Consumo Repetido de Cafeína Suprime Respostas da Substância Cinzenta Cerebral à Restrição Crônica do Sono de Forma Dependente dos Receptores de Adenosina A1


A cafeína é a substância psicoativa mais amplamente consumida no mundo, frequentemente utilizada para combater a sonolência e melhorar o desempenho prejudicado pela privação de sono. Tanto a perda de sono quanto o consumo diário de cafeína podem induzir mudanças na substância cinzenta cerebral, mas permanecia incerto se o uso diário de cafeína poderia prevenir ou agravar as alterações cerebrais causadas pela restrição crônica do sono.

Metodologia do Estudo

Pesquisadores conduziram um estudo duplo-cego, randomizado e controlado com 36 adultos saudáveis. Os participantes passaram por um protocolo de nove dias em laboratório, incluindo dois dias basais, cinco dias de restrição do sono (cinco horas por noite) e um dia de recuperação.

Durante o período de restrição do sono, 19 participantes receberam 300 mg de cafeína diariamente distribuídos em duas doses (200 mg pela manhã e 100 mg à tarde), enquanto 17 participantes receberam café descafeinado. Os pesquisadores utilizaram ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons para examinar as mudanças na substância cinzenta e medir a disponibilidade dos receptores de adenosina A1.

Principais Descobertas

Respostas Opostas da Substância Cinzenta

O estudo revelou respostas contrastantes entre os grupos que consumiram cafeína e descafeinado durante a restrição do sono. Os participantes que não consumiram cafeína apresentaram aumento da substância cinzenta em regiões específicas do cérebro após cinco dias de restrição do sono, incluindo:

  • Córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo
  • Córtex pré-frontal dorsomedial direito
  • Região temporal-occipital direita
  • Tálamo direito

Em contraste, o grupo que consumiu cafeína mostrou redução da substância cinzenta nas mesmas regiões cerebrais, exceto na região temporal-occipital.

Recuperação Diferenciada

Durante o período de recuperação, a maioria das alterações cerebrais retornou aos níveis basais. No entanto, o tálamo no grupo da cafeína manteve a redução da substância cinzenta mesmo após uma noite completa de sono de recuperação, sugerindo que essa região pode necessitar de mais tempo para se recuperar completamente.

Papel dos Receptores de Adenosina A1

Uma descoberta particularmente importante foi que indivíduos com menor disponibilidade basal de receptores de adenosina A1 subcorticais apresentaram maior redução da substância cinzenta quando expostos à combinação de cafeína e restrição do sono. Isso sugere que a disponibilidade individual desses receptores pode servir como fator de proteção contra os efeitos da cafeína na estrutura cerebral.

Mecanismos Neurobiológicos

Sistema de Adenosina e Homeostase do Sono

Os efeitos observados estão relacionados ao sistema de adenosina, que é fundamental na regulação do sono. Durante a vigília prolongada, a adenosina se acumula no cérebro, promovendo sonolência. A cafeína atua bloqueando os receptores de adenosina, contrapondo-se aos sinais de sono.

Plasticidade Sináptica Dependente do Uso

Os pesquisadores propuseram que a restrição do sono induz um aumento adaptativo da substância cinzenta, possivelmente relacionado ao fortalecimento sináptico que ocorre durante períodos prolongados de vigília. A cafeína, por outro lado, pode interferir nessa plasticidade adaptativa, resultando na redução observada da substância cinzenta.

Implicações Clínicas e Práticas

Uso de Cafeína Durante Privação de Sono

Os resultados sugerem que, embora a cafeína seja eficaz para combater a sonolência, seu uso durante períodos de restrição crônica do sono pode suprimir mecanismos adaptativos naturais do cérebro. Isso levanta questões importantes sobre o uso prolongado de cafeína em situações de sono insuficiente.

Diferenças Individuais

A descoberta de que a disponibilidade individual de receptores de adenosina A1 influencia a resposta à cafeína sugere que algumas pessoas podem ser mais vulneráveis aos efeitos estruturais cerebrais da combinação cafeína-restrição do sono do que outras.

Recuperação do Sono

O estudo demonstrou que a maioria das alterações cerebrais foi reversível após uma noite de sono de recuperação, exceto no tálamo. Isso indica a importância crítica do sono adequado para a restauração da estrutura cerebral normal.

Considerações sobre Fluxo Sanguíneo Cerebral

Os pesquisadores também investigaram possíveis alterações no fluxo sanguíneo cerebral, pois a cafeína possui efeitos vasoconstritivos que poderiam influenciar as medições de estrutura cerebral. Embora não tenham encontrado diferenças significativas no fluxo sanguíneo entre os grupos, observaram algumas alterações regionais específicas.

Limitações e Pesquisas Futuras

O estudo utilizou café preparado de forma idêntica, diferindo apenas no conteúdo de cafeína, o que proporcionou maior generalização para o consumo real de café. No entanto, os pesquisadores reconhecem que outros componentes do café podem ter contribuído para os efeitos observados.

Pesquisas futuras são necessárias para investigar o papel específico dos receptores de adenosina A2A nessas alterações cerebrais, bem como para determinar os efeitos de diferentes doses de cafeína e períodos mais longos de restrição do sono.

Conclusões

Este estudo pioneiro revelou que a restrição crônica do sono induz uma resposta adaptativa de aumento da substância cinzenta cerebral, que é suprimida pelo consumo concomitante de cafeína. A disponibilidade individual de receptores de adenosina A1 pode servir como fator de proteção contra essas alterações.

Os achados têm implicações importantes para trabalhadores em turnos, estudantes e outros grupos que frequentemente combinam consumo de cafeína com sono insuficiente. Embora a cafeína seja eficaz para manter o estado de alerta, seu uso durante períodos de restrição do sono pode interferir nos mecanismos naturais de adaptação cerebral.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41598-024-61421-8

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