O benefício central dos estados cetogênicos induzidos fisiologicamente


O artigo publicado na revista The Journal of Physiology em 2025 por Giacco e colaboradores propõe uma revisão e interpretação integrativa sobre os efeitos dos estados cetogênicos fisiológicos — isto é, aqueles induzidos por jejum ou dietas com restrição de carboidratos — no contexto da fisiologia humana. A proposta central dos autores é que o estado cetogênico, longe de ser uma anomalia metabólica, representa uma adaptação evolutivamente conservada que oferece benefícios sistêmicos, particularmente na otimização da bioenergética celular e na preservação da função mitocondrial.

Contexto Evolutivo e Metabólico

Ao longo da história evolutiva, os seres humanos enfrentaram períodos frequentes de escassez alimentar. A cetose fisiológica — caracterizada pela elevação de corpos cetônicos no plasma, especialmente o β-hidroxibutirato — emergiu como uma resposta adaptativa que permitiu ao organismo preservar a função neurológica e muscular mesmo na ausência de glicose exógena. Em oposição à visão tradicional que enxerga a glicose como substrato primário universal, os autores reforçam que os corpos cetônicos são fontes de energia superiores em diversos contextos, inclusive em tecidos metabolicamente exigentes como o cérebro e o coração.

Efeitos Bioquímicos dos Corpos Cetônicos

Entre os efeitos bioquímicos mais relevantes, destaca-se a ação do β-hidroxibutirato como substrato energético eficiente, regulador epigenético e molécula sinalizadora anti-inflamatória. A cetose reduz a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), melhora a eficiência mitocondrial e ativa vias associadas à longevidade, como a inibição da histona desacetilase (HDAC) e a modulação de receptores específicos (como HCAR2 e FFAR3). Esse conjunto de ações confere aos corpos cetônicos uma capacidade protetora frente a insultos metabólicos, inflamatórios e oxidativos.

Implicações para a Saúde Metabólica

O estado cetogênico fisiológico parece beneficiar condições clínicas associadas à disfunção metabólica e mitocondrial. Entre os exemplos citados, incluem-se a resistência à insulina, a obesidade, o diabetes tipo 2 e doenças neurodegenerativas. Além disso, há evidências crescentes de que os corpos cetônicos exercem efeitos citoprotetores em tecidos isquêmicos, como o miocárdio e o sistema nervoso central, sobretudo por reduzir a inflamação e estabilizar a função celular sob estresse.

Aplicações Terapêuticas e Considerações Éticas

Embora a cetose induzida por jejum ou dieta cetogênica já seja aplicada em condições como epilepsia refratária, os autores sugerem que seu potencial terapêutico vai além do tratamento de doenças neurológicas. Eles defendem a investigação do uso clínico de estados cetogênicos em condições inflamatórias crônicas, distúrbios cardiovasculares e mesmo no envelhecimento saudável. Contudo, alertam que a manipulação terapêutica desses estados exige cautela e um entendimento rigoroso dos mecanismos moleculares envolvidos, para evitar interpretações simplistas ou generalizações não fundamentadas.

Conclusão

O artigo reforça a noção de que a cetose fisiológica é um estado metabolicamente vantajoso e não patológico. Ao contrário de dietas ricas em carboidratos que promovem inflamação crônica e disfunção mitocondrial, a indução controlada da cetose pode restaurar a homeostase energética e oferecer proteção celular ampla. Assim, compreender os mecanismos e contextos apropriados para a indução da cetose fisiológica pode ser uma das chaves para o manejo moderno de doenças metabólicas e degenerativas.

Fonte: https://doi.org/10.1113/JP287462

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