Durante décadas, a medicina nutricional tem buscado uma explicação coerente para o avanço impressionante da resistência à insulina nas populações modernas. Uma condição outrora rara, hoje acomete a maioria dos adultos e jovens em países ocidentais. Apesar de sua ampla associação com doenças como diabetes tipo 2, obesidade, câncer e enfermidades cardiovasculares, os mecanismos alimentares que originam essa condição permaneciam pouco compreendidos — até a recente formulação do "Modelo Energético da Resistência à Insulina", apresentado por Catherine Shanahan.
Uma mudança silenciosa na dieta moderna
O ponto de partida desse modelo é a mudança na principal fonte de gordura na dieta ocidental: a substituição das gorduras animais tradicionais por óleos refinados de sementes (RBD, do inglês refined, bleached, deodorized). Esses óleos, produzidos industrialmente a partir de sementes como soja, milho, girassol e canola, passaram a representar aproximadamente 30% da ingestão calórica diária média dos norte-americanos, segundo dados citados pela autora. Isso contrasta com a estabilidade do consumo de gordura saturada ao longo do século XX, desafiando a ideia de que ela seria a principal responsável pelas doenças modernas.
Esses óleos são ricos em ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs), especialmente o ácido linoleico, que é altamente suscetível à oxidação. Esse processo gera subprodutos tóxicos, como aldeídos oxidados, que promovem estresse oxidativo nas células.
O modelo energético: quatro etapas interligadas
A proposta de Shanahan organiza-se em quatro componentes principais que, interligados, explicam como a ingestão de óleos de sementes contribui para o surgimento da resistência à insulina:
1. Substituição de gorduras animais por óleos de sementes promove estresse oxidativo
PUFAs oxidados nas membranas celulares levam à depleção de antioxidantes como a vitamina E, a vitamina C e o glutationa, comprometendo a estabilidade da célula. Esse desequilíbrio redox precede e provoca inflamações e disfunções mitocondriais.
2. Dietas ricas em óleos de sementes alteram a composição do tecido adiposo e danificam as mitocôndrias
A gordura corporal humana hoje contém até quatro vezes mais ácido linoleico do que em 1955. Quando esse tecido é mobilizado entre as refeições, libera PUFAs para oxidação mitocondrial, processo que tem sido associado a estresse oxidativo, apoptose e ferroptose — formas de morte celular induzidas por lipídios oxidados.
3. Estresse oxidativo induz mudança no metabolismo celular: do uso de gordura para a glicose
Como forma de defesa, as células passam a privilegiar a via glicolítica aeróbica (o chamado “Efeito Warburg”), consumindo mais glicose para reduzir a exposição à oxidação lipídica. Esse fenômeno, antes associado ao câncer, agora também é observado em células resistentes à insulina.
4. Aumento do consumo de glicose celular desequilibra a homeostase da glicose sanguínea
Esse aumento do consumo intracelular de glicose reduz os níveis sanguíneos entre refeições, levando a episódios de hipoglicemia subclínica. Como resposta, o cérebro ativa hormônios contra-regulatórios — como cortisol e catecolaminas — que elevam a glicemia e inibem a ação da insulina, instaurando a resistência insulínica.
Implicações clínicas e observações adicionais
O modelo também explica fenômenos como:
- A “gripe low carb” (sintomas na transição para dietas com menos carboidratos), sugerindo que o desconforto inicial está relacionado à hipoglicemia e à liberação de hormônios de estresse.
- A redução da flexibilidade metabólica (capacidade de alternar entre uso de gordura e glicose como combustível) em diabéticos tipo 2.
- A presença simultânea de altos níveis de insulina e glicose, que caracterizam a resistência à insulina.
Além disso, estudos com humanos e animais reforçam a hipótese, mostrando que dietas ricas em PUFA, especialmente provenientes de óleo de soja, aumentam a gordura visceral, a inflamação e o risco de doenças metabólicas, mesmo com menor ganho de peso em alguns casos.
Considerações finais
O modelo energético da resistência à insulina propõe que o consumo excessivo de óleos refinados de sementes, um alimento moderno e sem precedentes na história evolutiva humana, seja um fator central e negligenciado na gênese das doenças metabólicas. O mecanismo proposto — que parte do estresse oxidativo até chegar à disfunção hormonal — oferece uma explicação coerente, integrada e suportada por diversos estudos experimentais.
Se validado por futuras pesquisas, esse modelo poderá transformar profundamente as diretrizes nutricionais, que por décadas privilegiaram a substituição de gorduras animais por óleos vegetais com base em evidências frágeis e interpretações ideológicas. Abandonar os RBD oils e retornar a fontes tradicionais de gordura pode não apenas prevenir, mas até reverter doenças crônicas que hoje se tornam epidêmicas.