Um ensaio clínico randomizado publicado em 2025 na revista BMC Women's Health trouxe novas evidências sobre o papel da dieta cetogênica modificada com triglicerídeos de cadeia média (TCM) como adjuvante ao tratamento convencional da endometriose. O estudo conduzido por Fatemeh Naeini e colaboradores teve como objetivo investigar se essa abordagem dietética seria capaz de aliviar sintomas clínicos comuns em mulheres com a doença, como dor pélvica, dispareunia (dor durante relações sexuais) e disquesia (dor para evacuar).
Contexto e justificativa
A endometriose é uma condição ginecológica crônica que acomete até 15% das mulheres em idade reprodutiva. Caracteriza-se pela presença de tecido semelhante ao endométrio fora do útero, causando dor intensa e comprometendo significativamente a qualidade de vida. Os tratamentos tradicionais incluem anticoncepcionais hormonais e cirurgias, mas muitos casos apresentam recorrência dos sintomas mesmo após essas intervenções.
Nesse contexto, abordagens terapêuticas que atuem nos mecanismos subjacentes da doença — como inflamação, estresse oxidativo, angiogênese e vias de sinalização como a Wnt/β-catenina — vêm ganhando atenção. Estudos anteriores em modelos animais e outras doenças inflamatórias sugerem que a dieta cetogênica pode modular esses processos, tornando-se uma opção promissora.
Metodologia do estudo
Participaram 50 mulheres com endometriose leve a moderada (estágio I ou II), com idades entre 25 e 35 anos e IMC entre 21 e 25 kg/m². Elas foram divididas em dois grupos:
- Grupo intervenção: recebeu dieta cetogênica modificada com TCM, somada ao tratamento convencional com anticoncepcional oral;
- Grupo controle: recebeu apenas o tratamento convencional.
A intervenção teve duração de 12 semanas. A dieta utilizada continha de 70 a 80% de gordura (incluindo óleo TCM), 15 a 20% de proteína e 5 a 10% de carboidratos, com uma razão gordura:carboidrato de 3:1. O consumo de grãos, açúcares, laticínios e frutas foi restringido, e foram oferecidos cerca de 40 cardápios personalizados para orientar as participantes. O estado de cetose foi monitorado por tiras urinárias.
Resultados principais
Dos 50 participantes iniciais, 44 completaram o estudo. As principais descobertas foram:
- Dispareunia: redução significativa no grupo cetogênico comparado ao controle (p = 0,02);
- Disquesia: também apresentou redução significativa no grupo intervenção (p = 0,001);
- Dor pélvica: houve uma tendência de redução (p = 0,07), mas sem significância estatística no comparativo entre grupos;
- Parâmetros metabólicos: não houve alterações significativas em peso, IMC, circunferência abdominal, colesterol total, HDL, LDL, triglicerídeos, AST e ALT. Houve apenas um leve aumento do colesterol total no grupo intervenção.
Esses achados reforçam a hipótese de que a dieta cetogênica com TCM pode modular positivamente sintomas associados à inflamação e dor crônica, sem impacto adverso em parâmetros metabólicos, ao menos no curto prazo.
Limitações e considerações
O estudo apresenta limitações importantes, como a amostra restrita a mulheres jovens e com IMC normal, o que dificulta a generalização dos resultados para populações mais amplas. Além disso, marcadores inflamatórios específicos (como PCR, IL-6, TNF-α) não foram medidos, o que teria enriquecido a compreensão dos mecanismos envolvidos. Também não foram incluídas avaliações de qualidade de vida padronizadas, como os questionários SF-36 ou EHP-30.
Conclusão
Embora preliminares, os resultados indicam que a dieta cetogênica modificada com TCM pode ser uma estratégia complementar eficaz na redução da dor associada à endometriose, especialmente dispareunia e disquesia. Estudos futuros com maior número de participantes, incluindo mulheres com endometriose em estágios mais avançados, e que incorporem marcadores inflamatórios e avaliações de qualidade de vida, são necessários para confirmar esses benefícios.