A dieta carnívora está associada a baixos níveis de peptídeo C


No campo da medicina nutricional, poucos modelos alimentares têm provocado tantas transformações clínicas quanto a dieta paleolítica cetogênica (PKD). Desenvolvida e aplicada pelo International Center for Medical Nutritional Intervention, em Budapeste, a PKD é uma variação da dieta cetogênica tradicional, fundamentada em alimentos exclusivamente de origem animal, com proporção de gordura para proteína em torno de 2:1 (em peso) e rigorosa exclusão de vegetais, óleos vegetais, grãos, laticínios e suplementos. Um novo estudo retrospectivo conduzido por Zsófia Clemens e colegas trouxe à tona um dado laboratorial frequentemente mal interpretado: a associação entre a PKD e níveis persistentemente baixos de peptídeo C, mesmo em indivíduos saudáveis e não diabéticos.

O que é o peptídeo C e por que ele importa?

O peptídeo C é um marcador direto da produção endógena de insulina, uma vez que é liberado em quantidades equimolares à insulina pelas células beta pancreáticas. Em contextos clínicos, sua dosagem é fundamental para distinguir entre a insulina produzida pelo organismo e aquela administrada exogenamente, como ocorre em pacientes com diabetes tipo 1 (DT1). Valores abaixo de 0,6 ng/ml são tradicionalmente interpretados como sinal de falência das células beta, sugerindo DT1. No entanto, essa interpretação pode ser incorreta quando aplicada a indivíduos que seguem dietas de baixo carboidrato.

Metodologia e resultados do estudo

O estudo avaliou retrospectivamente 100 indivíduos (92 pacientes com diversas condições clínicas e 8 saudáveis), todos em adesão comprovada à PKD. Nenhum dos participantes possuía diagnóstico de diabetes tipo 1 ou utilizava medicações ou suplementos. A análise revelou que 55% dos participantes apresentavam níveis de peptídeo C abaixo da faixa de referência (0,9–1,8 ng/ml), apesar da ausência de sintomas clínicos de diabetes.

A média de glicose em jejum também se manteve dentro da normalidade ou abaixo dela, reforçando a ideia de que a baixa produção de insulina nesses casos é uma adaptação fisiológica à ausência de carboidratos na dieta, e não uma falência pancreática. A correlação entre peptídeo C e glicose foi estatisticamente significativa (r=0,48; p=0,000001), assim como a correlação entre peptídeo C e idade (r=0,28; p=0,005), sendo os valores mais baixos mais comuns em indivíduos mais jovens.

Adicionalmente, os homens apresentaram níveis médios de peptídeo C mais baixos do que as mulheres (0,83 ± 0,39 ng/ml vs. 1,08 ± 0,51 ng/ml), embora os níveis de glicose não tenham diferido entre os sexos.

Implicações clínicas e risco de diagnóstico incorreto

Um dos alertas centrais do artigo é o risco de diagnóstico equivocado de diabetes tipo 1 em pessoas que seguem dietas cetogênicas, especialmente em crianças. A presença de corpos cetônicos na urina e níveis baixos de peptídeo C pode levar médicos desinformados a iniciarem insulina desnecessariamente, sem considerar o contexto alimentar. Os autores propõem, inclusive, que sejam feitos testes de peptídeo C após refeição (estimulados), a fim de diferenciar estados fisiológicos adaptativos de disfunções reais da célula beta.

Conclusão

O estudo de Clemens et al. reforça a importância de interpretar exames laboratoriais considerando o contexto dietético do paciente. A baixa concentração de peptídeo C não deve ser automaticamente associada à falência pancreática, sobretudo em indivíduos aderentes a dietas com baixo ou nenhum carboidrato. Além de prevenir diagnósticos equivocados, essa compreensão pode também oferecer uma ferramenta para monitoramento da adesão à dieta.

Com o crescente número de pessoas adotando estratégias nutricionais restritivas em carboidratos, torna-se fundamental atualizar os referenciais clínicos à luz das evidências emergentes — e a PKD se destaca como uma das abordagens mais robustas nesse cenário.

Fonte: https://doi.org/10.20944/preprints202312.0817.v1

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: