Curcumina não melhora sintomas de depressão grave quando adicionada à sertralina: evidência de ensaio clínico duplo-cego


Durante os últimos anos, a curcumina — composto bioativo da cúrcuma (Curcuma longa) — tem sido amplamente promovida como alternativa natural com supostos efeitos antidepressivos. Suas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e neuromoduladoras estimularam a realização de diversos estudos pré-clínicos e clínicos, especialmente em casos de depressão leve ou moderada. No entanto, quando o foco se volta para pacientes com transtorno depressivo maior (TDM) grave, a realidade se mostra menos promissora.

Um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, publicado em 2023 na revista Clinical Neuropharmacology, examinou de forma rigorosa os efeitos da curcumina como adjuvante ao antidepressivo sertralina em indivíduos com TDM grave. O estudo concluiu, de forma categórica, que não houve benefício clínico relevante da adição de curcumina em comparação ao tratamento com sertralina isoladamente.

Metodologia do estudo

Foram incluídos 45 pacientes com TDM grave, com idades entre 18 e 50 anos, sem histórico de psicose, ideação suicida ou uso de substâncias. Os participantes foram randomizados para:

  • Grupo intervenção: sertralina + 40 mg/dia de SinaCurcumin, cápsula contendo 400 mg de curcumina em nanomicela (alta biodisponibilidade);
  • Grupo controle: sertralina + placebo.

Os desfechos foram avaliados pelas escalas Beck de Depressão (BDI-II) e de Ansiedade (BAI), nas semanas 0, 4 e 8. Ambos os grupos apresentaram redução significativa nos sintomas ao longo do tempo — atribuível à sertralina —, mas sem diferença entre os grupos.

Resultados principais

BDI-II (depressão):

  • Semana 0: curcumina 39,2 / placebo 39,75
  • Semana 8: ambos os grupos com média de 16,00 pontos
  • P = 0,986 (sem diferença)

BAI (ansiedade):

  • Semana 0: curcumina 35,25 / placebo 34,35
  • Semana 8: curcumina 18,25 / placebo 21,05
  • P = 0,444 (sem diferença)

Além disso, nenhuma interação significativa foi encontrada entre o tempo de tratamento e o uso de curcumina. Nenhum efeito adverso grave foi relatado.

A dose testada e o desafio da equivalência dietética

O estudo utilizou 400 mg de curcumina por dia, uma dose que só é viável por meio de suplementação concentrada. A cúrcuma em pó contém, em média, 2% a 5% de curcumina do seu peso seco. Considerando uma média de 3% de curcumina por grama de cúrcuma, seria necessário consumir aproximadamente:

  • 13,3 gramas de cúrcuma em pó por dia para atingir 400 mg de curcumina (400 mg ÷ 0,03 = 13.333 mg = 13,3 g).

Esse valor representa cerca de 4 a 5 colheres de chá rasas por dia, o que ultrapassa o uso culinário habitual da cúrcuma. Além disso, a curcumina da cúrcuma natural tem biodisponibilidade muito baixa, ou seja, é mal absorvida pelo organismo sem a presença de compostos como piperina (da pimenta-do-reino) ou emulsificantes lipossolúveis. O SinaCurcumin usado no estudo contornou essa limitação por meio de uma formulação em nanomicelas.

Portanto, a tentativa de replicar a dose do estudo apenas com cúrcuma na alimentação não é prática nem eficaz.

Conclusão

O presente estudo clínico mostrou que, em pacientes com depressão grave, a adição de curcumina à sertralina não oferece benefício clínico adicional. Apesar da segurança da substância nas doses testadas, não houve melhora significativa dos sintomas depressivos ou ansiosos em comparação ao grupo placebo. A ideia de utilizar cúrcuma na dieta como estratégia terapêutica enfrenta limitações ainda maiores, já que a quantidade necessária de curcumina é alta e sua absorção, naturalmente baixa.

Enquanto o interesse em tratamentos naturais é legítimo, a incorporação clínica de substâncias como a curcumina deve seguir critérios rigorosos de evidência. No contexto da depressão grave, os resultados apresentados reforçam que, ao menos com a dosagem e formulação testadas, a curcumina não deve ser recomendada como adjuvante ao tratamento com sertralina.

Fonte: https://doi.org/10.1097/WNF.0000000000000553

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