Nos últimos anos, a popularidade da alimentação vegana cresceu substancialmente em várias partes do mundo, motivada por razões éticas, ambientais e de saúde. No entanto, ao substituir alimentos de origem animal, muitas pessoas adotam leguminosas como principal fonte de proteína — o que pode representar riscos subestimados para a saúde, especialmente do ponto de vista alergológico. Um estudo recente publicado na revista Die Dermatologie alerta para o aumento de reações alérgicas associadas ao consumo dessas plantas, evidenciando a necessidade de maior atenção por parte de profissionais de saúde e consumidores.
Leguminosas e alergias: uma relação negligenciada
As leguminosas, grupo que inclui soja, ervilhas, lentilhas, grão-de-bico, feijões, tremoço e até o bockshornklee (feno-grego), são altamente valorizadas por seu conteúdo proteico e perfil nutricional denso. Entretanto, muitas delas carregam um potencial alergênico significativo. Os casos mais documentados envolvem a soja e o amendoim, mas o estudo mostra que outras leguminosas, como lentilhas, ervilhas e lupinos, também são capazes de desencadear reações alérgicas severas — incluindo anafilaxia induzida por esforço físico e, em raros casos, por inalação de vapores de cozimento.
Embora o risco de alergia seja amplamente reconhecido para amendoim e soja, a crescente presença de novas fontes vegetais de proteína na dieta vegana amplia a exposição a proteínas potencialmente alergênicas. O perigo aumenta particularmente com o uso de proteínas vegetais isoladas ou altamente processadas, que concentram compostos alergênicos e podem resistir ao calor e à digestão, como é o caso das chamadas "proteínas de armazenamento" (globulinas e albuminas) e dos lipídios de transferência (nsLTPs).
As principais famílias de proteínas alergênicas
O estudo alemão faz uma análise detalhada das principais famílias de proteínas envolvidas em reações alérgicas associadas a leguminosas:
- PR-10 e Profilinas: proteínas instáveis ao calor e à digestão, comumente associadas a síndromes orais (coceira e inchaço nos lábios e garganta), especialmente em indivíduos com alergia ao pólen de bétula.
- Proteínas de armazenamento (11S, 7S, 2S globulinas/albuminas) e LTPs: resistentes ao calor e à digestão, essas proteínas são as maiores responsáveis por reações sistêmicas graves.
- Oleosinas e proteínas thaumatin-like: menos estudadas, mas já associadas a anafilaxias em casos isolados.
- Proteínas reguladas por giberelinas: presentes em frutas e com potencial de reações cruzadas ainda pouco explorado.
Diagnóstico e subnotificação
O diagnóstico preciso de alergias alimentares requer mais do que testes cutâneos: é essencial identificar a proteína específica por meio de diagnóstico molecular de IgE. Ainda assim, muitos alimentos contendo leguminosas não são obrigatoriamente rotulados na União Europeia — com exceção do amendoim e da soja. Isso representa um risco adicional, já que indivíduos sensibilizados podem não estar cientes da presença de alérgenos ocultos, especialmente em produtos industrializados.
Casos clínicos e reações graves
O artigo também descreve diversos relatos de casos clínicos que ilustram a gravidade das reações:
- Um adolescente que sofreu perda de consciência após praticar exercício físico 30 a 60 minutos após consumir sopa de lentilhas.
- Uma criança de menos de 2 anos que sofreu anafilaxia apenas ao inalar vapor de cozimento de lentilhas.
- Um menino de 10 anos com anafilaxia após consumir tofu e iniciar uma corrida.
- Casos de anafilaxia induzida por lupino em pessoas com alergia conhecida a amendoim.
Além disso, há evidências de reações cruzadas entre diferentes leguminosas — especialmente entre soja, amendoim, lupino, lentilha e grão-de-bico — que, embora raras, podem ocorrer de forma grave em pacientes sensibilizados.
Implicações para a prática clínica e nutricional
Os autores enfatizam a importância de:
- Avaliações clínicas detalhadas em casos de suspeita de alergia alimentar, com especial atenção ao contexto da dieta vegana.
- Uso de testes moleculares de IgE para identificação das famílias proteicas envolvidas.
- Inclusão de kits de emergência (antihistamínicos, corticosteroides e adrenalina) para indivíduos com alergias alimentares diagnosticadas.
- Consideração de imunoterapia oral para alguns casos, como já é feito com amendoim.
Além disso, alertam para o risco crescente com a popularização de produtos à base de leguminosas, muitas vezes consumidos por indivíduos sem qualquer histórico anterior de alergia, mas expostos a novas formas de processamento industrial.
Considerações finais
A transição para dietas veganas, embora possa ter benefícios ambientais e éticos, requer cuidados rigorosos do ponto de vista nutricional e imunológico. O aumento do consumo de leguminosas traz à tona desafios importantes para a saúde pública, especialmente em relação à prevenção, diagnóstico e manejo das alergias alimentares. Médicos, nutricionistas e consumidores precisam estar atentos aos riscos invisíveis por trás das escolhas alimentares modernas, particularmente em contextos onde o processamento de proteínas vegetais torna os compostos alergênicos mais potentes e ubíquos.