O Efeito do Consumo de Carne Vermelha sobre a Trimetilamina-N-Óxido Circulante, Urinária e Fecal: Uma Revisão Sistemática e Síntese Narrativa de Ensaios Controlados Randomizados

O trimetilamina N-óxido (TMAO) tem emergido nas últimas décadas como um biomarcador potencialmente ligado ao risco cardiovascular. Por ser um metabólito derivado da ação da microbiota intestinal sobre compostos como L-carnitina, colina e fosfatidilcolina — abundantemente presentes em alimentos de origem animal como carnes vermelhas, ovos e peixes —, o interesse científico sobre sua relação com doenças cardiovasculares tem crescido substancialmente.

Neste contexto, o artigo The Effect of Red Meat Consumption on Circulating, Urinary and Fecal Trimethylamine-N-Oxide: A Systematic Review and Narrative Synthesis of Randomized Controlled Trials oferece uma análise sistemática do impacto da carne vermelha sobre os níveis de TMAO em adultos saudáveis ou com doenças crônicas estáveis, com base em ensaios clínicos randomizados (RCTs).

Objetivo e Metodologia

O objetivo principal da revisão foi avaliar os efeitos do maior consumo de carne vermelha — em comparação a um consumo menor ou a substitutos proteicos como carne branca, peixe, ovos, laticínios e proteínas vegetais — sobre as concentrações de TMAO no sangue, urina e fezes. A revisão seguiu os protocolos PRISMA e Cochrane, com busca em bases como PubMed, Cochrane Library e Web of Science. Foram incluídos apenas RCTs com intervenção dietética de pelo menos 7 dias.

No total, 13 estudos únicos (reportados em 15 publicações) foram incluídos, abrangendo 553 participantes, com duração média de 28 dias.

Principais Resultados

Os achados revelaram uma notável heterogeneidade nos efeitos do consumo de carne vermelha sobre o TMAO:

  • Em 6 comparações, dietas com maior teor de carne vermelha (71–420g/dia) elevaram as concentrações de TMAO no sangue ou urina.
  • Em 7 comparações, não houve alteração significativa nas concentrações de TMAO, mesmo com consumo mais elevado de carne vermelha.
  • Em 2 comparações, o consumo de carne vermelha foi associado à redução de TMAO, quando comparado a dietas com alto teor de peixes.

Além disso, os níveis basais de TMAO entre os participantes foram geralmente baixos (<6,2 µM), o que não é considerado um fator de risco cardiovascular relevante. A variabilidade individual, o tipo de carne, o padrão alimentar e a composição da microbiota intestinal foram apontados como possíveis moduladores dessa resposta.

Limitações Reconhecidas pelos Próprios Autores

Os autores destacam diversas limitações que comprometem a robustez e aplicabilidade clínica dos achados:

  • Pequeno número de estudos disponíveis: poucos ensaios clínicos randomizados avaliaram diretamente o efeito da carne vermelha sobre o TMAO, o que limita o poder estatístico da revisão.
  • Ausência de estimativas de efeito na maioria dos estudos: isso impede avaliar a magnitude real do impacto da carne vermelha sobre os níveis de TMAO e sua relevância clínica.
  • Falta de detalhamento sobre a intervenção dietética: muitos estudos não informam o tipo específico de carne, teor de gordura, nível de processamento e conteúdo de precursores de TMAO nas dietas testadas.
  • Heterogeneidade metodológica entre os estudos: houve grande variação nos métodos de medição do TMAO (por exemplo, LC-MS/MS vs NMR), na duração das intervenções, nos grupos de comparação e nos perfis dos participantes.
  • Curta duração dos ensaios (mediana de 28 dias): os efeitos de longo prazo do consumo de carne vermelha sobre o TMAO não puderam ser avaliados.
  • Risco de viés elevado em vários estudos, especialmente nos domínios de randomização e aderência às intervenções propostas.
  • Falta de controle sobre fatores individuais que afetam o TMAO, como função renal, que é reconhecida como determinante mais relevante que a dieta para os níveis circulantes de TMAO em adultos saudáveis.

Discussão e Considerações Finais

Embora o TMAO seja frequentemente citado como possível elo entre carne vermelha e risco cardiovascular, a presente revisão sistemática mostra que os dados de ECRs são inconsistentes. Em aproximadamente metade das comparações, não houve aumento do TMAO com o consumo de carne vermelha. Em casos onde houve aumento, os níveis ainda se mantiveram dentro de faixas consideradas normais em indivíduos saudáveis.

Importante destacar que o peixe — alimento tradicionalmente recomendado por seus benefícios cardiovasculares — elevou os níveis de TMAO de forma mais acentuada do que a carne vermelha em dois estudos. Isso se deve à presença direta de TMAO livre nos tecidos de peixes, diferentemente da carne bovina ou suína, rica em precursores que dependem da microbiota intestinal para conversão.

Além disso, a absorção de L-carnitina proveniente de suplementos é muito menor (5–18%) do que a absorção via alimentos (54–87%), o que reforça que dados obtidos com suplementos não podem ser extrapolados diretamente para o consumo de carne.

Portanto, embora o TMAO possa ser um marcador interessante, seu papel causal no desenvolvimento de doenças cardiovasculares ainda é incerto, e os efeitos do consumo de carne vermelha sobre esse marcador são, na melhor das hipóteses, modestos e altamente variáveis entre indivíduos.

Conclusão

A revisão conclui que o consumo de carne vermelha por períodos curtos (até 3 meses) apresenta efeitos inconsistentes sobre o TMAO, e que a relevância clínica dessas variações permanece indefinida. São necessários mais estudos, com maior duração, rigor metodológico e avaliação de desfechos clínicos, para que se possa compreender melhor a real implicação metabólica do TMAO e seu vínculo com o consumo de carne vermelha.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.advnut.2025.100453

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