Efeitos metabólicos da alimentação de pintinhos com dietas "sem carboidratos" (1967)


Efeitos Metabólicos da Dieta Sem Carboidratos em Pintinhos: Um Estudo Comparativo com Implicações para a Nutrição Humana

No senso comum, aves como frangos de corte são consideradas animais que dependem essencialmente de uma dieta rica em carboidratos. Rações comerciais frequentemente são compostas por milho, farelo de soja, trigo e outros grãos — fontes vegetais de amido e açúcar. Essa realidade alimentar moderna gerou a ideia de que o consumo de carboidratos seria fisiologicamente indispensável para o crescimento, a saúde metabólica e a performance das aves. Entretanto, esse paradigma foi desafiado por uma série de estudos clássicos em nutrição experimental, sendo um dos mais notáveis o trabalho conduzido por Ruth Renner e A. M. Elcombe, publicado em 1967 no Journal of Nutrition.

A pesquisa investigou os efeitos metabólicos da alimentação de pintinhos com dietas totalmente isentas de carboidratos e até mesmo de glicerol, utilizando como fonte energética apenas lipídios — seja óleo de soja (rico em triglicerídeos) ou ácidos graxos livres isolados da soja. Com esse modelo, os autores buscaram compreender como diferentes substratos energéticos afetam parâmetros metabólicos fundamentais em animais em fase de crescimento rápido.

Contexto experimental e composição das dietas

Os experimentos utilizaram pintinhos machos da linhagem White Plymouth Rock e cruzamentos com Dominant White. As dietas foram formuladas para fornecer 15,4 kcal de energia metabolizável por grama de proteína, valor considerado suficiente para sustentar crescimento adequado, sem excesso proteico. Foram testadas dietas com carboidrato (glicose), dietas sem carboidrato com óleo de soja (rico em triglicerídeos e glicerol), e dietas sem carboidrato nem glicerol (utilizando apenas ácidos graxos livres da soja).

Além disso, os pesquisadores também testaram versões com maior teor de proteína — reduzindo a densidade calórica para 13,2 ou 11,0 kcal/g — com o objetivo de observar se o aumento de substrato gliconeogênico (aminoácidos) poderia compensar os efeitos de uma dieta extremamente cetogênica.

Foram avaliadas glicose sanguínea, níveis de corpos cetônicos, reservas de glicogênio hepático e muscular, além do teor de gordura hepática.

Principais resultados

1. Glicemia mantida na ausência de carboidratos

Os pintinhos alimentados com dietas sem qualquer carboidrato apresentaram níveis normais de glicose no sangue. Mesmo sem glicerol como substrato gliconeogênico secundário, a glicemia foi preservada. Isso indica que a gliconeogênese — especialmente a partir de aminoácidos — foi suficiente para atender às demandas metabólicas.

Esse achado espelha observações em humanos. Estudo clássico de Kekwick e Pawan (1957) demonstrou que adultos obesos em dietas cetogênicas hipercalóricas ricas em gordura e pobres em carboidratos mantinham a glicemia estável, mesmo com elevada excreção de nitrogênio — evidência do uso de aminoácidos como fonte de glicose. Da mesma forma, Azar e Bloom (1963) relataram que, em humanos, estados de jejum e dietas sem carboidratos produzem efeitos metabólicos semelhantes, sustentados por gliconeogênese endógena.

2. Modulação da cetogênese por proteína e glicose

A cetogênese — produção de corpos cetônicos — aumentou significativamente quando os pintinhos foram alimentados exclusivamente com ácidos graxos livres (sem glicerol). No entanto, a adição de pequenas quantidades de glicose ou aumento da proporção de proteína reduziu esse efeito.

Em humanos, esse fenômeno é igualmente bem descrito: dietas com alta relação gordura/proteína promovem cetose nutricional profunda, enquanto a ingestão elevada de proteína pode reduzir os níveis de corpos cetônicos ao fornecer substratos gliconeogênicos em excesso. Estudos como os de Phinney et al. (1983) e Volek et al. (2004, 2016) demonstraram que a cetose pode ser sustentada com segurança em humanos, desde que o aporte proteico seja controlado e os carboidratos sejam minimizados.

3. Glicogênio hepático reduzido, mas muscular preservado

Outro achado relevante foi a redução significativa do glicogênio hepático em pintinhos alimentados com dietas sem carboidratos. Essa depleção foi mais acentuada quando a dieta não continha nem glicose nem glicerol. No entanto, o glicogênio muscular permaneceu estável, indicando uma possível priorização da reserva energética muscular em detrimento da hepática — padrão já observado em outros mamíferos.

Em humanos, a literatura mostra que, mesmo com depleção hepática, os níveis de glicogênio muscular podem ser mantidos após adaptação cetogênica. Em atletas treinados sob dieta cetogênica, estudos como os de Volek et al. (2016) demonstraram desempenho preservado e até melhorado em modalidades de endurance, mesmo com menor disponibilidade de glicogênio hepático.

4. Dietas ricas em gordura não causaram fígado gorduroso

Um dos achados mais notáveis foi que as aves não desenvolveram esteatose hepática, mesmo quando alimentadas com dietas ricas em gordura e sem carboidratos. Pelo contrário, os níveis de gordura no fígado foram menores quando as dietas não continham glicose nem glicerol.

Esse resultado contrasta com modelos em roedores, nos quais dietas ricas em gordura frequentemente levam à esteatose hepática, especialmente quando combinadas com carboidratos. Em humanos, há forte evidência de que a principal causa de acúmulo de gordura no fígado é o excesso de carboidratos — especialmente frutose — e não a gordura dietética em si.

Estudos clínicos controlados confirmam isso. Um exemplo é o estudo conduzido por Browning et al. (2009), que demonstrou redução significativa da gordura hepática em apenas duas semanas de dieta cetogênica em pacientes com esteatose. Outros estudos (como Yki-Järvinen et al., 2008) reforçam que a retirada de carboidratos da dieta pode normalizar o conteúdo hepático de gordura, mesmo com ingestão elevada de gordura saturada.

Interpretações e implicações clínicas

O estudo de Renner e Elcombe fornece uma sólida base experimental demonstrando que aves — tradicionalmente vistas como dependentes de carboidratos — podem se adaptar metabolicamente à ausência total desses nutrientes. A chave está na regulação da proporção entre proteína e gordura, determinando o equilíbrio entre gliconeogênese e cetogênese.

Nos seres humanos, os achados do estudo são corroborados por múltiplas evidências clínicas e metabólicas. Dietas cetogênicas bem formuladas:

  • Mantêm glicemia por meio da gliconeogênese;
  • Induzem cetose de forma fisiológica, não patológica;
  • Preservam o glicogênio muscular após adaptação;
  • Reduzem o conteúdo de gordura hepática, ao contrário do mito de que dietas gordurosas causam fígado gorduroso.

Esses dados, obtidos em modelo animal controlado e respaldados por estudos clínicos em humanos, reforçam que a presença de carboidratos na dieta não é obrigatória para manter saúde metabólica, desde que haja substrato proteico suficiente e fontes lipídicas adequadas.

Ao contrário do que é popularmente difundido — tanto na nutrição animal quanto na humana —, os carboidratos não são essenciais do ponto de vista bioquímico. Isso não significa que devam ser eliminados indiscriminadamente, mas sim que estratégias nutricionais que priorizam proteína e gordura podem ser perfeitamente viáveis e metabolicamente seguras, inclusive em contextos terapêuticos.

Referências

Kekwick, A., & Pawan, G.L.S. (1957). Metabolism, 6, 477.
Azar, G.J., & Bloom, W.L. (1963). Archives of Internal Medicine, 112, 338.
Phinney, S.D., et al. (1983). Metabolism, 32(8), 769–776.
Volek, J.S., et al. (2004). J Am Coll Nutr., 23(2), 177–184.
Volek, J.S., et al. (2016). Metabolism, 65(3), 100–110.
Browning, J.D., et al. (2009). Am J Clin Nutr., 89(2), 500–508.
Yki-Järvinen, H., et al. (2008). Hepatology, 48(2), 458–465.

Fonte: https://doi.org/10.1093/jn/93.1.31

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