Ao longo da história da medicina, o diabetes tipo 1 tem sido tratado como uma condição irreversível, exigindo uso vitalício de insulina. No entanto, um relato clínico publicado por Csaba Tóth e Zsófia Clemens no International Journal of Case Reports and Images em 2014 trouxe à tona um caso que desafia essa premissa. O estudo descreve a experiência de um jovem de 19 anos que, após ser diagnosticado com diabetes tipo 1, obteve controle completo da glicemia e aumento significativo da produção endógena de insulina apenas com a adoção rigorosa da dieta paleolítica cetogênica — também conhecida como PKD.
O caso clínico
O paciente apresentou sintomas clássicos de hiperglicemia, como sede excessiva, urina frequente e perda de peso. Sua glicemia de jejum estava em 384 mg/dL, e os marcadores laboratoriais confirmaram o diagnóstico de diabetes tipo 1: HbA1c em 9,2%, anticorpos anti-GAD positivos (52 U/mL) e presença leve de autoanticorpos contra células das ilhotas pancreáticas. Inicialmente, foi iniciado o tratamento convencional com insulina (38 UI/dia) e dieta padrão para diabéticos (240 g de carboidratos/dia). Ainda assim, a glicemia permanecia instável.
Vinte dias após o início do tratamento tradicional, o paciente passou para a dieta paleolítica cetogênica sob supervisão médica. A dieta consistia exclusivamente em carnes vermelhas, vísceras, gordura animal e ovos, com exclusão total de laticínios, óleos vegetais e adoçantes. A proporção de gordura para proteína+carboidrato era de pelo menos 2:1.
Resultados metabólicos
A resposta foi imediata. Já após a primeira refeição na nova dieta, a glicemia caiu para 86 mg/dL e a insulina foi descontinuada. A média glicêmica caiu para 85 mg/dL, com mínima variação pós-prandial (aumento médio de apenas 5,4 mg/dL após refeições). A estabilidade glicêmica foi acompanhada por aumento expressivo no peptídeo C — de 0,6 ng/mL no início da dieta para 2,2 ng/mL em apenas 10 semanas, indicando restauração da função das células beta pancreáticas.
Além da normalização da glicemia e do HbA1c (reduzido para 5,5%), o paciente permaneceu sem sintomas e não apresentou efeitos adversos ao longo dos 6,5 meses de acompanhamento.
Discussão e implicações
Este é o primeiro caso documentado em que um paciente com diabetes tipo 1 recém-diagnosticado conseguiu interromper completamente a insulinoterapia e manter normoglicemia apenas com intervenção dietética. A elevação sustentada do peptídeo C sugere possível reversão do processo autoimune em fase inicial.
Os autores destacam que a exclusão de proteínas lácteas pode ter sido crucial, dado que proteínas do leite de vaca são associadas a processos autoimunes no diabetes tipo 1. O caso contrasta com relatos em que dietas cetogênicas tradicionais, que incluem laticínios, foram seguidas do desenvolvimento da doença.
Embora os níveis de colesterol total e LDL tenham aumentado, os autores enfatizam que esses marcadores não devem ser automaticamente considerados indicativos de risco cardiovascular, conforme evidências contemporâneas.
Conclusão
A dieta paleolítica cetogênica pode representar uma alternativa viável e segura no manejo precoce do diabetes tipo 1, especialmente em indivíduos com secreção residual de insulina. Ainda que o tempo de acompanhamento neste caso seja relativamente curto, os resultados alcançados justificam novas investigações em contextos clínicos controlados.
O relato oferece uma nova perspectiva sobre uma doença tradicionalmente considerada incurável por vias não farmacológicas, ressaltando o potencial terapêutico de uma dieta estritamente baseada em alimentos de origem animal, sem aditivos ou alimentos modernos.
Fonte: https://doi.org/10.5348/ijcri-2014124-CR-10435