Isso torna os resultados particularmente relevantes, pois refletem uma situação mais comum na vida cotidiana de pessoas que enfrentam noites mal dormidas, como trabalhadores de turno, pais de recém-nascidos e estudantes.
Do ponto de vista clínico, os dados indicam que a privação de sono pode contribuir para um ambiente hormonal menos propício ao anabolismo e mais favorável ao catabolismo muscular, comprometendo a manutenção da massa magra ao longo do tempo. Os autores destacam que essas alterações agudas podem representar mecanismos iniciais que, se persistentes, levam à disfunção metabólica e à perda de massa muscular observadas em cenários de privação crônica de sono.
Outro ponto relevante do estudo é a sugestão de um possível efeito diferenciado entre os sexos. Embora o trabalho não tenha sido desenhado para comparar homens e mulheres, os dados mostraram que todos os participantes do sexo masculino tiveram redução na síntese proteica após a privação de sono, enquanto esse padrão não foi uniformemente observado entre as mulheres. Essa observação levanta a necessidade de estudos específicos que investiguem como homens e mulheres podem responder de forma distinta à falta de sono no que tange à saúde muscular.
Em conclusão, a pesquisa reforça a importância de um sono adequado para a preservação da massa muscular e o equilíbrio metabólico. Estratégias preventivas, como intervenções no estilo de vida que priorizem a qualidade e quantidade do sono, além de programas nutricionais e de exercícios que estimulem a síntese proteica, podem ser fundamentais para mitigar os efeitos negativos da privação de sono sobre a saúde muscular.